quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O insulto de Veja e o real significado de Darfur


A revista Veja publicou uma reportagem que eu considero um insulto, não somente aos cristãos, mas a todos os homens de boa vontade. A cereja do bolo foi o artigo de Reinaldo Azevedo "Que Deus é este?", que foi no mínimo uma canalhice.
Sinceramente, eu nunca vi algo mais deplorável, mais cínico, mais mal caráter que o que a Veja fez nesta semana. E com que intuito? Tirar a fé, e com ela a esperança, e o amor das pessoas, e justamente na semana do Natal, que vem nos relembrar o fato mais importante da História: o nascimento de Jesus Cristo!
A fé é justamente o reconhecimento de que existe algo de novo, "a mais" na História, um fator a mais que não o nosso costumeiro ódio, terror, medo e rivalidade. Há 2000 anos, no meio das guerras intermináveis, do ódio, da opressão e da revolta, um homem ousou dizer: "amem-se uns aos outros como eu amei vocês!" É impressionante porque esse homem, Jesus, é a introdução do amor no mundo. Não foi um simples profeta a anunciar o mundo futuro, mas construiu a partir dos apóstolos aquilo que iria mudar a face da Terra: uma amizade universal guiada, que existe até hoje, e nós conhecemos com o nome de "Igreja" (que em grego significa re-união: a Igreja é a re-união da humanidade dividida). Quem tem fé reconhece que Ele só pôde fazer isso porque era o próprio Deus feito homem. O amor é a maior "prova" da divindade de Jesus; é humanamente impossível.
Esta história iniciada por Jesus e marcada por inúmeras contradições (para quem quer me apontar as contradições da Igreja, basta lembrar que o traidor pertencia ao próprio grupo dos preferidos de Jesus), deu frutos cujo "perfume" é visível até hoje: a valorização da mulher, o reconhecimento da sacralidade da vida, a criação das escolas, dos hospitais e das universidades, a salvaguarda do patrimônio cultural da Idade Antiga, a civilização dos bárbaros, entre inúmeras outras coisas, que na maior parte dos casos, damos por óbvio, mas que devemos a Jesus Cristo e à Igreja fundada por Ele. Realmente, a imagem do homem moderno é Barrabás. Barrabás é o homem salvo por Cristo que não se dá conta disso. Fomos e somos salvos por Cristo, ainda nesta vida e não nos damos conta disso!
Uma das coisas mais impressionantes que eu observo é em relação à exigência de justiça. Quase todos os meus amigos que são "de esquerda", marxistas ou coisas do gênero, ou seja, pessoas que têm uma profunda exigência de justiça, tiveram contato com a Igreja! Foi justamente a Igreja, tão repudiada, que despertou neles essa exigência, que depois correm para saciá-la em outro lugar, quando o apóstolo São Paulo diz que a justiça "é a fé", isto é, reconhecer as obras de Deus. A obra de Deus é a pessoa mudada, como Tereza de Calcutá, por exemplo. Que existiu uma mulher como ela é motivo de esperança! Mas ela não é a única, como ela, existem aos milhares, aos milhões, pessoas que doam a própria vida ao outro "por amor a Jesus". Estas são as testemunhas silenciosas de "um outro mundo possível" pautado pela esperança.
Como a Veja pode publicar aquela foto - uma paródia quase satânica - dizendo que Darfur desafia "o simbolismo" do Natal? Ora, o Natal não é "um simbolismo", é um fato, uma criança que nasce; e Darfur desafiaria o Natal se somente ela existisse, se não existissem essas testemunhas anônimas na maior parte dos casos, que são o sinal e o começo do "outro mundo possível", porque fundado no amor, isto é, em Deus, porque Deus é amor.
Pois bem: eu fiquei chocado lendo o artigo de Reinaldo Azevedo porque ele se diz católico, e eu vi ali um atentado à fé, eu vi ali um insulto a todos os cristãos, somado à separação que ele operou entre fé e razão, tão condenada por João Paulo 2º e por Bento 16 (em 1998, na encíclica Fides et Ratio - Fé e Razão, João Paulo 2º afirmou que a fé e a razão são as duas asas pelas quais se eleva o espírito humano e que se falta uma, o espírito não decola). É verdade que precisamos de Cristo para viver com a Razão, mas somente porque Ele nos amou e nos ama. Ele nos ensina a viver com amor, a amar. Ele é a Razão-Amor, e viver com a Razão significa amar. O mundo moderno, que perdeu a fé, o reconhecimento deste fato extraordinário no meio de nós, vive em desespero e ódio. Que é o Mal? Desespero e ódio, em suma, niilismo. E qual a origem de tudo isso? A perda da fé. Sem fé, não há esperança e muito menos amor. Basta olhar para os lados.
