domingo, 11 de janeiro de 2009

A arqueologia do ceticismo


Recentes discussões com amigos e uma das leituras que estou fazendo para a minha dissertação, A arqueologia do saber, de Michel Foucault (1926-1984), um dos maiores pensadores do século XX, me inspiraram a escrever este post sobre a arqueologia do ceticismo, tema que há bom tempo me intriga. Falo em arqueologia do ceticismo por duas razões:
1º Porque a maioria dos meus amigos que têm nível superior (e a maioria o tem, até pelo ambiente no qual eu ando), é cética.
2º Quase todas as discussões nas quais as pessoas me envolvem com relação à fé o assunto homossexualismo entra em questão. Quem me conhece sabe que eu não tenho nenhum problema, preconceito ou o que quer que seja com gays, lésbicas, total flex e afins.
Então, eu fiquei me perguntando: "se eu não saio por aí atacando (no bom sentido) gays, lésbicas, total flex e afins, por que essa de amigos heterossexuais (detalhe interessante!) estarem contra mim dessa forma, beirando muitas vezes o ódio?" A resposta é uma só: esse ataque é a única - ou a última - forma de atacar aquele é o "inatacável", Jesus Cristo. "Odiaram-me sem motivo", diz ele. E esse ataque todo é fruto de como a mídia passa a questão da sexualidade para a população.
Eu me dei conta de que entendo e respeito os céticos, mas cada vez me intrigava mais a questão. Neste mesmo espaço falei da lavagem cerebral dos jovens, em 18/09/08 http://dimitrimartins.blogspot.com/2008/09/lavagem-cerebral-nos-jovens.html, mas o detalhe é que "o buraco é mais embaixo", a lavagem cerebral anti-cristã é perpetrada em toda a sociedade, em todas as classes sociais, em todas as idades, produzindo o que o cineasta Pier Paolo Pasolini, ateu, comunista e homossexual assumido, chamou de homologação (sem trocadilhos): todo mundo pensa a mesma coisa, veste a mesma coisa, faz a mesma coisa, a exigência de autenticidade é jogada no lixo, e todo mundo repete o discurso do poder, e geralmente aqueles que se acham mais livres, a geração MTV e afins, geralmente são os mais escravizados. Vivemos hoje numa sociedade que o simples fato de ser cristão e ter fé, em si, constitui quase um crime. A ironia de tudo isso é que Foucault, em seus estudos arqueológicos, na História da Sexualidade (e na Microfísica do Poder também), afirmou que a perseguição aos homossexuais só começou por volta de 1750, com o advento da modernidade, e que a Igreja jamais perseguiu os homossexuais.
É um milagre que um jovem universitário não seja cético hoje. De dentro da Igreja, por um lado, se percebe uma relutância à missão, quase como se os católicos tivessem vergonha de o sê-lo, desconhecendo o imenso patrimônio cultural e intelectual da fé; por outro, os jovens são "preparados para o ceticismo", não só pela escola, mas pela TV, pelos pais que perderam a fé e não acham importante transmitir para os próprios filhos o sentido e o valor da vida humana. Chegamos hoje a um nível de informação monumental, sobre qualquer coisa. Mesmo sobre o massacre de Gaza, existem informações que virtualmente chegam ao infinito. O que falta hoje? O sentido de tudo isso. Estamos perdidos - como nos conta Machado de Assis já no século XIX "na barafunda da informação". A ciência já sabe hoje que informação demais emburrece, pois além da informação é necessário o pensamento e o amadurecimento da informação. Não é à toa que já na década de 2020, um dos principais problemas de saúde terão a ver com a cognição: as pessoas ficarão estressadas com a quantidadade de informações que deverão - e não conseguirão, por diversos fatores - assimilar. O pior de tudo é a falta de sentido. Qual o sentido em busca de informações nesse ritmo frenético e alucinante, ritmo que não dá tempo de elencar, reunir os pedaços e reconhecer o sentido que se oculta por trás da barafunda da informação, aparentemente sem conexão?
A falta de sentido conduz também, além do ceticismo, à banalidade. Qualquer um que visitar o orkut poderá perceber o que é o ápice da banalidade. A cultura do nada se evidencia de forma muito clara no orkut. Eu fico muito triste quando vejo pessoas adultas, cultas, estudadas, que não tem nada na cabeça, sendo pessoas vazias, fúteis, "efemeridades", diria Clarice Lispector.
Se pararmos nisso, a nossa época é realmente desesperadora. É a época do triunfo do nada. Mas eu não acredito que estamos condenados ao nada. O recurso para lutar contra esse niilismo e ceticismo não é apelar para espiritualidades de plantão new ages que desconsideram a razão e no fundo acabam incrementando o niilismo e o ceticismo, mas é voltar a olhar as nossas exigências originárias e constitutivas, é voltar a olhar o nosso próprio coração, o centro da nossa razão. A grande Adélia Prado disse: "Para o desejo do meu coração, o mar é apenas uma gota." Nosso desejo é o Infinito, então por que nos contentar com as banalidades, com as futilidades, com o nada? A Beleza salvará o mundo, como falou Dostoiévski, porque "a Beleza é a manifestação da Idéia" (Hegel), desse Infinito pelo qual aspira o nosso coração. O método, o caminho nos é dado pelo mesmo Pasolini, ateu, comunista e homossexual assumido, para ficar claro que não é uma questão de convicções religiosas, mas uma questão humana, aberta e disponível a todas as pessoas. É o caminho do olhar, do olhar a beleza que passa em nossa frente. O primeiro passo para sair do ceticismo é o reconhecimento da beleza, da beleza que vem com a correspondência. Diz Pasolini: "O olho olha... é o único que pode perceber a beleza... a beleza se vê porque é viva, e portanto real. Digamos melhor, que pode acontecer vê-la. Depende de onde ela se revela. O problema é ter os olhos e não saber ver, não olhar as coisas que acontecem. Olhos cerrados. Olhos que não vêem mais. Que não são mais curiosos. Que não esperam acontecer mais nada. Talvez porque não acreditem que a beleza exista. Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito".
O segundo passo é julgar, comparar a exigência que temos em nosso coração com aquilo que encontramos, com a homologação do poder e da mídia, com a banalidade e vulgaridade presente no orkut, com o niilismo e desesperança que se ensina nas escolas. Será que nosso coração se contenta com tão pouco? Será que basta tão pouco pra saciar a nossa exigência infinita de autenticidade, de verdade, de vida, de beleza, de significado? Eu sou cristão porque encontrei tudo isso em Jesus Cristo e na Sua Igreja hoje, aqui e agora! O problema, como canta Joan Osbourne, em One of Us (Um de nós), é que ninguém mais busca essa beleza, a única que nos sacia de verdade. "Ninguém O está chamando ao telefone - canta ela - somente o Papa, talvez, em Roma".

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