sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Vicky

Esta carta de uma amiga de Uganda aidética pode ajudar a entender o que significa concretamente o encontro de uma pessoa com a companhia da comunidade cristã, e o que o amor - suprema novidade introduzida por Cristo no mundo - pode fazer quando o deixamos operar. Segue a carta, para que se torne mais claro o verdadeiro rosto da Igreja, ofuscado por inúmeros preconceitos.

“Meu nome é Vicky, tenho 42 anos e venho da região oriental de Uganda. Quero agradecer a vocês e a Deus pela vida preciosa que me deu. Em 1992, quando engravidei do meu último filho, Brian, meu marido pediu que eu escolhesse entre continuar sendo sua esposa renunciando à gravidez ou separar-me dele se quisesse ter a criança. Naquela época tinha só dois filhos e decidi levar a gravidez adiante, o que marcou o fim da nossa relação. Realmente não entendia por que ele estava sendo tão cruel e intransigente. Depois, em 1997 perdi o trabalho porque fiquei doente e, ao mesmo tempo, meu filho Brian manifestou sintomas de tuberculose, e surgiram as primeiras suspeitas. No ano seguinte piorei e, no hospital de Nsambiya, fui examinada e submetida ao teste de HIV, que deu positivo. Foi então que me lembrei e entendi por que meu marido não queria a gravidez de Brian: na época, ele também era soropositivo.

A vida em casa, com meus três filhos, tornou-se difícil. Os dois primeiros eram saudáveis, mas não tínhamos dinheiro para pagar a escola; não tínhamos o que comer, nem dinheiro para os remédios, e, pior de tudo, não tínhamos amor de nenhuma parte do mundo. Não sabia mais se Deus realmente existia. Em 2001, alguém me mandou ao Meeting Point International, onde encontrei mulheres as quais era difícil para mim acreditar que pudessem viver daquela forma mesmo estando doentes de Aids, tal era a alegria que tinham no rosto; dançavam e estavam felizes, e eu me perguntava como alguém que tinha essa doença podia cantar e dançar. No Meeting Point você é acolhido com músicas e canções de diferentes povos - africanos, europeus, indianos -; ouvi até algumas de minha própria tribo. Depois de um longo tempo, comecei a ver uma luz brilhar sobre meu ser em pedaços, então comecei a encontrar-me com aquelas mulheres.

Uma coisa importante, que nunca esqueci, foi o dia em que alguém me olhou com um olhar que tinha em si raios da esperança e do amor. Durante todo esse tempo eu fiquei na cama e todos os meus amigos, os parentes e até os vizinhos olhavam para mim e para meus filhos com repulsa e desprezo. Com este olhar de amor e esperança que me lançaram foi-me mostrado algo que trouxe vida ao meu espírito e corpo em pedaços. Eu disse a mim mesma: ‘Vicky! Você tem valor e o seu valor é maior do que o peso da sua doença e do que a morte’.

Em 2002, comecei a comprar remédios para meu filho, que estava para morrer, depois de tê-lo tirado da escola por causa da discriminação com a qual era tratado: tinham-no apelidado de ‘esqueleto’. Em 2003, também comecei a comprar remédios para mim. Eu pesava, então, 45 quilos, agora peso 75. Brian, agora, está realmente saudável e voltou para a escola. O meu filho maior está na universidade, o segundo, no colegial. Onde está o poder da morte? Está na perda da esperança e na falta de amor. Agora, trabalho como voluntária no Meeting Point, e todas as vezes que acolho as pessoas digo a elas que o valor da vida é maior do que aquele vírus que carregam dentro de si. Essa afirmação nutre a esperança de uma pessoa que sofre e está para morrer e a traz de volta à vida. Todos os meus resultados só foram possíveis porque fui revestida de algo além da morte e, em particular, de amor. Obrigada a todas as pessoas que nos educaram embora nunca as tenhamos visto. Mas hoje, em nome de Giussani, Carrón veio entre nós, que éramos pobres e esquecidos: quem é mais rico do que nós, agora? Somos os mais ricos do mundo porque alguém colocou pelo menos um sorriso no rosto de uma pessoa”.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Uma nota sobre a sociologia do conhecimento

A sociologia do conhecimento é a "colheita" como diz Popper do pensamento hegeliano-marxista. Ela destrói a si mesma porque é uma contradição em termos, é o ápice do relativismo, que pode ser destruída por uma afirmação muito simples. A sociologia do conhecimento afirma que não existe o que nós chamamos de "verdade" (aletheia em grego). Tudo não passa de construção humana que sofre processos de legitimação e institucionalização. A legitimação e a institucionalização tornariam verdades "construídas" como "eternas". Isso, em parte, é verdade. Torcer pelo Bahia, ou menino vestir azul, entram nesta categoria, mas por exemplo, o amor que uma mãe sente pelo filho não (o contrário é que é uma construção típica da nossa época). O grande problema da sociologia do conhecimento é que toma a parte pelo todo. Muita coisa na realidade social é socialmente construída, mas não tudo. A religiosidade, por exemplo, é um fenômeno universal (a não ser em nossa época, quando a irreligiosidade é construída socialmente) ou seja, faz parte do que chamamos de "natureza humana". A sociologia do conhecimento, fina flor do hegelianismo-marxismo esvazia o homem, destituindo-o de substância, é o "coroamento" da filosofia do devir (o vir-a-ser: toda a disputa filosófica é entre os sofistas, adeptos do devir, que negam a consistência da realidade, afirmando somente o fluxo, e os herdeiros do pensamento platônico-aristotélico que afirmam o ser, ou seja, a realidade, aquilo que existe e que é consistente em si mesmo, e por isso tem um valor infinito em si mesmo).

É a sociologia do conhecimento a "filosofia" que justifica o totalitarismo, como é o pensamento de Hegel, que justificou a morte de 110 milhões de pessoas pelo comunismo, pelo avanço do fluxo histórico, que faz com que ninguém seja considerado porque para o pensamento do devir cada pessoa é uma poeira na história, um nada sem valor e insignificante. É esse desconstrucionismo, fruto mais fino do hegelianismo-marxismo que frutifica agora na destruição do humano, na destruição dos relacionamentos, pois em nome de um relativismo absurdo destrói a ontologia, a essência, o valor e o significado de cada pessoa humana, transformando tudo em mera construção social. Se a verdade não existe, nem o que a sociologia do conhecimento está falando é verdadeiro e por que eu deveria acreditar nela? Mas como ela destrói a si mesma, resta a mim buscar a verdade, que eu tenho certeza, nela não está, nesse novo disfarce do sofismo.

sábado, 23 de agosto de 2008

O que pode unir as pessoas?

Uma das músicas que eu mais gosto é a música High Hopes, do Pink Floyd. Lá se fala de "altas esperanças". Que altas esperanças são estas? Qual é a verdadeira esperança para cada um em particular e para a humanidade como um todo? A unidade, a amizade, como eu gosto de falar, ou para quem preferir, a palavra francesa, fraternidade.
A única esperança para o mundo é esta unidade da humanidade. Mas vivemos numa época muito difícil, porque em nome da afirmação de particularismos e visões de mundo, fomenta-se a divisão. Hoje em dia, as pessoas são cada vez mais sós, porque se repararmos no que chega até nós, ressalta-se cada vez mais a divisão, aquilo que nos separa: primeiro, as classes sociais, depois o gênero, a cor, a nação, a orientação sexual etc.
O cristianismo é o inverso de tudo isso. É a afirmação de que todos são uma coisa só. É tremendo o que o apóstolo Paulo fala na Carta aos Gálatas: "Não há mais judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher [hoje em dia poderíamos dizer não há mais direita nem esquerda], todos são uma coisa só em Cristo Jesus" (Gl 3, 27). Esta é a maior revolução que já aconteceu. Num mundo envolto em mil guerras, oprimido pelo Império Romaano, um homem (que era louco ou era o próprio Deus que "rasgou os céus" e veio estar com os homens) mandou a todos amar uns aos outros e construir comunidades por todo o mundo conhecido. Um outro homem (o apóstolo Paulo), que também, ou fez um encontro verdadeiro, ou era maluco do mesmo jeito, foi a todo o Império, percorrendo mais de 4000 quilômetros a pé espalhar esta novidade no meio da guerra eterna e da opressão sem fim, de que a havia um só Deus e que a humanidade era uma só, até que foi decapitado no ano de 67 d.C. a mando do imperador Nero. Paulo foi a todo o Império para espalhar a dignidade da pessoa humana. A partir de então, todos deviam ser considerados (até isso, só era cidadão o civis romanus, o homem que detinha todos os direitos).
A presença cristã é especialmente ecumênica e católica (do grego -kato: para; -holo: todo; para todos, totalizante ou universal). É só ela que pode gerar unidade na humanidade, porque parte não de particularismos ou contingências, mas do que é inerente a todo homem e mulher: a própria exigência de felicidade e satisfação, tão comum a nós, que através dela nos reconhecemos em escritores ou artistas de eras longínquas ou em pessoas que habitam em terras tão distantes quanto a China e o Japão. Dado que a novidade cristã não é uma doutrina sobre o que foi ou que será da alma humana, como nos diz o filósofo Wittgenstein, mas um acontecimento: o próprio Deus que se faz homem e entra na nossa história, tornando-se fator dela, podemos encontrar a todos e estabelecer esta unidade que como diz o grande apóstolo Paulo é ansiada até mesmo pela natureza: "a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou [o homem]), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia." (Rm 8,19-22).
Esta possibilidade de união entre as pessoas - única em toda a História - é o que chamamos de "Igreja" (ekklesia, em grego: assembléia ou reunião) e que converteu o cantor David Gilmour, do Pink Floyd. A justiça (que é dar a cada um o que lhe é de direito) a partir de então, não é mais aquilo que eu faço para consertar o mundo, mas é reconhecer aquilo que o Mistério faz para tanto, é a . não é uma coisa subjetiva, é reconhecer as obras que Deus, o Mistério faz no mundo, há 2000 anos ou seja, Jesus e a Sua Igreja. A prova mais viva de que tudo isso é verdade é amizade e a unidade entre os cristãos. O que converteu o mundo antigo foi o estupor diante da amizade entre os cristãos: "Vejam como eles se amam!", se maravilharam as multidões pagãs! Desde que Deus resolveu se fazer homem, a justiça neste mundo é a fé, que gera uma amizade incomparável, construção, paz, vida, alegria, satisfação, felicidade ... como só é possível dentro de uma amizade universal, como é a Igreja. A justiça é a fé. “O meu justo vive por sua fé.” (Hb 2,4.) Reconhecer tudo o que de bom esta presença trouxe ao mundo e ainda trará.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Os jovens de hoje entre a apatia e o desespero: por quê?

Ontem, um amigo me contou sobre o drama pelo qual começa a passar a sua sobrinha, com somente 19 anos, que engravidou, e o seu namorado, de apenas 20 anos. Em suma, eles não estão preparados para enfrentar a situação. Mas quem está? Hoje, os jovens não recebem mais educação. Educação é introdução à realidade total, introdução à totalidade, em suma. Hoje em dia, vemos os pais acharem que basta dar escola, assistência médica, brinquedo, dinheiro, televisão e computador. Mas como disse o maior gênio da História, Jesus Cristo, "Não só de pão vive o homem" (Lc 4,4), ou seja, não só do que é material, superficial, mas "de toda a palavra de Deus" (Lc 4,4) ou seja, da profundidade do real, do sentido, da razão da realidade. Viktor Frankl, fundador da logoterapia (terapia pelo conhecimento), e sobrevivente de um campo de concentração nazista, disse em seu livro Em Busca de Sentido, que o homem aguenta tudo, todas as privações, menos a privação do sentido para a sua existência. Não é à toa que a Noruega tem um dos maiores índices de suicídio do mundo. A opulência sem sentido é absurda. Falta a esta geração o sentido da vida, a razão da existência, a razão pela qual crescer e enfrentar a vida, com todos os seus desafios. Lendo um artigo sobre obras (empresas, ONGs etc) que falava entre outras coisas dos jovens, eu vi esses excertos, que fazem um diagnóstico interessante da situação, e um por último, que além de diagnosticar propõe uma solução. Segue-os abaixo:

"Em 1968, os jovens encarnavam a esperança, o futuro, a libertação, a utopia. Já os jovens de hoje quase sempre me parecem a vanguarda do medo, da angústia diante do futuro. São vítimas, no meu modo de ver, de uma espécie de 'síndrome de Peter Pan' (...). São crianças, adolescentes que se recusam a crescer (...) o medo e a angústia estão ligados a uma espécie de irresponsabilidade e a um sentimento de serem vítimas (...). Eles esperam tudo do Estado e da política (...). Todos têm medo de viver sem as muletas do Estado, de ter de entrar na vida adulta." Luc Ferry (ABC, Temos medo de tudo, do tabaco, do sexo, do álcool, da mundialização..., 1º de abril de 2006)

"Os jovens, mesmo que nem sempre o saibam, não vão nada bem. E isso não graças às crises existenciais de sempre, de que a juventude está cheia, mas porque um intruso inquietante, o niilismo, vaga entre eles, penetra em seus sentimentos, confunde seus pensamentos, elimina perspectivas e horizontes, enfraquece sua alma, entristece as paixões, tornando-as sem vida." Umberto Galimberti (La Repubblica, A geração do nada, 5 de outubro de 2007)

"Os jovens preferem continuar passivos (...) vivem envoltos num misterioso torpor." Pietro Citati (La Repubblica, Os eternos adolescentes, 2 de agosto de 1999)

"Vem despertando com força, tanto na Europa como nos Estados Unidos (...) um novo e imprevisível desejo de aliança social, a exigência de um universo humano, se é que eu posso me expressar assim, formado por uma trama mais densa e cerrada (...) Enfim, a busca (...) de uma nova sustentabilidade social para o crescimento de cada individualidade (...) [na qual] a técnica possa estar relacionada com a vida (...) produzindo liberdade de maneira direta (...), sem passar pelo mercado, mas evitando enfraquecer demasiado este último. A Igreja o percebeu muito bem, e depressa: e vem se dirigindo com prontidão para esse horizonte, que lhe é familiar." Aldo Schiavone (La Repubblica, A direita não sabe mais explicar o mundo, 16 de outubro de 2007).

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A geração do nada


Daniela Mercury tem uma música que eu acho muito interessante para designar o clima humano que vivemos atualmente: é a Geração Perdida. Na música, ela fala da geração do nada, que ressuscitou sem morrer.

O que eu penso sobre isto? O seguinte fato: vivemos numa época de abundância sem precedentes, que a nossa geração tem sem o sacrifício que teve a geração passada. Somos servidos por computador, internet, TV, ar condicionado, viagens de avião baratas, sem falar em outras coisas, e isso me é muito mais evidente nas pessoas das classes média e alta, pessoas que ressuscitaram sem morrer.
O problema de tudo isso é que os desejos mais profundos de nosso coração ficam obnubilados, obscurecidos por essa montanha de coisas que visa em tese, satisfazer o nosso desejo, mas elas não nos satisfazem, no máximo, nos distraem dos nossos desejos. Não estou aqui pregando que nos livremos dessas coisas, mas a pergunta: "o que, de fato, satisfaz o nosso desejo?" não pode ficar obnubilada e esquecida por camadas profundas de distração, que podem ser desde essas coisas que nos trazem conforto, até mesmo estudo ou trabalho alucinado, drogas ou sexo alucinante.

Quem já fez experiência com uma ou mais dessas coisas pode se dar conta muito bem de que o verdadeiro desejo é muito mais profundo e muito mais além, como se cada coisa gritasse: "Não sou eu! Não sou eu! É outra coisa que te satisfaz!" Eu, por exemplo, gosto muito de livrarias, mas comecei a ir e a me sentir triste. Olhando para o que estava me acontecendo, me dei conta de que estava triste por perceber a minha ignorância diante da infinidade de coisas a aprender, depois ainda fiquei mais triste por me dar conta da minha impotência, pois mesmo que quisesse ou me empenhasse loucamente, não ia conseguir aprender tudo o que desejo. E aí me veio a pergunta: "o que me é necesssário aprender? Em qual tipo de conhecimento eu encontro verdadeira satisfação?"
A filósofa Maria Zambrano vem ao meu socorro quando fala do nexo com o real, que é o que o que nos dá força e é o nosso íntimo sustento. Se falta esse nexo com o real, é sinal de que alguma coisa está errada. Me dei conta de que o que eu tenho de aprender em primeiro lugar é a amar a realidade, a começar por mim mesmo, que devo ser a realidade que mais deve me interessar. Quem sou eu? O que faço aqui e por quê? Qual a minha origem e destino?
Muitos podem me dizer que estas são perguntas adolescentes, mas não é verdade! Estas são as perguntas que dominam os grandes gênios da História, como o italiano Leopardi e o nosso brasileiríssimo Vinícius de Moraes. São perguntas que definem o humano, encontramo-las em ateus, comunistas, budistas, muçulmanos, cristãos, judeus... elas são o tecido do humano. É para responder a essas perguntas que nos movemos todos os dias, em cada movimento e em cada pensamento. É por causa de uma exigência de beleza que Dostoiévski disse "a beleza salvará o mundo", pois é ela que nos chama a atenção para a profundidade do real (em sânscrito beleza significa casa onde Deus - o Mistério - brilha), é por causa de uma exigência de justiça e de paz que Luther King Jr. disse "eu tenho um sonho", por causa da exigência da verdade que Einstein disse: "quem não reconhece o Mistério não pode ser nem mesmo um cientista". Foi a exigência de liberdade que fez com que o sindicalista Lech Wałęsa construísse o Solidariedade e que levou o papa João Paulo 2º a apoiá-lo.
Esquecer essas exigências, esse "húmus" que nos torna humanos, é o que nos faz dar tudo por óbvio. É o esquecimento desse "húmus" o que nos faz construir a nossa própria vida e a vida da sociedade não para responder a essas exigências, que são as mais profundas aspirações do humano, mas para afirmar ideologias que em sua maior parte não passam de sofismas, de elucubrações em sua maior parte, não fundamentadas na realidade, naquilo que de fato existe. E assim trocamos - a maioria sem o saber - o nosso desejo verdadeiro, o infinito, pelo nada. A depressão não será a 2ª causa de morte em 20 anos - superando o câncer - à toa. Menos que o infinito, menos que tudo, não nos basta!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O avanço do totalitarismo

