terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O recado de Foucault

Uma coisa tem de ser dita: Foucault é um gênio! À medida que se avança na leitura dele, se percebe isso com uma clareza impressionante. Ele é o arqueólogo da "jaula de ferro" moderna, incomoda a direita e a esquerda porque vem revelar, trazer à tona a prisão na qual se constituiu a modernidade.
Foucault se interessa pelo poder porque é a única coisa que sobra depois que Deus é tirado de cena. Sem a percepção do Mistério, o homem é necessariamente escravo do poder, e Foucault percebe isso de uma forma genial, como poucos.
Mas a coisa que mais me impressiona em Foucault é perceber, já nos anos '60 o fenômeno da "dissolução do sujeito". De fato, a ideia de sujeito, 'eu', pessoa, começou com Abraão, em 1750 a.C. quando ele resolve seguir a Voz que o chamava à Palestina. Ele deixou o mundo politeísta na qual o 'eu' se dissolvia na comunidade, na natureza e nos tempos cíclicos; e seguiu a Voz que o chamava, o 'eu' adquire consistência diante não da 'comunidade, da 'natureza', ou dos 'tempos cíclicos', mas diante de um 'tu', de um 'outro', diante do qual ele está. Ali nasceu a percepção de 'eu' que moldou a nossa sociedade, tão cara a nós e que se manifesta entre outras coisas na democracia e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Cidadão. O 'eu' é relação direta com o Mistério.
Como a percepção da relação direta com o Mistério foi podada ideologicamente por grupos que queriam supostamente 'emancipar' o homem, a percepção do 'eu', naturalmente desaparecia, sendo somente uma encruzilhada de todos os vetores do poder, poder que teria total poder sobre o indivíduo. Não é verdade que o poder domina hoje nossos pensamentos, nossa forma de nos vestirmos, de usarmos nossos corpos, o nosso modo de falar? Porque sem o reconhecimento de uma 'Outra Coisa', o 'eu' nada mais é que 'a resultante dos diversos vetores de poder' presentes sociedade, um poder que pode ser difuso ou concentrado, mas que se arroga um direito total sobre as nossas vidas. A tragédia maior acontece quando esse poder se cristaliza no Estado. Vimos isso no fenômeno dos totalitarismos nazista e comunista, onde, em nome da desculpa de moldar a sociedade perfeita, o poder se arvorou o direito de eliminar dezenas de milhões de pessoas. Sem uma referência ao Mistério Último, a defesa da pessoa perde qualquer fundamento e fica à mercê de quem detém o poder no momento. É paradoxal, mas o reconhecimento do Mistério é a única possibilidade de real liberdade e de resistência ao poder, de não ser joguete nas mãos de quem detém o poder no momento, joguete esse se faz por meio do discurso, dos meios de comunicação especialmente.
Hoje se fala muito em autenticidade, na revolta pós-moderna que pode ser a semente de um mundo novo, mas sem a referência, sem o reconhecimento do Mistério, a pós-modernidade, que pode muito bem ser o começo de um mundo novo, pode cair no mais profundo niilismo. Não se criará um homem novo e emancipado somente com o voluntarismo e com a força do discurso e da retórica. Foucault reconheceu isso com uma lucidez admirável.Como ele mesmo fala, dando o seu recado à modernidade arrogante, cínica e ateia:
"O discurso não é a vida: seu tempo não é o de vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a morte; é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo o que vocês disseram; mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que ele" (A Arqueologia do Saber, p. 236).

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