sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ícaro



O Ícaro, de Henri Matisse (1943), ilustra bem o que é o homem: um nada (o homem é todo negro, todo "mal") que deseja o infinito (as estrelas), salvo apenas pelo seu coração (o ponto vermelho, vivo), que grita por um "mais" de beleza, verdade, grandeza e significado: Ícaro é o verdadeiro rosto do homem.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A importante lição do Kosovo

Entender o que está acontecendo no Kosovo é de fundamental importância para dissipar a névoa da História pós-1991, que parece nebulosa e esconde o sentido oculto da História Universal. Este mesmo Kosovo, o Kosovo que sofreu a limpeza étnica em 1999 é a luz que podemos lançar na História conturbada da aurora do século XXI. O Kosovo nos ajuda a entender os movimentos políticos, e nos dá pistas para visualizarmos já a aurora da nova década que se levanta (se vacilar mais do que a midiática e meteórica ascensão de Barack Obama). O Kosovo é um território pertencente à Sérvia. A Sérvia é o que sobrou da antiga Iugoslávia. O que foi a Iugoslávia? A palavra "Iugoslávia" significa "eslavos do sul": a Iugoslávia foi o sonho de uma unidade dos eslavos do sul (dos Bálcãs), os sérvios, os eslvovenos e os croatas, sob a mão de ferro do sistema comunista. A Iugoslávia existiu firmemente enquanto foi governada pelo general Tito até 1980 e apoiada pela União Soviética, logo depois deteriorou-se no início dos anos 1990, quando a Croácia e a Eslovênia (as repúblicas mais ricas) proclamaram independência, seguida logo depois pela guerra pela independência da Bósnia-Herzegovina. A independência do Kosovo é mais um capítulo na triste História da Iugoslávia e na triste História do comunismo, que é nada mais do que a tentativa de trazer à fórceps o paraíso à Terra, não importa se para isso milhões de pessoas, suas tradições, histórias e culturas sejam sacrificadas. O fato de hoje a China, Rússia e Espanha se posicionarem contra a independência do Kosovo nos indicam muitas coisas, entre elas o fato de que se possa chamar de "comunismo" não está morto, está bem vivo e no poder. Ontem, na Sérvia, foi incendiada a embaixada americana, em ódio porque a OTAN bombardeou Belgrado (capital da então Iugoslávia, hoje capital da Sérvia) em 1999 para impedir a limpeza étnica e a morte de milhões de pessoas orquestrada por Slobodan Milosevic. Existe uma guerra velada ocorrendo nos dias hodiernos: uma guerra entre a liberdade e a escravidão, entre a democracia e a tirania.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Do nada ao Infinito

O budismo é uma religião oriental cujo centro do seu pensamento é o desejo. A vida humana é sofrimento, e a origem do sofrimento (uma das "quatro nobres verdades" do budismo) é o desejo (o "eu"). Por isso, a solução para o fim do sofrimento é a eliminação do desejo, ou seja, do eu, num processo de aniquilamento de si mesmo, até atingir o que se chama de "nirvana", a beatitude eterna, o nada. Bem diferente é o cristianismo. Para o cristianismo, o homem é, como para o budismo, desejo. Mas o desejo não é o problema. O problema é a satisfação do desejo. O que satisfaz o desejo? Esta é a verdadeira pergunta cristã, o centro de todo o cristianismo. Santo Agostinho, no século V, responde no início das suas Confissões: "Criaste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto em Ti não repousar" (Confissões 1,1). O homem é desejo de infinito, podemos observar isso em nossa existência, somos uma insatisfação, tanto que um amigo meu disse: "o problema começa não quando não conseguimos alguma coisa, mas quando a conseguimaos e descobrimos que ela não basta). Para o cristianismo, o homem é essencialmente desejo, e desejo infinito, que só que é infinito pode satisfazer. A isto chamamos "Deus"; ela não é a religião da aniquilação do eu, mas da plenificação do eu, também chamada "deificação". O eu, encontrando o objeto do seu desejo, torna-se cada vez mais si mesmo, tornando-se capaz de uma plenitude só visível no cristianismo, que se chama "santidade", plenitude que tem outro nome: "amor", pois o homem é desejo de amor, de amar e ser amado e este Mistério Infinito revela-se exatamente como "amor", um "amor infinito". O melhor de tudo é que tudo isso não é só abstração intelectual; existe uma realidade na qual tudo isso é visível e tangível, chama-se "Igreja", um povo em caminho guiado por uma pessoa viva: o Papa.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A tragédia humana II

Neste ano de 2008 se completam 150 anos da aparição da Virgem Maria, na cidade de Lourdes, na França. A Virgem apareceu a Bernadette Soubirous para se dizer "a Imaculada", e confirmar o dogma da Imaculada Conceição, promulgado 4 anos antes, em 1854. A Imaculada Conceição significa que a Virgem Maria foi redimida por Cristo por antecipação, em virtude de ser sua mãe, e ter vindo ao mundo sem nenhuma mancha do pecado original. A nosso ouvido tudo isso parece palavreado, palavras sem sentido. Nietzsche, no seu livro Para além do bem e do mal, disse que a mentalidade moderna é tão obtusa que nem sequer entende os significados das palavras cristãs: "pecado", "pecado original", "Imaculada" e tantas outras. Tudo isso parece baboseira de uma época obscurantista, mas se formos atentos não são. Somos mesmo obtusos como diz Nietzsche e não nos damos conta que as palavras cristãs dão nomes a realidades e não a fantasias, e se estas palavras precisamente nos são estranhas, não o são as realidades que elas denominam. A palavra mais estranha, sem dúvida, a que mais causa revolta, e por isso, a mais trágica- de forma irônica, é a palavra "pecado original". O papa João Paulo II, em agosto de 2004 fez sua última visita à França e a Lourdes, pedindo que o mundo se lembrasse do pecado original. Nós, no Brasil, temos uma grande sorte. Não estamos sós. Temos Machado de Assis, o biógrafo do pecado original. Toda a literatura de Machado de Assis, especialmente os seus romances "realistas" são como que "a biografia, a documentação" do pecado original. Lendo seus romances, podemos entender o que é, como se manifesta e como se desenvolve o pecado original. O pecado original é a tragédia humana, é essa incapacidade genética que o homem tem de realizar sozinho os seus mais altos ideais. O livro de Machado que melhor trata disso é Memórias Póstumas de Brás Cubas. Lá é narrado como uma vida poderia ter sido e não foi, tanto que um dos últimos capítulos é intitulado "Das negativas", e o autor se jactancia de "não legar a ninguém o fardo desta vida". Pois bem: é exatamente esta realidade tão-nos conhecida que a Igreja chama de "pecado original". Não é uma lenda, é a incapacidade estrutural de ser feliz de forma autônoma, isso do ponto de vista pessoal, mas social também. As tragédias que marcam o mundo desde que foi lançado o excelente panfleto de Kant Para a paz perpétua (1795), mostram que o homem é estrutural e inexoravelmente incapaz de se dar a paz e a a felicidade que tanto anela. Os espíritos religiosos são os mais sagazes neste sentido, e por mais confusão que exista, a maioria das religiões implica este reconhecimento e a necessidade de uma intervenção, da vinda de um Outro, que possa "salvar" o homem. Este é o anúncio cristão. O poeta francês Péguy disse que um Deus que se condoeu com a nossa dor, veio, para que todo o nosso desejo de felicidade e liberdade não terminasse em tragédia. Como diziam os cristãos dos primeiros séculos: a nossa culpa é feliz, porque nos trouxe um Salvador tão grande! Lourdes está aí para nos lembrar disso: desde que um Deus se encarnou, a tragédia não é a última palavra. Toda a luta agora é essa: entre essa esperança, e as trevas que querem encobri-la a qualquer custo!

