sábado, 13 de setembro de 2008

Sobre um certo "mundo novo"

Uma das coisas que mais me surpreende hoje é além da falta de profundidade com a qual as pessoas falam as coisas, a leviandade presente. Há alguns dias eu ouvi me falarem - do alto da sua capacidade exegética - que a Bíblia havia sido alterada milhões de vezes (sic!) Anteontem, li despautérios completos acerca das células-tronco e coisas do gênero. O detalhe é que as pessoas não mais põem nada em crítica e aceitam tudo o que a mentalidade dominante lhes impinge sem questionar nada, e o pior de tudo tachando a si mesmas como "livres pensadoras", "emancipadas" e assim vai.
Um livro muito interessante para esclarecer o nosso mundo hodierno é o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, escrito em 1931 (sic!)
Por que eu falo dele?
Justamente pelo fato da Igreja é contrária à fecundação artificial, pública e oficialmente desde 1968 quando o papa Paulo VI publicou a Encíclica Humanae Vitae (Vida Humana), na qual posicionou-se contrário não só à fecundação artificial, como ao controle artificial da natalidade (é bom frisar o termo artificial).
Quando a Igreja toma certas posições polêmicas ela o faz somente com um objetivo: a defesa do humano, do homem. É acusada pelos modernos de "obscurantista", mas quando Paulo VI declarou inaceitável a fecundação artificial ele sabia muito bem dos riscos futuros que ela implicava: um deles a proliferação de inúmeros embriões fecundados que estão atualmente congelados e para os quais não se sabe o que fazer (até aparecem as ditas pesquisas com as células-tronco embrionárias).
O que está em jogo é uma concepção de homem. Para a Igreja, o homem tem um valor infinito, imensurável, por ser relação direta com o Mistério e além disso ter como potencialidade a consciência de si. Por isso, o menor homem vale mais do que todo o cosmos. Existe uma outra mentalidade que se intitula moderna, para a qual o homem não vale por si [como relação com o infinito], mas vale somente da sua relação com o Estado. Para a modernidade, é o Estado que dá dignidade às pessoas e só devem viver as pessoas que o Estado aceita dignas de viver, sabe-se Deus com quais critérios (instáveis e mutantes). Mas isso que se disfarça como modernidade é na verdade o retorno do pensamento do Império Romano, onde só uma espécie de cidadão - o civis romanus - tinha todos os direitos. A idéia de dignidade humana, e de que todos têm os mesmos direitos é uma idéia cristã e que só tomou corpo com o avanço da Igreja, e que decai na medida em que esta mesma presença da Igreja na vida da sociedade decai, em virtude da apostasia que estamos presenciando.
Admirável mundo novo é muito interessante porque mostra como seria a vida em países totalmente "modernos" e dominados pelo Estado. na verdade, Huxley faz uma crítica mordaz e feroz aos totalitarismos comunista e nazista. E é impressionante como muito do que vivemos hoje foi antecipado nos anos 1930 como conseqüência do pensamento eugênico e nazista de engenharia social: a sexualidade desvinculada do amor, o fim da família e da reprodução natural, o fim da amizade, cada pessoa sendo somente um apêndice ao funcionamento da sociedade e do Estado, a terrível reprodução em laboratório em massa (na qual o ser humano é posto na esfera da produção), a eutanásia, o abandono dos idosos, o consumismo generalizado, o esquecimento da tradição, a censura, o totalitarismo, enfim, o horror, o horror...
E nós não estamos longe de tudo isso, pois muita coisa do que Huxley previu já aconteceu: a primeira foi a pílula, a revolução sexual (e o desvinculamento desta do amor), a reprodução artificial, a legalização do aborto, as pesquisas com células-tronco... e tudo isso é tratado como "modernidade". Não é, isso é o retorno ao mundo pré-cristão, do tempo do Império Romano, quando o homem valia nada e era escravo do poder. A maior prova do horror que é tudo isso é a destruição dos relacionamentos |(em especial os de amizade). Na encíclica Dives in Misericordia (A Misericórdia Divina), João Paulo 2º falou que a maior ameaça hoje ao planeta não são as catástrofes ambientais ou nucleares, mas a destruição do humano. E a destruição do humano se dá pela destruição dos relacionamentos, das amizades, porque o humano é construído dentro dos relacionamentos.
Tudo isso é pregado como o supra-sumo da novidade e o Paraíso na Terra. Huxley mostra bem como seria este paraíso que a gente já começa a experimentar com o avanço da droga, da depressão, do desespero, da violência e dos suicídios. E mais uma vez, tudo em nome do bom, do belo e do que há de melhor. E com centenas de páginas de acadêmicos para justificar!
Interessante o trecho do prefácio da segunda edição que o próprio Huxley escreveu, ficando surpreso com o fato de ele mesmo ver as coisas que antecipou no livro (ele morreu em 22/11/1963). Segue abaixo o que diz o próprio Huxley porque fala melhor que eu, sobre o novo totalitarismo e a nova escravidão mundial (travestido de modernidade, liberdade de escolha e côngeneres...):
"Um estado totalitário realmente eficaz seria aquele em que o executivo todo-poderoso constituído de chefes políticos e de um exército de administradores, controlassem uma população de escravos que não precisassem ser forçados, porque teriam amor à servidão. Fazê-los amá-la é a tarefa atribuída, nos atuais estados totalitários, aos ministérios da propaganda, editores de jornais e professores. (...) O amor da servidão não se pode estabelecer senão como resultado de uma revolução profunda e pessoal nas mentes e corpos humanos. (...) Com a restrição da liberdade política e econômica, em compensação, tende a crescer a liberdade sexual. E o ditador (...) fará tudo para encorajar essa liberdade. Em conjunto com a liberdade de sonhar acordado sob a influência de drogas, o cinema e o rádio ajudarão a reconciliar os vassalos com a servidão que é o seu destino. (...) Na verdade, a menos que escolhamos a descentralização e o emprego da ciência aplicada não como o fim cujos meios seriam os seres humanos, mas como meios para produzir uma competição de indivíduos livres, temos apenas duas alternativas de que nos podemos valer: certo número de totalitarismos nacionais e militarizados, tendo como raiz o terror da bomba atômica e como conseqüência a destruição da civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetução do militarismo); ou então um totalitarismo supranacional, proveniente do caos social resultante do rápido progresso tecnológico em geral e da revolução atômica em particular, e desenvolvendo-se debaixo da necessidade da eficiência e estabilidade como a tirania- bem-estar da Utopia. É só pagar e escolher." Aldous Huxley, no prefácio de Admirável Mundo Novo, 1946.

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