sexta-feira, 30 de maio de 2008

A obscenidade da morte

Antes de mais nada, afirmo que a partir deste, meus posts mudarão de "final". A interlocução com os leitores é fundamental, e não se escreve para si, mas para um público. Como disse André Petry em Veja, "o que é tornado público, público é, e pertence ao público". Pois bem: dito isso, desejo escrever sobre um tema que há muito me provoca: a obscenidade da morte. Na contemporaneidade, existe uma inversão profunda entre eros e tanathos, entre o sexo e a morte. Desde há muito, se se dá conta das relações inexoráveis entre o sexo e a morte, tanto que para os franceses, "orgasmo" se diz "la petite mort" (a pequena morte). O fenômeno que aconteceu foi uma "inversão da obscenidade". Há quarenta anos, morrer era uma realidade conhecida, sabida e até esperada por todos como a única certeza da vida, enquanto que o sexo era algo vivido às escondidas como pertencente ao puro domínio. Hoje esse quadro inverteu-se: o sexo publicizou-se em absoluto, a tal ponto que uma amiga me disse essa semana que testemunhou uma colega de classe fazer sexo com o namorado em plena praça de alimentação do Shopping Barra. Mas da velhice e da morte inexorável ninguém fala!
Por que não se fala mais do envelhecimento mais hoje? Eu sempre fico impressionado com isso! Velhice é sinônimo de sabedoria! Eu sempre gostei de estar "ao pé do ouvido" dos meus avós para aprender deles a vida, e sou grato de ter várias pessoas na família e até amigos na faixa dos sessenta e setenta anos!
A presença dos velhos nos lembra duas coisas: primeiro que nós mesmos envelheceremos um dia, e que a morte é uma realidade presente! Por mais que a expectativa de vida tenha crescido de forma fantástica e a medicina tenha evoluído muito, a morte existe e chegará um dia!
A realidade da morte é algo fantástico no sentido de que nos obriga a pensar na vida. Sem a morte, certamente viveríamos na banalidade mais absoluta, infinita. Seria o inferno eterno, cansaríamos de nós mesmos em pouquíssimo tempo.
Mas por que a realidade da morte é tão negada hoje?
Por uma simples razão: porque a vida é negada, não pensa-se mais na vida, como disse Camus "a mais urgente das questões", e a morte vem nos lembrar que toda luta por poder, especialmente, reduzir-se-á a , "tudo será nada", dirá Sartre.
A morte torna-se obscena porque a vida torna-se sem sentido. É a ausência de sentido e significado na vida que torna a realidade da morte tão angustiante e negada!
Mas a exigência de sentido continua. O homem é como aquelas árvores de outono no hemisfério Norte que fica com os galhos todos voltados para o alto, é como um grito, é exigência de sentido. É essa exigência de sentido e significado que nos move, mesmo de forma inconsciente, essa busca de uma felicidade verdadeira, que dure, que permaneça, que exista, esse é o verdadeiro motor do homem, e ele não aceita que a morte venha e destrua tudo, tornando a realidade, como afirma Sartre, "absurda", e "quanto melhor, pior", porque vai acabar. O nosso coração tem verdadeiro horror ao nada, e é por isso que a morte é algo tão obsceno em nossos dias.
Numa sociedade que relativiza tudo, que não olha a realidade (porque a verdade não é um conceito abstrato, mas a realidade que eu tenho na minha frente), na qual a decisão sobre a vida humana é colocada na mão de 11 juízes do Supremo Tribunal Federal, nada tem sentido, nem a morte, nem a vida. É terrível a nossa época: somos carregados de exigências, de justiça, de paz, de liberdade, de felicidade, de amor... que estão fadadas ao nada, ou existe a possibilidade destas exigências serem satisfeitas? Existe a possibilidade delas não serem destruídas pela morte nem pelo niilismo?
Cristo ressuscitado é a vitória sobre o nada! Desde a sua ressurreição na manhã da Páscoa, este fato disputa palmo a palmo o terreno com a noite. Desde a manhã da Páscoa, não mais a morte é a senhora, mas Jesus é que é o Senhor, vitorioso sobre a morte e sobre o nada: eu experimento isso em minha vida! É o esquecimento deste fato que faz com que o nada volte a triunfar, a vida perca o sentido e o significado, a depressão avance e a velhice e a morte se tornem cada vez mais obscenas!

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