domingo, 28 de janeiro de 2007

Simplicidade

Santa Terezinha, morta em 1897, é uma das personalidades mais admiráveis da modernidade. Infelizmente, em relação aos santos, se mistifica muito mais do que qualquer outra coisa, e logo eles perdem a carne e os ossos, e o que é pior: perdemos nós a notícia de que, assim como eles, também nós podemos ser santos.
Tereza de Lisieux não foi santa porque fez prodígios, milagres, ou apareceu, foi santa porque numa época niilista, ousou crer, foi uma revolucionária do seu tempo, e a Igreja hoje a reconhece: proclamou-a doutora da Igreja e co-padroeira das missões, junto com São Francisco Xavier, a ela que nunca saiu do convento. Ela, que queria verter o seu sangue anunciando o Senhor Jesus nas missões mas não pôde, acabou derramando-o numa tuberculose que custou sua vida... Terezinha é uma mulher admirável, e toda esta riqueza de seus vinte e quatro anos de vida pode ser conferida no belíssimo livro que ela deixou para a posteridade: História de uma Alma. Lá, ela fala uma coisa que me tocou muito. Fala citando um dos livros do Antigo Testamento, o Livro da Sabedoria. Lá, a Sabedoria (o Logos Divino, a Ratio, que mais tarde se faria carne na Virgem Maria) diz: "Quem for simples, venha a mim" (cf. Sb 9,4). Eu por muito tempo fui tocado, mas não entendi, eu que sempre senti atração pela complexidade, ouço a Sabedoria dizer: "quem for simples, venha a mim" (Sb 9,4), logo eu, que sempre desejei a sabedoria, e sempre fui tão complexo...
Para complicar ainda mais a questão, re-assisto a uma entrevista de Clarice Lispector no You Tube, na qual ela diz: "o que eu escrevo é simples". E eu sempre a achei complicada. Nunca a entendi. Sempre a pulava. Como com Machado. Sempre começava a ler. E sempre inacabava. E nunca entendia, o que era pior. Re-li sua novela magistral, A Hora da Estrela, e achei de fato, simples. Neste ano que passou, tornei-me viciado (literalmente!) em Machado de Assis (estou tornando-me viciado pela realidade), e agora, finalmente, parece que vou conseguir terminar o seu Memórias Póstumas de Brás Cubas. E estou impressionado com a atração que Machado está tendo sobre mim. Mas não é Machado, é a simplicidade. Machado, como Clarice, são terrivelmente simples. E por que não os entendemos? Porque somos terrivelmente complexos.
O que quer dizer complexidade? Eu diria numa palavra simples: confusão! A complexidade deveria ser um maior amontoamento de fatores, mas hoje quer dizer perda do significado unívoco, unitário. Não sabemos mais o que é o todo, o significado do todo, seccionamos a realidade em milhares de especialidades e não sabemos mais o que toda a realidade significa, por isso não entendemos Machado nem Clarice, porque eles são simples, e nós, complexos. A complexidade é confusão, e a confusão é uma névoa de fumaça entre nós e a realidade, nos impede de ver a realidade, de estar diante da realidade, no máximo podemos discutir sobre a realidade, mas não estar diante do real.
A sabedoria, cujo outro nome é verdade, exige que estejamos diante da realidade, e não diante dos discursos que se fazem sobre a realidade, senão a confusão reinará e nós não entenderemos mais nada, nem a nós mesmos, quanto mais Clarice ou Machado. Infelizmente, a pedagogia moderna vai na contramão disto. O educador Edgar Morin fala sempre na "educação à complexidade", que na prática, é uma educação à confusão, ao blá-blá-blá, à construção e análise de discursos, mas nunca a uma descoberta apaixonada e fascinante da realidade. Não é à toa que até os títulos de seus livros pouco querem dizer, parecendo mais mero jogo de palavras que qualquer outra coisa, tipo "O humano do humano", "A natureza da natureza" etc. Tudo o que a modernidade precisa é voltar à realidade tal como ela é, ou seja, de simplidade. Mas eu acho que toda essa complexidade, ou melhor, essa confusão, essa nuvem de fumaça, é uma forma de evitar olhar para o legado de niilismo que a modernidade nos deixou.

Nenhum comentário: