segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A equação inexistente

Não acho que seja por acaso que vou escrever isso hoje. Há exatos cem anos morria Machado de Assis, o maior gênio da literatura nacional e um dos maiores da literatura universal, em pé de igualdade com Dostoiévski. Pois, bem Machado vem com esta máxima: "verdadeiramente, há só uma desgraça: é não nascer." (in: Memórias Póstumas de Brás Cubas, cap. CXVII, pg. 202. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1971). Ou seja, ele está afirmando que a vida é bem, é positiva, vale a pena.Eu digo isso porque tive uma conversa na sexta-feira com uma pessoa que defende o aborto, apontando-o como uma solução para o problema da saúde pública.

A Igreja se opõe a tudo que vá de encontro à vida, como expressa na sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança):

« Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador » (GS, 27)

O que me impressionou foi que ela me perguntou: "e aí, Dimitri? Qual é a solução?" Eu me dei conta de uma coisa muito simples, mas muito importante: não existe uma equação, uma fórmula para resolver o problema do mal. Não existe uma receita para combater o mal. Este é o problema de todas as ideologias, sejam elas de esquerda, como o marxismo; ou de direita, como o nazi-fascismo. Não há uma solução global para o problema do mal.

Isso é verdade porque o mal é gerado pela liberdade humana, que pode escolher sempre e muitas vezes escolhe o mal, e eu mesmo não estou livre disto. Mesmo intelectuais ateus como Sartre disseram "o homem é condenado a ser livre". E quantas vezes eu mesmo, querendo fazer o bem, acabo fazendo o mal?

A realidade é complexa a este ponto porque cada pessoa é uma individualidade, uma liberdade. A única possibilidade de "resolver com uma equação" o problema do mal seria o controle total das liberdades: o totalitarismo, que foi o que vimos que aconteceu com as ideologias nazi-fascista e comunista, que tentaram "consertar" o mundo. O difícil é conviver com o mal, com o mal próprio e o do mundo ao redor. É muito difícil, às vezes, se dar conta de que por mais que façamos, o mundo sempre terá mendigos. Jesus foi realista ao extremo quando disse: "Vocês sempre terão pobres com vocês".

Diante disso, ou temos uma posição niilista, cínica, que não acredita em nada, ou podemos ter uma outra visão. O cristianismo é uma novidade total, porque não só é contra a morte, mas vence a morte "de dentro": reconhece e afirma que o mal existe. O mal existe e vem de onde? O mal é terrível, mas é muito simples: O mal é um grande "não": um grande "não" ao ser, à vida, à Deus, que se traduz numa palavra muito precisa "ódio". Jesus, então, vem não explicar uma doutrina ou uma teoria, mas é aquele que vem dizer "sim" ao ser, à vida e a Deus, para que nós possamos dizer também, ou seja, para que possamos amar. Porque amar não é conivência, amar é afirmar o outro pelo simples fato dele existir, amar é a gratuidade total, é o bem por excelência. A resposta do cristianismo não é uma sutil equação que resolva os problemas do mundo, como Habermas muito habilmente tenta fazer (e é justíssimo, mas sempre vai faltar algum fator que ele não vai conseguir captar), mas é vencer o mal "por dentro", com o "sim", ou seja, com o amor. Se a origem do mal é o "não", a resposta a ele só pode ser o "sim". A forma como temos para "vencer o mal", a começar pelo nosso próprio, do qual muitas vezes temos vergonha e dor é o "sim": sim à nossa própria existência em primeiro lugar, que não é nem um pouco óbvia (o mal sempre começa com um "ódio a si"), às pessoas que encontramos, à realidade com a qual nos deparamos, ao Mistério que fez e faz tudo. Os santos são a mais admirável "prova" da eficácia do "sim". Cleuza Zerbini, em São Paulo, não tem nenhuma teoria total sobre o mundo, mas graças ao sim dela às necessidades que viu em sua frente, mais de 40 mil (!) jovens estão estudando em São Paulo.

