quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eloá

Escrevo esse post ouvindo Zombie e pensando nesse mundo no qual habita a injustiça, e também a tristeza, mas acima de tudo, o cinismo. Enquanto uma vida - uma vida! - foi perdida, as pessoas se metem em investigações cínicas para saber quem foi o culpado, ou pior ainda falando sobre o fato do pai da menina ser um foragido da polícia. Eu ouvi até gente dizer "aqui se faz, aqui se paga, matou tantos, e agora a filha foi morta" ... um absurdo completo!
Não consegui reprimir as lágrimas assistindo pela TV o enterro de Eloá e vendo como este mundo, como bem diz o Evangelho jaz no maligno, no mal, na mentira, no ódio. Porque as pessoas se odeiam umas às outras, se ignoram e se repelem umas às outras, e querem pôr toda a culpa num jovem de 22 anos como o ex-namorado de Eloá, Lindembergue. Não gosto de teorias que vitimizam, mas digo com certeza que ele nada mais é do que fruto desta sociedade que vive a época mais terrível da História, época na qual a depressão se tornará em breve, a segunda causa de morte no mundo. A depressão é algo terrível, eu já vi uma pessoa morrer de depressão, em 2004, e tenho amigos que sofrem com este, que é o mal do século XXI, a era mais gélida de todos os tempos. Dante, no canto XXXIV da Divina Comédia, afirma que "o coração, o centro do inferno é feito de gelo":


À parte era chegado, onde imergida
Cada alma em gelo está (tremo escrevendo),
Bem como aresta no cristal contida.
(...)
Do aflito reino o imperador eu via:
Do gelo acima o seio levantava.
A um gigante igualar eu poderia,

(Divina Comédia, Inferno, Canto XXXIV, vv. 10-12; 28-30)

O inferno ser de gelo significa que lá não há movimento, tudo é parado, é morte, é frio e desolação. Tudo isso porque o inferno nada mais é que um grande "não" ao ser e à vida, que podemos dar individualmente, mas que pela primeira vez na História, estamos dando coletivamente como sociedade: como é que um homem permite que a menina Nayara voltasse a estar com o seqüestrador se ele olhasse minimamente que fosse para o valor - infinito - da vida dela? Essas são questões que a desvalorização da vida, a cultura da morte nos impõe ... a vida não vale mais nada, e acabamos sendo, como afirmou Sartre, "formigas". Encontrei uma mulher revoltada no domingo com esta situação: "hoje em dia ninguém mais se preocupa com ninguém! O ser humano não é disso! Formiga é que é assim! Você pisa em uma, a outra cheira, e depois vai embora!" Os gatos também são assim, se dois gatos irmãos estão num telhado, um deles cai e morre, o que o outro faz? Vai cheirar, e depois sai, como se nada tivesse acontecido. Mas nós não somos assim, embora estejamos vivendo assim. É essa indiferença que tem gerado a depressão, o desespero e o desequilíbrio, porque o homem é exigência de infinito, de ser amado, acolhido e abraçado, o homem é espera do infinito, é espera do amor, e quando não encontra, murcha, fenece e morre.
Outra coisa que pouquíssima gente se deu conta. Pelo menos a mãe e o irmão de Eloá são evangélicos. "Eloá" em hebraico significa "Deus". É tremendo como uma metáfora profundíssima. Nossa sociedade está assim, porque Deus mesmo está sendo assassinado. Nietzsche disse: "Deus está morto - e completa - e fomos nós que o matamos". A morte de Eloá é poderosíssima para demonstrar que a sociedade está assim porque nós, nós assassinamos Deus, e portanto a própria Eloá. João Paulo 2º disse, na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1985, que quando nós assassinamos Deus, é o homem que morre a seguir. Porque o homem só tem valor, só tem o ser se o reconhecemos como relação direta com o Mistério, com o infinito, e portanto mais do que meras formigas.
A saída nos é dada pela própria mãe, que segue o que a grande filósofa Hannah Arendt reconheceu como a grandeza do cristianismo: o perdão. A mãe de Eloá perdoou o assassino. Eu chorei ontem vendo aquilo! Que mulher grandiosa! Dava pra ver que era verdade, que não era só encenação! E por que ela conseguiu perdoar? Porque já se reconhecia perdoada! A grandeza do cristianismo é que ele não é uma doutrina, uma teoria, é um fato, é Alguém que te diz: "Eu te amo, eu te perdôo!", que introduz o amor no mundo, pois para o homem, ser amado significa ser perdoado. Fiquei muito comovido com o irmão de Eloá que disse que aquilo se tratava de um desígnio de Deus para salvar a vida de sete pessoas, e que tinha ficado feliz com o fato de Eloá viver em sete pessoas! Meu Deus, como estou comovido! A solução para o mundo é mesmo o amor, que só pode vir da fé, como tantos têm nos testemunhado: Cleuza e Marcos Zerbini, Rose e Vicky de Uganda, e agora a mãe e o irmão de Eloá. De fato, um outro mundo é possível: esta é a vitoria que venceu o mundo, o inferno, a depressão e o nada: a nossa fé!

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