sexta-feira, 12 de setembro de 2008

No fio da navalha

Há alguns dias estava dando uma relida no livro Olga, de Fernando Morais, e lá tinha uma carta que ela escreveu dos campos de concentração para Prestes. Lá ela agradecia à vida o fato de tê-lo encontrado. "Quem", ou "o quê" é a vida? É o que eu chamei de Mistério, pois Deus, se existe, está dentro da vida, é a vida, não é algo que está lá atrás da última estrela.
Hoje comecei o meu dia chorando. Passei bem uns quinze minutos chorando por volta das sete da manhã. Meu cão, de quase 14 anos, que eu amo tanto, foi operado às pressas de uma recidiva de uma hérnia perineal. E até agora eu estou triste. O Mistério tem exigido muito de mim nesses últimos meses. Perdi dois amigos, um deles grande amigo, o poeta Bruno Tolentino, e há mais de quatro meses um dos meus tios está em coma sem previsão de melhora. Sem contar outras coisas - especialmente as incompreensões. Ser cristão não é uma coisa fácil. Amar é uma coisa muito difícil. Mas hoje vendo a minha caixa de e-mails fico muito feliz pelos grandes que este Mistério, que é Consolador (um dos títulos do espírito Santo) me dá: Marco Antônio, Marco aurélio, Thaís e Charles, amigos de verdade, que tenho certeza, o são para a vida inteira, não somente para um projeto ou ocasião.
E aqui eu entro no tema que eu queria falar: nós estamos no fio da navalha entre três coisas: a esperança, a utopia e o niilismo.
Eu queria falar primeiro da utopia. Utopia vem do livro de Santo Tomás Morus do mesmo nome: significa literalmente lugar inexistente, a sociedade perfeita. Em suma, o que este santo quis dizer? apoiando-se na Cidade de Deus, de Santo Agostinho (354-430), ele quis dizer que a sociedade perfeita é impossível de ser construída pelos homens e traça um perfil ideal onde se cumpririam os desejos mais profundos do coração do homem. Onde ele buscou inspiração? Para meu deleite, Chesterton (1874-1936) em Ortodoxia, me revelou: a utopia nada mais é que a Nova Jerusalém do Apocalipse (capítulos 21 e 22), a Cidade de Deus. A utopia nada mais é do que a tentaiva de trazer o paraíso à Terra à fórceps, e santo Tomás Morus chamando isso de utopia, disse "é impossível". O fracasso do socialismo real e também do liberalismo, ou seja, o fracasso do Iluminismo, do projeto moderno, nada mais é do que isso. O fim da utopia (o fim da História de Fukuyama - cópia mal-feita de Hegel - nada mais é que o fim da utopia) descambou no niilismo. Ninguém acredita mais em nada. Por isso, é muito mais fácil falar em aborto do que em desenvolvimento (no pensamento liberal) ou numa sociedade mais equânime (como seria o pensamento socialista).
E onde entra a esperança? O que é a esperança verdadeira, a que não falha? A esperança verdadeira não vem de um tomara. Vem de uma certeza. Como o agricultor que planta o grão de trigo, e espera colher trigo e não milho. Como podemos esperar? Podemos esperar se já vemos alguma coisa. E esse "ver alguma coisa" é o que chamamos de fé. Fé não é criar um Papai Noel ou um coelhinho da Páscoa e ficar esperando neles. A fé é como o agricultor que reconhece a plantinha que está crescendo e espera que ela lhe dê o trigo que vai lhe alimentar? O que é que podemos ver e o que podemos esperar? O que podemos ver é a comunidade cristã, uma Igreja que aos trancos está reunida em torno de um homem - o Papa (o Vigário de Cristo) - há 2000 anos, isso por si só já é um milagre (quem foi à Sydney em julho encontrar Bento XVI pode bem testemunhar isso). O que se chama de Nova Jerusalém, Cidade de Deus ou Utopia é o cumprimento, a plena realização desta comunidade que é "a semente" do novo mundo. A comunidade cristã já é a utopia realizada, uma outra forma de se relacionar com a realidade, totalmente diferente, e que se manifesta como amor, a começar pelo amor por si próprio (dado que eu não sou nem um pouco óbvio - não é óbvio que eu exista e viva). É só o desenvolvimento desta comunidade em toda a sua potencialidade e plenitude - que é o que chamamos de amor - que vai renovar o mundo. Pois o mundo precisa de amor e de esperança. Ou seja, precisa de Cristo. Obrigado aos meus amigos por me darem este eloqüente testemunho do Senhor ressuscitado que me abraça, mesmo em meio aos sofrimentos e às dores! Obrigado!

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