A forma que temos para "resolver" o problema do aborto é o surgimento de uma cultura da vida, uma valorização do ser, da realidade, daquilo que existe. A figura da Virgem Maria é a mais potente inimiga do niilismo hoje, porque Maria é a perfeita anawim (do hebraico pobre, aquela que espera somente em Deus). Eu tenho em casa uma imagem que um amigo meu trouxe de Lourdes (França) e me consola e me enche de esperança ver a Virgem de mãos unidas rezando por nós (digo isso porque fiquei muito triste com o que aconteceu ontem em Ondina). Maria é a mais terrível inimiga do mal porque disse "sim". Ela é o sinal mais potente de adesão ao ser, à vida, aquilo que existe, à realidade. Maria é a mais terrível inimiga do mal, porque é humana, e como mulher disse "sim". Em 1858, ela apareceu em Lourdes para lembrar o mundo de uma realidade há muito esquecida: o que a Igreja chama de "pecado original". O pecado original não é uma lenda, é a incapacidade estrutural que temos para nos manter firmes nos nossos desejos de bem. São Paulo assim se expressa "não faço o bem que quero, mas o mal que não quero". (cf. Rm 7,14-8,17) O comunismo deu errado porque não considerou isso. Não adianta inventar um sistema perfeito que deixe de levar em consideração a liberdade humana, que pode sempre optar pelo mal (com todas as suas conseqüências). Por isso João Paulo 2º, cheio de sabedoria, escreveu a Maria esta belíssima oração, que eu contraponho aqui ao que estão distribuindo por aí com a imagem dela, pedindo pelo aborto, como a mais nova panacéia para resolver todos os problemas do mundo. Tal como o Holocausto, há setenta anos.

"Ó Maria,
aurora do mundo novo,
Mãe dos viventes,
confiamo-Vos a causa da vida:
olhai, Mãe,
para o número sem fim
de crianças a quem é impedido nascer,
de pobres para quem se torna difícil viver,
de homens e mulheres
vítimas de inumana violência,
de idosos e doentes assassinados
pela indiferença
ou por uma presumida compaixão.
Fazei com que todos aqueles que crêem
no vosso Filho
saibam anunciar com desassombro e amor
aos homens do nosso tempo
o Evangelho da vida.
Alcançai-lhes a graça de o acolher
como um dom sempre novo,
a alegria de o celebrar com gratidão
em toda a sua existência,
e a coragem para o testemunhar
com laboriosa tenacidade,
para construírem,
juntamente com todos os homens
de boa vontade,
a civilização da verdade e do amor,
para louvor e glória de Deus Criador
e amante da vida." (João Paulo 2º, Encíclica O Evangelho da Vida, p. 210)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A defesa do aborto como um atentado à inteligência

No dia 28 de setembro, domingo, acontecerá em Ondina um piquenique pela legalização do aborto. Eu vi até agora três cartazes desta iniciativa, e além da abominação de ser a maior de todas as violências (a violência cometida contra o ser mais inocente e indefeso, que é o não-nascido), a defesa do aborto revela-se também como um atentado brutal, não só à vida, mas à inteligência.
Tomemos por exemplo, um dos cartazes, este diz assim: "mulheres não são mães em potencial". Esta frase é simplesmente a frase mais imbecil que eu já ouvi em toda a minha vida. É claro que toda a mulher é mãe em potencial, e todo homem é pai em potencial. Basta conhecer um mínimo de lógica para se dar conta disso. A potencialidade - ou num nome que eu tendo a preferir, virtualidade - pode não se concretizar, é fato, mas dizer que uma mulher não é mãe em potencial é o mesmo que dizer que uma semente de carvalho é uma cerejeira em potencial. Ou seja, as pessoas que estarão domingo defendendo a legalização do aborto, das duas uma, ou são débeis mentais completas ou acham que nós o somos, querendo nos impingir tamanho absurdo e estapafúrdia completa.
Outra afirmação diz que "a criminalização do aborto ofende a diversidade religiosa". Ora, o erro dessa posição é taxar a posição contrária ao aborto como religiosa e dogmática. Isto não é verdade! Ser contra o aborto tem a ver com a razão e com uma visão de homem e uma consideração pelo valor da vida, não se refere a um dogma! É claro que o cristianismo que afirma em seu mandamento basilar "amar ao próximo como a si mesmo", "dar a vida por seus amigos", "não matar", jamais aceitaria esta forma brutal e bárbara de assassinato contra os seres mais inocentes e indefesos (justificada pelo chamado "direito de escolha"). Mas se formos levar esta afirmação deste cartaz em consideração com todas as suas implicações, deveríamos em nome da "tolerância religiosa" aceitar novamente os sacrifícios de humanos que eram oferecidos pelos astecas (que sacrificavam pessoas vivas arrancando o seu coração para oferecê-lo ao deus Sol para que este garantisse as colheitas). Ninguém diz, na lavagem cerebral que ocorre em nossas escolas, mas foi justamente a presença da Igreja na América Latina a partir do século XVI que acabou com os sacrifícios humanos em massa (revividos somente no holocausto nazista e no horror comunista - que matou 1.200 vezes mais[!] que a Inquisição em período semelhante de tempo). A Igreja é fator de civilização, e na medida em que a sua presença decai na sociedade e seu impacto cultural - que significa vida, amizade e construção - decai, retorna a barbárie e o horror, que estas pessoas estarão celebrando domingo em Ondina. Me espanta ver tantos esforços, dinheiro e energia para garantir a liberalização do assassinato dos seres mais inocentes e indefesos que existem: os não-nascidos.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Lavagem cerebral nos jovens

Os jovens estudantes brasileiros são vítimas, por meio do ensino da História nas nossas escolas, da mais baixa, mais descarada, mais vil lavagem cereberal que se possa imaginar. Lavagem cerebral esta, em especial contra a Igreja e a civilização ocidental. Não se precisa "dourar a pílula" e encobrir o que de fato aconteceu. A Igreja não tem medo de seus erros humanos ao longo dos seus vinte e um séculos de existência. Mas não se fala nada da positividade da presença da Igreja na História. Como disse Reinaldo Azevedo, "o mundo é melhor com a Igreja Católica", e eu posso dizer que a minha vida é melhor com a Igreja Católica, por isso eu a amo e desejo que ela se expanda o mais que puder, para que aconteça na Terra a civilização do amor. As palavras de Reinaldo Azevedo resumem bem meu pensamento:


"No fim das contas, sei bem o que não suportam na Igreja Católica: é o primado da liberdade. É a afirmação tácita de que você é livre para escolher o seu destino, o seu caminho. E que toda escolha acarreta conseqüências. Isso a que chamam constantemente “culpa”, que vem associado à Igreja, eu costuma chamar de consciência. Não é fácil ser católico. O culto à religião propriamente talvez seja hoje, como sempre foi, obra de uma minoria abnegada. Para a maioria, a religião permanece como um norte ético. Eu mesmo não me digo católico sem uma ponta de constrangimento. Porque não me acho bom o bastante pra isso.

Mas sei que o mundo é bem melhor com a Igreja Católica. E saúdo a palavra de seu primeiro pastor. Onde quer que a instituição esteja hoje presente, se não foi tomada pela heresia — outra constante de sua história —, está levando uma mensagem de paz, de esperança, de aposta na vida. De fato, isso parece ser uma coisa insuportável. Sob certo ponto de vista, ninguém deveria ter a ousadia de querer ser tão bom.

Se há coisa que jamais faltou ao demônio — eu o tomo aqui como uma metáfora — é o culto à desconfiança. Se um dia tiverem tempo e oportunidade, leiam Les Cahiers de Monsieur Ouine — ou simplesmente Monsieur Ouine, do escritor católico francês, que morou no Brasil, Georges Bernanos. “Ouine” é uma soma de “Oui” (sim) e “Non – que tem em francês a variante gramatical “ne” (não). O demônio é justamente a indistinção entre o Mal e o Bem, ou é o Mal que é Bem, ou o Bem que é Mal. É, em suma, a empulhação disso que chamam por aí de “dialética” — quando querem convencê-lo a abrir mão de seus princípios para o seu próprio bem."

(artigo O que não suportam na Igreja Católica? A liberdade e a consciência., publicado em seu blog em 09/05/2007, por ocasião da visita de Bento XVI ao Brasil)

Ou seja, pesando na balança os bens e os "males" da Igreja (incluindo a Inquisição - da qual não tenho medo de falar), é evidente que os bens são muito maiores. Senão a Igreja não existiria mais. Por que alguém continuaria a ser atraído (porque a Igreja cresce por atração e não por proselitismo) por uma instituição que somente proíbe isto ou aquilo (segundo a mentalidade dominante) e não ofereceria nada em troca? - sendo que esse algo em troca é justamente o amor, a liberdade e a paz!...
No dia 6 de setembro fui panfletar em Novos Alagados convidando as pessoas para a inauguração da nova igreja da região, com o nome de Igreja Jesus Cristo Ressuscitado, construída pela AVSI (Associação de Voluntários para o Serviço Internacional) e consolidando 20 anos da presença cristã na região. Eu já trabalhei em favelas durante quase dois anos, na região do Nordeste de Amaralina, antes de começar o mestrado, e vou em Novos Alagados todos os sábados me encontrar com as pessoas que moram lá. Posso dizer que os pobres e favelados não são como teorizam os intelectuais da esquerda. Tinha gente que agradecia a Deus o fato da nova igreja dizendo que há muito pedia isso a Deus. Eu me dei conta de que a Igreja não é uma construção nossa ou algo da qual nos apropriamos, mas a resposta de Deus mesmo aos mais profundos desejos do coração do homem. Que os simples - como em Novos Alagados - conseguem reconhecer aquilo que os burgueses radicais e arrogantes que habitam nossas universidades não reconhecem, detestam, pisam e se possível até destroem. Vi num vídeo que assisti há 4 anos, o depoimento de uma senhora da cidade de Novosibirsk, na Sibéria contando como os comunistas destruíram a Igreja na região dela e a fé inabalável de sua mãe que disse: "Os padres voltarão, porque Deus não pode ser destruído". Ela contou isso mostrando a sua paróquia com o novo padre que chegou nos anos 1990 e que revitalizou a vida cristã na região. No ano passado, Bento XVI o nomeou Arcebispo de Moscou (Rússia). Ou seja, o comunismo pode lutar contra a Igreja - a sua maior inimiga - mas será esmagado, porque está lutando contra Deus e este não pode ser destruído.

Propaganda nazista contra o cardeal Pacelli, futuro Papa Pio XII, nos anos 1930, acusando-o de amizade com judeus e comunistas

Um exemplo muito evidente da lavagem cerebral que é feita nos estudantes brasileiros pelos professores de História, em sua maioria, marxistas e ateus, é a aproximação entre as figuras de Hitler e do Papa Pio XII. Como quem vence conta a História, e até pouco tempo atrás a Igreja estava perdendo feio no quesito de domínio cultural, quem venceu (ou seja, o ateísmo, o marxismo, o burguesismo radical etc) estava contando a História (errada - diga-se de passagem). O Papa Pio XII foi então taxado como o Papa nazista, ao passo que na verdade Hitler não só o condenava, como até o tentou seqüestrar e matar. Uma imagem vale mais do que mil palavras - como o que aparece acima - e uma propaganda nazista contra o Papa Pio XII taxando-o de "amigo" de judeus e comunistas, evidencia que este não estava ligado a Hitler como falsamente se propaga nas escolas brasileiras para tirar a fé das pessoas. Pio XII, como católico, cristão que era, de fato, salvou milhares de judeus e comunistas da barbárie nazista acolhendo-os nas congregações católicas de Roma. O que me impressiona de verdade é a leviandade com a qual se tratam os temas. É uma verdadeira estratégia para retirar a fé das pessoas e colocar no lugar delas o comunismo e o burguesismo radical. Enquanto a Igreja é total e descardamente desacreditada, não se fala absolutamente nada sobre os mais de 100 milhões de mortos nos campos de concentração comunistas, e absolutamente nada sobre os incalculáveis sofrimentos causados pelo burguesismo radical - da qual Marta Relaxa e Goza Suplicy é o maior símbolo - em matéria de solidão, desespero, depressão, drogas e suicídios (eu mesmo já vi uma pessoa morrer de depressão e esta está totalmente associada ao avanço do burguesismo radical pós-1968 (que é a pior forma de niilismo "o outro que se lasque" - no popular). Tudo isso pra mim só evidencia um fato muito concreto: o mundo pode estar ruim hoje, mas este seria muito pior sem a Igreja.

