quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A geração do nada


Daniela Mercury tem uma música que eu acho muito interessante para designar o clima humano que vivemos atualmente: é a Geração Perdida. Na música, ela fala da geração do nada, que ressuscitou sem morrer.

O que eu penso sobre isto? O seguinte fato: vivemos numa época de abundância sem precedentes, que a nossa geração tem sem o sacrifício que teve a geração passada. Somos servidos por computador, internet, TV, ar condicionado, viagens de avião baratas, sem falar em outras coisas, e isso me é muito mais evidente nas pessoas das classes média e alta, pessoas que ressuscitaram sem morrer.
O problema de tudo isso é que os desejos mais profundos de nosso coração ficam obnubilados, obscurecidos por essa montanha de coisas que visa em tese, satisfazer o nosso desejo, mas elas não nos satisfazem, no máximo, nos distraem dos nossos desejos. Não estou aqui pregando que nos livremos dessas coisas, mas a pergunta: "o que, de fato, satisfaz o nosso desejo?" não pode ficar obnubilada e esquecida por camadas profundas de distração, que podem ser desde essas coisas que nos trazem conforto, até mesmo estudo ou trabalho alucinado, drogas ou sexo alucinante.

Quem já fez experiência com uma ou mais dessas coisas pode se dar conta muito bem de que o verdadeiro desejo é muito mais profundo e muito mais além, como se cada coisa gritasse: "Não sou eu! Não sou eu! É outra coisa que te satisfaz!" Eu, por exemplo, gosto muito de livrarias, mas comecei a ir e a me sentir triste. Olhando para o que estava me acontecendo, me dei conta de que estava triste por perceber a minha ignorância diante da infinidade de coisas a aprender, depois ainda fiquei mais triste por me dar conta da minha impotência, pois mesmo que quisesse ou me empenhasse loucamente, não ia conseguir aprender tudo o que desejo. E aí me veio a pergunta: "o que me é necesssário aprender? Em qual tipo de conhecimento eu encontro verdadeira satisfação?"
A filósofa Maria Zambrano vem ao meu socorro quando fala do nexo com o real, que é o que o que nos dá força e é o nosso íntimo sustento. Se falta esse nexo com o real, é sinal de que alguma coisa está errada. Me dei conta de que o que eu tenho de aprender em primeiro lugar é a amar a realidade, a começar por mim mesmo, que devo ser a realidade que mais deve me interessar. Quem sou eu? O que faço aqui e por quê? Qual a minha origem e destino?
Muitos podem me dizer que estas são perguntas adolescentes, mas não é verdade! Estas são as perguntas que dominam os grandes gênios da História, como o italiano Leopardi e o nosso brasileiríssimo Vinícius de Moraes. São perguntas que definem o humano, encontramo-las em ateus, comunistas, budistas, muçulmanos, cristãos, judeus... elas são o tecido do humano. É para responder a essas perguntas que nos movemos todos os dias, em cada movimento e em cada pensamento. É por causa de uma exigência de beleza que Dostoiévski disse "a beleza salvará o mundo", pois é ela que nos chama a atenção para a profundidade do real (em sânscrito beleza significa casa onde Deus - o Mistério - brilha), é por causa de uma exigência de justiça e de paz que Luther King Jr. disse "eu tenho um sonho", por causa da exigência da verdade que Einstein disse: "quem não reconhece o Mistério não pode ser nem mesmo um cientista". Foi a exigência de liberdade que fez com que o sindicalista Lech Wałęsa construísse o Solidariedade e que levou o papa João Paulo 2º a apoiá-lo.
Esquecer essas exigências, esse "húmus" que nos torna humanos, é o que nos faz dar tudo por óbvio. É o esquecimento desse "húmus" o que nos faz construir a nossa própria vida e a vida da sociedade não para responder a essas exigências, que são as mais profundas aspirações do humano, mas para afirmar ideologias que em sua maior parte não passam de sofismas, de elucubrações em sua maior parte, não fundamentadas na realidade, naquilo que de fato existe. E assim trocamos - a maioria sem o saber - o nosso desejo verdadeiro, o infinito, pelo nada. A depressão não será a 2ª causa de morte em 20 anos - superando o câncer - à toa. Menos que o infinito, menos que tudo, não nos basta!

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