Acabei - para meu desgosto - de receber no meu e-mail uma mensagem com bobagens até não poder mais acerca do casamento gay. A pessoa que enviou-o, o endereçou especialmente pelo fato da minha pertença à Igreja católica, fato que é de todos sabido e conhecido. Se insere em determinadas posições um erro perigosíssimo, maior ainda que o fato da Igreja ser pró ou contra o casamento gay.
Em primeiro lugar, quem remete um e-mail destes tem uma total desconsideração pelo que se chama verdade. Verdade é a correspondência entre a consciência e a realidade. O que eu afirmo tem que ter base real, não fantasiosa. Parece que a Igreja está travando uma guerra contra os homossexuais, quando na verdade é o movimento homossexual que se arvora contra o cristianismo, católico ou protestante.
Se alguém se der ao trabalho de ir à História da Sexualidade, de Michel Foucault (pessoa menos suspeita possível) vai ver que a perseguição aos homossexuais só começou na segunda metade do século XVIII, quando a fé já degringolava na Europa, e despontava o período moderno e a Revolução Francesa. Ou seja, o grande inimigo da homossexualidade é a modernidade homogeneizadora e não o cristianismo. Foram o nazismo e o comunismo, ambos produtos da modernidade, que mataram em seus campos de concentração e gulags mais homossexuais do que nunca, além do fato de que os lugares onde os homossexuais mais têm liberdade para viverem as suas vidas é nos países cristãos (porque nos muçulmanos eu acho difícil sequer algo desse tipo virar discussão).
Além de todo esse falatório de discriminação de homossexuais no cristianismo, existe o seguinte fato: a Igreja tem o direito de ter a opinião que ela quiser sobre este tema e propor outras alternativas para o problema, como ela não deixa de apresentar. Quando um grupo que se considera iluminado tem uma determinada opinião e impede outros de terem e expressarem a sua opinião, isto consitui-se totalitarismo: o domínio de iluminados sobre a totalidade supostamente ignorante e que não sabe o que é melhor para si. Isso é o oposto de uma sociedade pluralista e democrática.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Clarice e o real


Hoje de manhã li o conto de Clarice Lispector "Feliz aniversário" e cada dia que passa eu me impressiono mais com o que me atrai tanto na prosa clariceana e porque a maioria das pessoas não consegue entendê-la.
Quase ninguém consegue entendê-la porque Clarice é terrivelmente simples. Simples como uma criança que tem o real, somente o real diante de si. E mais nada!
O que me fascina em Clarice é a riqueza, o vigor e a força que o real, somente o real demonstram, o nexo com o real, que é o nosso íntimo sustento, como nos fala a filósofa espanhola Maria Zambrano.
Há muitos anos, eu fiquei chocado lendo a contracapa do livro O Senso Religioso quando o autor fala que "para sermos sempre e verdadeiramente religiosos devemos viver intensamente o real, sem renegar e nem esquecer nada." Eu fiquei chocado porque a imagem que eu tinha da religião era o exato oposto: alienação, fuga do mundo, e é o exato contrário.
A verdadeira religiosidade, que é o reconhecimento da dependência do Mistério a cada instante, nos lança para mais dentro da realidade, porque nos ajuda a reconhecer que dentro de cada circunstância alegre ou dolorosa, o Mistério habita e espera por nós.
Nesse sentido, o único e verdadeiro inimigo da religiosidade verdadeira é a ideologia. Preferir a ideologia ao real é o que a Bíblia denomina de idolatria. O real sempre é maior que a ideologia pela simples razão de existir, enquanto que a ideologia não passa de pura projeção sobre o real das nossas medidas, ou como chama a Bíblia, ídolo.
Uma das razões pelas quais eu gosto cada vez mais de Clarice Lispector é que nela, não há lugar para ídolos, conceitos, projeções... há lugar somente para a vida, para o real, para aquilo que existe, e que só por esta razão deve ser amado, acolhido e abraçado. O grande problema da nossa época é que vivemos não do choque contínuo com o real, com aquilo que de fato existe, mas de ideologias e utopias. Utopia, em grego significa lugar inexistente (-ù: não; -tópos: lugar). Como não se pode amar aquilo que não existe, acabamos por odiar o existente. Por isso, a primeira coisa para que possamos amar é afirmar aquilo que existe. Não é óbvio que alguma coisa existe e que a encontramos em nosso caminho. Não é óbvia a sua riqueza absoluta, por isso devemos afirmar a positividade inexorável do real, daquilo que existe e que está vivo, aqui e agora. O real é um milagre, existe!
Eu fico impressionado com a tremenda mobilização de recursos para saber se existe vida em Marte ou fora da Terra. O fato é que a vida existe, aqui na Terra, pelo menos, e precisa ser amada e afirmada, até o fim!
Encerro com uma frase tremenda dessa mulher, do seu livro A Paixão segundo G.H.: "Ser real é assumir a própria promessa: assumir a própria inocência e retomar o gosto do qual nunca se teve consciência: o gosto do vivo!"