sábado, 13 de setembro de 2008

Sobre um certo "mundo novo"

Uma das coisas que mais me surpreende hoje é além da falta de profundidade com a qual as pessoas falam as coisas, a leviandade presente. Há alguns dias eu ouvi me falarem - do alto da sua capacidade exegética - que a Bíblia havia sido alterada milhões de vezes (sic!) Anteontem, li despautérios completos acerca das células-tronco e coisas do gênero. O detalhe é que as pessoas não mais põem nada em crítica e aceitam tudo o que a mentalidade dominante lhes impinge sem questionar nada, e o pior de tudo tachando a si mesmas como "livres pensadoras", "emancipadas" e assim vai.
Um livro muito interessante para esclarecer o nosso mundo hodierno é o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, escrito em 1931 (sic!)
Por que eu falo dele?
Justamente pelo fato da Igreja é contrária à fecundação artificial, pública e oficialmente desde 1968 quando o papa Paulo VI publicou a Encíclica Humanae Vitae (Vida Humana), na qual posicionou-se contrário não só à fecundação artificial, como ao controle artificial da natalidade (é bom frisar o termo artificial).
Quando a Igreja toma certas posições polêmicas ela o faz somente com um objetivo: a defesa do humano, do homem. É acusada pelos modernos de "obscurantista", mas quando Paulo VI declarou inaceitável a fecundação artificial ele sabia muito bem dos riscos futuros que ela implicava: um deles a proliferação de inúmeros embriões fecundados que estão atualmente congelados e para os quais não se sabe o que fazer (até aparecem as ditas pesquisas com as células-tronco embrionárias).
O que está em jogo é uma concepção de homem. Para a Igreja, o homem tem um valor infinito, imensurável, por ser relação direta com o Mistério e além disso ter como potencialidade a consciência de si. Por isso, o menor homem vale mais do que todo o cosmos. Existe uma outra mentalidade que se intitula moderna, para a qual o homem não vale por si [como relação com o infinito], mas vale somente da sua relação com o Estado. Para a modernidade, é o Estado que dá dignidade às pessoas e só devem viver as pessoas que o Estado aceita dignas de viver, sabe-se Deus com quais critérios (instáveis e mutantes). Mas isso que se disfarça como modernidade é na verdade o retorno do pensamento do Império Romano, onde só uma espécie de cidadão - o civis romanus - tinha todos os direitos. A idéia de dignidade humana, e de que todos têm os mesmos direitos é uma idéia cristã e que só tomou corpo com o avanço da Igreja, e que decai na medida em que esta mesma presença da Igreja na vida da sociedade decai, em virtude da apostasia que estamos presenciando.
Admirável mundo novo é muito interessante porque mostra como seria a vida em países totalmente "modernos" e dominados pelo Estado. na verdade, Huxley faz uma crítica mordaz e feroz aos totalitarismos comunista e nazista. E é impressionante como muito do que vivemos hoje foi antecipado nos anos 1930 como conseqüência do pensamento eugênico e nazista de engenharia social: a sexualidade desvinculada do amor, o fim da família e da reprodução natural, o fim da amizade, cada pessoa sendo somente um apêndice ao funcionamento da sociedade e do Estado, a terrível reprodução em laboratório em massa (na qual o ser humano é posto na esfera da produção), a eutanásia, o abandono dos idosos, o consumismo generalizado, o esquecimento da tradição, a censura, o totalitarismo, enfim, o horror, o horror...
