sábado, 20 de dezembro de 2008

Queime depois de ler: a imitação da vida!


Frances McDormand e Brad Pitty

Ontem à noite vi um dos filmes mais inteligentes que já assisti: Queime depois de ler (EUA, 2008). Há um bom tempo não via uma combinação tão perfeita entre humor, inteligência, sátira, crítica e ironia.
O que é criticado neste filme tão interessante?
A nossa vida pós-moderna, que não é "vida", mas uma mera "imitação" desta; a pós-modernidade "pirateou" a vida. E nós todos embarcamos neste redemoinho infernal, como poetiza Bruno Tolentino sem nem nos darmos conta disso. A vida foi "pirateada", é imitada, porque vivemos no domínio da xerox, como Baudrillard inteligentemente se dá conta. Estamos na época da xerox, da cópia, da paródia. E o filme em si mesmo é uma bela paródia da forma como nós levamos a nossa vida.
Em primeiro lugar, o fim dos grandes ideais. Já que a História "acabou" (e isso é bem representado pela refrência claríssima à CIA e a Embaixada Russa, evocando a Guerra Fria), resta-nos simplesmente tocar a vida. Tudo se reduz a mera burocracia. Mais do que nunca a modernidade (avançada, agora dizem eles) mostra a sua "jaula de ferro".
O presente se reduz a vazio, os relacionamentos são totalmente deteriorados (representados pelas traições constantes e inúmeras), nenhum relacionamento duradouro é possível de ser mantido (mostrado pelas inúmeras mulheres "traçadas" por George Cloney - numa clara referência a Thomas de A Insustentável Leveza do Ser, que transou com praticamente todas as mulheres de Praga).
Além disso, temos a clara e evidentíssima crítica à academia, representada como o ápice da imbecilidade. Por quê? Tendo o homem perdido como meta os grandes ideais, que foram dissolvidos em nada, resta a ele somente o seu "si mesmo". E o seu "si mesmo" reduz-se ao corpo. Diante da ruína ao qual tudo se reduz, o corpo é a única realidade que - mesmo sendo uma massa compacta em eterna decomposição (Foucault) - parece ser eterna, como diz Bauman em Em Busca da Política (2000). Parece ser eterna em relação à fugacidade e obsolescência de todas as outras coisas na modernidade avançada, a começar pelos laços afetivos. A cena patética de Frances McDormand no consultório tentando fazer quatro cirurgias para "se reinventar" e todo o seu papel patético, ingênuo e solitário ao mesmo tempo, somado ao tipo idiota representado por Brad Pitty (ilustrando da melhor forma possível a geração MTV da eterna adolescência e imbecilidade) mostram a academia como o símbolo mais perfeito da estupidez que é o paradigma da sociedade pós-moderna.
O ex-espião da CIA (John Malkovich) é símbolo, junto com a sua mulher (Tilda Swinton) do casal na pós-modernidade: o que os une é o dinheiro e um bom emprego na burocracia estatal. Após essa perda, esta tenta divorciar-se dele "por ser idiota", e por fim, some com todo o seu dinheiro. A pateticidade é que ele descobre que ela lhe trai e mata por engano um cara que não tem nada a ver com a história, dado que estava no lugar errado na hora errada. Ela também representa junto com o gerente da academia, a revolta com a vida e a desesperança em relação a ela.
O "fio" de toda a história são as memórias de Osbourne Cox (John Malkovich), algo totalmente sem importância, dado que ele era do baixo escalão da CIA. Por causa destas memórias, que caem nas mãos de Chad (Brad Pitty) e Linda (Frances McDormand), inicia-se toda uma perseguição que culmina na morte de Ted (Richard Jenkins), morto por Cox (John Malkovich), que termina em coma, e Chad (Brad Pitty), morto por Harry (George Clooney). As "memórias" são devolvidas à CIA e Linda (Frances McDormand) garante não falar nada se a CIA pagar suas quatro cirurgias plásticas.
Esta tragédia pós-moderna é trágica inclusive no seu fim. Todo este drama é como se fosse nada, dado que "do alto do céu" (representado pelo Google Earth) todo o drama some, é como se fôssemos meras formigas, nada, pó, zero! Saí "com um gosto amargo na boca" justamente por isso: o filme sub-repticiamente afirma que "tudo é nada", ou seja, absurdo, a conclusão que todo pensamento non sense chega. É um tudo é nada que é desesperador. Se não há nada, por que há o drama? Por que há grito, se não haveria nada nem ninguém a nos ouvir?
Clarice Lispector disse: "Há o direito ao grito, então eu grito!" Eu penso que esse grito é a única possibilidade de não enlouquecer, é a única possibilidade de fazer a bolha na qual nos encapsulamos explodir, a única chance de romper com as nossas medidas mesquinhas, a única maneira de explodir os nossos limites. Esse grito é a plenitude da humanidade, o grito de que esse "si mesmo", essa adoração dessa "massa compacta que se decompõe sem cessar" é uma loucura, esse grito é o início da liberdade, é o sinal mais vivo de alguém que é realista. Houve um tempo que esse grito foi chamado de oração, e no qual o Natal era visto como a resposta mais potente e ao mesmo tempo imprevista a esse grito: desde estão não estamos sós com os nossos dramas. É a única possibilidade de esperança para a vida!

2 comentários:

Unknown disse...

Bela análise Mitrovsky!!
Vou passar meu email pra voce botar na sua lista: leojcavalcanti@hotmail.com

Grande abraço,

Léo

Unknown disse...

Loucura!! Minha mãe deve ter feito cadastro no blog, saiu com o nome dela..enfim...