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Chiara Lubich


Em clima de ano eleitoral, e de mais do mesmo, me provoca muito a pergunta: "o que pode mudar o mundo? Mas mudar mesmo, de verdade? E sem pieguice, porque de pieguice já estamos cheios?"
A única possibilidade de mudança para o mundo é a pessoa mudada. Talvez não nos demos conta, mas a maior de todas as mudanças, a mais difícil, e entretanto, a mais definitiva, é a mudança pessoal, a revolução pessoal, que o cristianismo chama por um nome muito preciso: metànoia, em grego, que significa mudar a direção do olhar. Essa mudança de direção de olhar, do nada para o ser, das utopias para aquilo que existe, tem um fruto muito preciso que a Igreja chama de santidade, tal como eu falei sobre São Francisco de Assis. Mas a santidade não é algo limitado a grandes homens, tanto que uma mulher de compleição frágil, morta aos 14 de março deste ano, aos 88 anos, é sem dúvida, uma das grandes santas dos séculos XX e XXI.


Chiara Lubich nasceu em Trento, Itália, em 1920, e ficou muito marcada pelos horrores da 2ª Guerra Mundial, que devastaram a Itália e a Europa. Em 1943, fez uma promessa a Deus de servir somente a Ele por toda a sua vida. Em seguida, ela e mais três amigas começaram a viver uma amizade profunda entre si e a reconstruir a Itália devastada, animadas pela certeza da presença de Cristo. Esta amizade logo começou a atrair muitos jovens e rapidamente Chiara viu-se no centro de um movimento chamado dos Focolares (que vem do termo "fogo de Jesus"). Este movimento de amizade cresceu e se espalhou em todos os continentes. Os Papas, logo o reconheceram e o promoveram, reconhecendo-o como "Obra de Deus". O Movimento dos Focolares tem como vocação o ecumenismo, a dilatação imensa entre todos os cristãos, de todas as igrejas, e recentemente introduzindo o abraço a todos os povos, culturas e religiões, baseado no reconhecimento de todos termos a mesma origem e destino: o Mistério de Deus.


Na sociedade, este Movimento também tem um forte impacto, fundou a chamada economia de comunhão, uma nova relação entre empresas, e entre patrões e empregados, que já se torna inclusive pesquisa científica em universidades e mereceu um artigo na O&S (revista da Escola de administração da UFBA), um livro da Fundação Getúlio Vargas (que eu vi na sala do professor Genauto França). É impressionante olhar para Chiara Lubich como uma testemunha da esperança, num século marcado pelo avanço do terrorismo, e como uma mulher frágil do interior da Itália pôde re-eerguer o mundo, aniquilar no "fogo de Jesus" séculos de ódio e intolerância mesmo dentro do cristianismo. A maior santa do século XIX (morta em 1897), Terezinha de Lisieux comentou a declaração de Arquimedes: "me dê um ponto de apoio e uma alavanca, e reerguerei o mundo". Ela disse: "Para os santos, Cristo é esse ponto de apoio, e com a alavanca da oração, mexeram e remexeram o mundo". Chiara Lubich é uma prova viva disso. Bento XVI falou dela neste termos: "Mulher de fé intrépida, mansa mensageira de esperança e de paz". Eu creio porque eu vejo!