E nós não estamos longe de tudo isso, pois muita coisa do que Huxley previu já aconteceu: a primeira foi a pílula, a revolução sexual (e o desvinculamento desta do amor), a reprodução artificial, a legalização do aborto, as pesquisas com células-tronco... e tudo isso é tratado como "modernidade". Não é, isso é o retorno ao mundo pré-cristão, do tempo do Império Romano, quando o homem valia nada e era escravo do poder. A maior prova do horror que é tudo isso é a destruição dos relacionamentos |(em especial os de amizade). Na encíclica Dives in Misericordia (A Misericórdia Divina), João Paulo 2º falou que a maior ameaça hoje ao planeta não são as catástrofes ambientais ou nucleares, mas a destruição do humano. E a destruição do humano se dá pela destruição dos relacionamentos, das amizades, porque o humano é construído dentro dos relacionamentos.
Tudo isso é pregado como o supra-sumo da novidade e o Paraíso na Terra. Huxley mostra bem como seria este paraíso que a gente já começa a experimentar com o avanço da droga, da depressão, do desespero, da violência e dos suicídios. E mais uma vez, tudo em nome do bom, do belo e do que há de melhor. E com centenas de páginas de acadêmicos para justificar!
Interessante o trecho do prefácio da segunda edição que o próprio Huxley escreveu, ficando surpreso com o fato de ele mesmo ver as coisas que antecipou no livro (ele morreu em 22/11/1963). Segue abaixo o que diz o próprio Huxley porque fala melhor que eu, sobre o novo totalitarismo e a nova escravidão mundial (travestido de modernidade, liberdade de escolha e côngeneres...):
"Um estado totalitário realmente eficaz seria aquele em que o executivo todo-poderoso constituído de chefes políticos e de um exército de administradores, controlassem uma população de escravos que não precisassem ser forçados, porque teriam amor à servidão. Fazê-los amá-la é a tarefa atribuída, nos atuais estados totalitários, aos ministérios da propaganda, editores de jornais e professores. (...) O amor da servidão não se pode estabelecer senão como resultado de uma revolução profunda e pessoal nas mentes e corpos humanos. (...) Com a restrição da liberdade política e econômica, em compensação, tende a crescer a liberdade sexual. E o ditador (...) fará tudo para encorajar essa liberdade. Em conjunto com a liberdade de sonhar acordado sob a influência de drogas, o cinema e o rádio ajudarão a reconciliar os vassalos com a servidão que é o seu destino. (...) Na verdade, a menos que escolhamos a descentralização e o emprego da ciência aplicada não como o fim cujos meios seriam os seres humanos, mas como meios para produzir uma competição de indivíduos livres, temos apenas duas alternativas de que nos podemos valer: certo número de totalitarismos nacionais e militarizados, tendo como raiz o terror da bomba atômica e como conseqüência a destruição da civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetução do militarismo); ou então um totalitarismo supranacional, proveniente do caos social resultante do rápido progresso tecnológico em geral e da revolução atômica em particular, e desenvolvendo-se debaixo da necessidade da eficiência e estabilidade como a tirania- bem-estar da Utopia. É só pagar e escolher." Aldous Huxley, no prefácio de Admirável Mundo Novo, 1946.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