E qual o significado verdadeiro de Darfur? Eu sinto muita dor quando eu penso que a dor daquelas pessoas está sendo utilizada pelo poder de uma forma tão mesquinha e ainda mais para tirar a fé das pessoas, sabe-se lá com quais propósitos. Darfur representa o fracasso do sistema internacional. O sistema internacional é impotente para impedir que "um ridículo tirano" - como canta Caetano Veloso - de um rincão da África extermine o seu próprio povo. Isto prova que o sistema internacional é uma piada completa. Quando eu me dou conta do que acontece em Darfur, eu não perco a fé em Cristo, como se Jesus ou a Igreja fossem os responsáveis pelo que acontece ali, eu olho o sistema internacional de forma mais realista e menos idolátrica.
O sistema internacional, tal como nós o conhecemos hoje, remonta aos míticos "Tratados de Westphalia", que aconteceram por volta de 1648. Concretamente, significou que os Estados Nacionais, já formados, regulariam-se uns aos outros, sem a intermediação do Papa. Westphalia significa a ateização da política. Significou dizer que "Deus, o Mistério, Cristo não entra aqui nesses assuntos". Wetphalia foi o início da autonomização que acompanha o homem desde o século XVII até os dias de hoje. O resultado de Westphalia foi a construção do "sistema europeu" de Estados (centrados no Reino Unido, na França e no Império Russo), que garantiu ao Reino Unido ser "o império que não via o sol se pôr", à França dominar boa parte da África e à Rússia expandir-se até às bordas do Japão. Foi este mesmo sistema europeu que engendrou a Tríplice Entente (formada pelos três impérios citados) e por fim, à Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Império Áustro-Húngaro), gerando uma disputa por hegemonia que, para quem não lembra resultou na Primeira e por fim na Segunda Guerra Mundial (o detalhe que ninguém sabe que a Segunda Guerra só acabou quando duas cidades japonesas católicas - Hiroshima e Nagasáki - foram destruídas, sacrificando milhares de católico ao ódio do poder), que liqüidaram juntas a vida de dezenas de milhões de pessoas.
Depois do fim da Segunda Guerra, se organizou a ONU e o sistema europeu, tendo já assimilado a URSS e seus satélites, incorporou as ex-colônias e tornou-se "sistema internacional". A ONU que "lidera" o sistema internacional, já mostrou-se incapaz de conter inúmeras barbáries, crimes e atentados contra os direitos humanos das mais variadas espécies. Nas ex-colônias, triunfam ditadores das mais baixas categorias, muitas vezes impingindo uma opressão ainda maior que no tempo dos impérios absolutistas do despotismo esclarecido.
A situação é terrível: o Ocidente opulento vive, cinicamente, como se nada disso existisse, dezenas de milhões morrem sem que se faça quase nada, e uma revista de grande circulação nacional afirma que o genocídio em Darfur "ofusca" o sentido do Natal... pelo contrário, Darfur evidencia o fracasso da tentativa atéia do homem de dar-se a si mesmo a felicidade, de construir pelas próprias mãos a fraternidade universal sonhada por Immanuel Kant quando escreveu o panfleto Para a paz perpétua em 1795.
Ao contrário do que afirma a Veja e Reinaldo Azevedo, o Natal é a nossa única esperança. Ele é a afirmação mais potente de que - como afirma o poeta francês Péguy - Deus, o Mistério, o Infinito, o Logos, o Verbo, a Idéia, o Totalmente Outro, o Transcendente, o Eterno, Aquele-que-é, não só é a Suprema Razão e Sabedoria - o Logos - mas Amor, comoveu-se com o nosso mal e com a nossa dor, e veio habitar entre nós para reerguer este mundo novamente a si, começando o trabalho aqui mesmo e evidenciando que desde já existe aqui mesmo na Terra uma realidade nova, infinitamente mais verdadeira e que corresponde aos desejos mais profundos do nosso coração. Quem já encontrou a comunidade cristã - pessoas que reconhecem a Cristo e que são amigas entre si por causa dEle - sabe que este novo mundo existe, está à disposição de todos, e é a única esperança para o mundo, para o sistema internacional e para Darfur. Darfur grita: o sistema internacional falhou! Nós gritamos: a esperança para o mundo não é um novo sistema mais bem elaborado, é este Menino que trouxe o amor e a vida a nós e ao mundo.