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Ouvindo Nirvana

O que Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Kobain têm em comum exatamente? Os três morreram com apenas vinte e sete anos, os dois primeiros com overdose, e o terceiro com um tiro na cabeça em abril de 1994. O início da minha adolescência foi marcado por ouvir Nirvana, e até hoje eu ouço e gosto. Eu gosto de rock. Ouvir esses artistas e pensar na trajetória deles nos ajuda a entender o que é o homem e o que é a arte. É estupidez achar que arte é coisa só de artista. Arte diz respeito a todo ser humano, porque a arte exprime o humano, e entender a arte significa entender o homem. E o que é o homem, exatamente, o que é "esse dinamismo que é a busca da felicidade", como diz Leopardi? Há alguns anos, eu abri um livro que me veio com uma resposta que até hoje, não esqueço: o homem é desejo. Somente e exatamente isso: desejo. O que moveu e move o homem a fazer qualquer coisa é o desejo. O que nos une a todos nós, em nossa comum humanidade, é exatamente o desejo. O que tenho eu a ver com Janis Joplin, Jim Morrison ou Kurt Kobain? Por que podemos nos identificar? Por causa do desejo, que é comum, embora muitas vezes seja traduzido de diversas maneiras a depender da cultura. Mas uma pergunta surge no horizonte: por que eles morreram? O que causou sua morte? A resposta é: uma insatisfação estrutural, em vista de um desejo potentíssimo; os primeiros buscaram o refúgio nas drogas, que é uma forma de fuga da realidade, e portanto, fuga do desejo "insuprimível", como diz Leopardi, e o terceiro, não aguentou a tensão do real e se suicidou. Então, surge a pergunta: o que satisfaz o desejo? O que leva um homem a atravessar "o deserto do real", como diz Pasolini, e viver, enfrentar a vida? O Mistério, o Mistério que se revela como beleza. Dizia Pasolini: "Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito". Vejamos o caso de Beethoven. Ele era surdo. Mas o desejo era tão grande, e o reconhecimento do Mistério tão maravilhoso que levou esse homem não só a se aceitar, mas a enfrentar a vida, a compor e hoje ser um dos maiores homens da música de todos os tempos. Não há saída: ou o homem aceita o Mistério ou definhará, e isso do ponto de vista existencial mesmo. Ou definhará de forma trágica (overdose ou suicídio) ou definhará vivendo de forma cínica a realidade que não lhe satisfaz. Reconhecer o Mistério, a Máquina do Mundo de Drummond é a única oportunidade de viver a realidade com respiro, e conviver e entender os outros homens e mulheres de nosso tempo. No belíssimo filme As Invasões Bárbaras (2004), uma irmã disse a um intelectual de esquerda ateu que estava para morrer de câncer: "aceite o Mistério, e será salvo!" No final do filme, quando ele já estava à morte, via as imagens espetaculares da natureza (ele estava à beira de um lago num sítio de um amigo), e estas não lhe faziam sentido algum, causavam-lhe náusea, como descreve Sartre em seu famoso romance A Náusea. O reconhecimento do Mistério naquela beleza tremenda que "passa diante dos nossos olhos" é a única oportunidade de salvação, isto é, que nossa vida tenha beleza, sentido e significado. A beleza nos salvará, como diz Dostoiévski, porque ela é que nos fere (quem resiste a um pôr-d0-sol? Mas ele nos causará admiração ou náusea?) Eu agora estou reconhecendo o Mistério ouvindo Polly e Smells Like Teen Spirit, do Nirvana. Não deixa de ser uma forma de oração, um grito ao Mistério por beleza, sentido e significado na vida!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O Carnaval e a Imitation of Life

Estamos no 2º dia de Carnaval (na Bahia) e fiquei impressionado com a violência registrada ontem. Entre outras coisas, um jovem foi ferido com um espetinho de churrasco e deu entrada no HGE. O aumento da violência no Carnaval é mais um sinal do avanço da barbárie. Lembrei então da música que eu gosto muito, a Imitation of Life do R.E.M., porque pra mim, é o hino da pós-modernidade, ou da neo-barbárie. É impressionante a dificuldade que as pessoas têm em conviver hoje. E é falácia a história de que isso se deve ao "capitalismo", ao "imperialismo", "à luta de classes" etc. Tudo isso é fruto da perda da consideração sobre o próprio "eu". Nietzsche, em O Anticristo disse que o "eu" é uma farsa cristã. Pululam hoje inúmeras "psicologias" sem nenhuma base científica falando da "multiplicidade dos 'eus'", na verdade, mais um artifício para destruir a inquietude do coração por descobrir-se único e irrepetível. O escritor Camus disse o significado da vida era a mais urgente das questões, e hoje é justamente isso que se banaliza. A mais urgente das questões se torna na prática, a última das questões. banaliza-se o próprio eu, a própria vida, e de quebra, a vida do outro. Como aceitar e conviver com o outro, se não aceito e não convivo comigo mesmo? A explosão de violência que vem se observando nos últimos anos parte daqui, a negligência do eu é a origem do desnorteamento dos jovens e do cinismo dos adultos na neo-barbárie. A vida, então, se torna imitação da própria. O Carnaval, que bem podia ser espaço de comemoração pelo simples fato de estarmos vivos (que não deveria ser nem um pouco óbvio) se torna mais um espaço de niilismo e de celebração do nada, o que só pode dar em violência, contra si mesmo e contra o outro. O Carnaval se transforma na "adoração do nada", substitui-se a verdadeira vida cotidiana por uma quimera louca e inexistente, bem ao estilo dos cultos orgiásticos pagãos, cuja finalidade era retirar o homem da realidade, dar a ele uma "imitação da vida". A descristianização do Carnaval, que é uma festa cristã (isso mesmo!) e sua paganização e niilização contínua são mais um sintoma de derrocada da civilização e avanço da barbárie.