No fio da navalha

Há alguns dias estava dando uma relida no livro Olga, de Fernando Morais, e lá tinha uma carta que ela escreveu dos campos de concentração para Prestes. Lá ela agradecia à vida o fato de tê-lo encontrado. "Quem", ou "o quê" é a vida? É o que eu chamei de Mistério, pois Deus, se existe, está dentro da vida, é a vida, não é algo que está lá atrás da última estrela.
Hoje comecei o meu dia chorando. Passei bem uns quinze minutos chorando por volta das sete da manhã. Meu cão, de quase 14 anos, que eu amo tanto, foi operado às pressas de uma recidiva de uma hérnia perineal. E até agora eu estou triste. O Mistério tem exigido muito de mim nesses últimos meses. Perdi dois amigos, um deles grande amigo, o poeta Bruno Tolentino, e há mais de quatro meses um dos meus tios está em coma sem previsão de melhora. Sem contar outras coisas - especialmente as incompreensões. Ser cristão não é uma coisa fácil. Amar é uma coisa muito difícil. Mas hoje vendo a minha caixa de e-mails fico muito feliz pelos grandes que este Mistério, que é Consolador (um dos títulos do espírito Santo) me dá: Marco Antônio, Marco aurélio, Thaís e Charles, amigos de verdade, que tenho certeza, o são para a vida inteira, não somente para um projeto ou ocasião.
E aqui eu entro no tema que eu queria falar: nós estamos no fio da navalha entre três coisas: a esperança, a utopia e o niilismo.
Eu queria falar primeiro da utopia. Utopia vem do livro de Santo Tomás Morus do mesmo nome: significa literalmente lugar inexistente, a sociedade perfeita. Em suma, o que este santo quis dizer? apoiando-se na Cidade de Deus, de Santo Agostinho (354-430), ele quis dizer que a sociedade perfeita é impossível de ser construída pelos homens e traça um perfil ideal onde se cumpririam os desejos mais profundos do coração do homem. Onde ele buscou inspiração? Para meu deleite, Chesterton (1874-1936) em Ortodoxia, me revelou: a utopia nada mais é que a Nova Jerusalém do Apocalipse (capítulos 21 e 22), a Cidade de Deus. A utopia nada mais é do que a tentaiva de trazer o paraíso à Terra à fórceps, e santo Tomás Morus chamando isso de utopia, disse "é impossível". O fracasso do socialismo real e também do liberalismo, ou seja, o fracasso do Iluminismo, do projeto moderno, nada mais é do que isso. O fim da utopia (o fim da História de Fukuyama - cópia mal-feita de Hegel - nada mais é que o fim da utopia) descambou no niilismo. Ninguém acredita mais em nada. Por isso, é muito mais fácil falar em aborto do que em desenvolvimento (no pensamento liberal) ou numa sociedade mais equânime (como seria o pensamento socialista).
E onde entra a esperança? O que é a esperança verdadeira, a que não falha? A esperança verdadeira não vem de um tomara. Vem de uma certeza. Como o agricultor que planta o grão de trigo, e espera colher trigo e não milho. Como podemos esperar? Podemos esperar se já vemos alguma coisa. E esse "ver alguma coisa" é o que chamamos de fé. Fé não é criar um Papai Noel ou um coelhinho da Páscoa e ficar esperando neles. A fé é como o agricultor que reconhece a plantinha que está crescendo e espera que ela lhe dê o trigo que vai lhe alimentar? O que é que podemos ver e o que podemos esperar? O que podemos ver é a comunidade cristã, uma Igreja que aos trancos está reunida em torno de um homem - o Papa (o Vigário de Cristo) - há 2000 anos, isso por si só já é um milagre (quem foi à Sydney em julho encontrar Bento XVI pode bem testemunhar isso). O que se chama de Nova Jerusalém, Cidade de Deus ou Utopia é o cumprimento, a plena realização desta comunidade que é "a semente" do novo mundo. A comunidade cristã já é a utopia realizada, uma outra forma de se relacionar com a realidade, totalmente diferente, e que se manifesta como amor, a começar pelo amor por si próprio (dado que eu não sou nem um pouco óbvio - não é óbvio que eu exista e viva). É só o desenvolvimento desta comunidade em toda a sua potencialidade e plenitude - que é o que chamamos de amor - que vai renovar o mundo. Pois o mundo precisa de amor e de esperança. Ou seja, precisa de Cristo. Obrigado aos meus amigos por me darem este eloqüente testemunho do Senhor ressuscitado que me abraça, mesmo em meio aos sofrimentos e às dores! Obrigado!