sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A pós-modernidade como desejo do Fato

Uma das palavras mais comuns do dicionário pós-moderno é a palavra "acontecimento", evento, happening, événément. Poderíamos dizer também fato. Michel Foucault, no livro A Ordem do Discurso (na verdade, a compilação de sua aula inaugural do Collège de France em 02/12/1970), classificou o acontecimento como a corporificação do imaterial, portanto a emergência dos nossos desejos, das nossas ânsias. A pós-modernidade tem uma verdadeira ânsia de que algo aconteça, de que o novo, como canta Elis Regina, venha. Assistimos, na aurora do século XXI, ao retorno do desejo, o retorno daquilo que a modernidade destruiu. A pós-modernidade, como conta Jean-François Lyotard, é "a descrença em toda e qualquer metanarrativa", em outras palavras, significa o fim da ilusão de que o homem, por sua própria conta, como desejava o projeto de emancipação iluminista, iria realizar os mais altos ideais que carrega em seu coração, como a paz, a liberdade, a justiça, a felicidade. A pós-modernidade significa o fim da ilusão moderna. O desejo, porém, continua. A humanidade vive um momento terrível, de confusão e desespero. A modernidade, o projeto iluminista, lhe tirou Deus, enquanto que os séculos marcados em nome da ação frenética do homem para atingir o "paraíso na Terra", os séculos XIX e XX (junto com o início do século XXI) foram os mais sangrentos da História e retiraram, num olhar realista, qualquer ilusão de auto-emancipação. Mas o desejo continua, persiste, porque é estrutural, constitutivo, não está ligado a nenhuma contingência biológica,psicológica, sociológica ou histórica. O marketing e a propaganda usam e abusam desse desejo, mas não vão poder satisfazê-lo com algo minúsculo, dado que o desejo é de infinito. E este desejo exige o fato, quer, anseia que algo aconteça, e como esse algo não vem, porque no fundo domina um ceticismo generalizado, em Deus e no homem, os pós-modernos "criam" o fato: protestos, manifestações, aglomerações às vezes totalmente sem sentido (como em São Paulo, há dois anos, quando milhares de pessoas tiraram a roupa e posaram para uma foto coletiva). O que urge é a vinda do que o coração espera, que ninguém sabe o que é, e que quer abafar a qualquer custo. O desejo ali permanece, e nossa esperança única, no avanço da pós-modernidade é a correspondência entre esse desejo e a Beleza, que passe diante dele. Como disse Dostoievski: "A Beleza nos salvará", nos tirará dessa situação de confusão, morte e desespero na qual nos metemos. Ou Pasolini: "Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito". O grande papa Bento XVI, verdadeiro profeta da nossa era, em 2005 fez o seguinte anúncio: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo." (Deus caritas est, 25/12/2005). Uma pessoa-Cristo- é esse fato, este event (está em inglês mesmo), este acontecimento que as pessoas na pós-modernidade tanto anseiam e desejam. Tanto que a última palavra da Bíblia (no Apocalipse) numa era que afirma que o novo sempre vem é: "Vem, Senhor Jesus!" (cf. Ap 22,20). Ele é o novo, que veio, vem e que virá!

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