sábado, 30 de outubro de 2010

A pós-modernidade e a esperança

Eu cansei de criticar a pós-modernidade! Fato é que a pós-modernidade é uma era de destruição, pois pós-modernidade é como o tempo das invasões bárbaras, porém, o que é destruído nesta nossa época pós-moderna (pós-moderna significa pós-iluminista, pós-ideológica, pós-socialista, pós-utopia, pós-liberal, é uma época de sonhos destruídos) é o próprio "eu humano" marcado pela derrota da esperança: a depressão! As marcas da pós-modernidade são o fim das ilusões. Por que o homem pós-moderno é um deprimido? Porque é um homem sem ilusões, mas também sem esperança, pois suas esperanças vãs foram derrotadas pela realidade. Os modernos ainda tinham pelo menos a ilusão das utopias, aos pós-modernos foi-lhes revelada a dolorida realidade da verdade. Kant e Marx tinham, pelo menos, ânimo para militar (Kant na sua obra monumental, um hino à razão, embora já reduzida à medida de todas as coisas, Marx na sua tentativa de criar um mundo novo à sua imagem e semelhança), mas Nietzsche, primeiro homem pós-moderno, mal tinha ânimo para levantar da cama, vivia uma paixão nunca declarada (por medo), era viciado em haxixe, e em 1889 teve um colapso nervoso, do qual nunca se recuperou, morrendo onze anos depois, em 1900, adorando uma mula, e assinando suas cartas com a alcunha "O Crucificado", que, para ele, seria o seu verdadeiro inimigo. Nietzsche antecipou o relativismo pós-moderno, no qual, como dizia Malraux "não há ideal ao qual possamos nos sacrificar, porque, de todos, nós conhecemos a mentira, nós que não sabemos o que é a verdade". Este é o homem pós-moderno. A modernidade lhe tirou a "verdade" com "V" maiúsculo e procurou construir uma "verdade que coubesse na medida humana". A modernidade quis tirar do homem a vertigem (por isso, a ambição máxima dos modernos é o controle, a racionalização extrema, a burocracia). A pós-modernidade veio mostrar a ilusão de tudo isso. Por isso, Nietzsche gostava de chamar os modernos "ridículos" e taxar a modernidade como "auto-ilusão". Passada a fase da "ilusão moderna", que começava a desvencilhar no início do século XX, os homens começariam a dançar sobre o vazio, sobre o nada. E começava o "mal-estar na civilização", como começou a alertar Freud, porque o homem tem um horror insitintivo ao nada. Voltava a "vertigem", como mostrou Hitchcock em 1958. A vertigem voltava, mas agora, diante do nada, e não diante do infinito. Surge a marca da esperança derrotada, que é a depressão. Porque a pós-modernidade é uma época de derrota: a derrota das ilusões modernas, como já dizia Jean-François Lyotard no seu livro já clássico O pós-moderno, de 1979: "A pós-modernidade é caracterizada pelo fim [ou seja, pela desilusão] da metanarrativas", caracterizando a sociedade pós-moderna como a surgida pós-1950: sociedade industrial, rica, culta, saciada e desenvolvida, paradoxalmente, desigual, dividida, insegura, e acima de tudo, sem sentido, solitária, niilista e deprimida: esta é a pós-modernidade, época da derrota da esperança!

Mas de que esperança estamos falando? Apesar de tudo isso, a pós-modernidade é um tempo de oportunidades, depende do olho de quem vê: quem está dominado pelo mal vê somente o mal, em quem domina o bem consegue enxergar a positividade. Isto é verdade porque, se de um lado, foi derrotada a esperança moderna, a esperança do homem conseguir realizar a si mesmo, conseguir fazer a si mesmo feliz, ao mesmo tempo vem emergindo com força total total e este é o verdadeiro significado da irrupção do pânico, da depressão e da ansiedade (da qual eu mesmo fui vítima este ano, todos estamos vulneráveis): o vir á tona da grandeza do nosso coração, que deseja de verdade o infinito, e não um "finito grandão", como lhe prometia a modernidade. O quadro O Grito, de Munch, é uma ajuda muito grande a entender a positividade, a beleza e a verdadeira esperança que está dentro da pós-modernidade, como uma plantinha pequena que cresce nos escombros daquelas estruturas de concreto abandonadas (que são, pra mim, o sinal mais característico da nossa modernidade decrépita e mentirosa, enganadora). Às vezes eu me pego "gostando" da revolta pós-moderna, porque é o grito do coração contra essa falsidade que nos é imposta, como mostra o quadro. O quadro é mais ou menos assim: uma pessoa caminha numa ponte, só [impressionante a solidão, outra marca dos tempos pós-modernos: a fluidificação, a evaporação dos relacionamentos, dos afetos, da amizade e do amor], ao longe, duas pessoas caminham ao fundo, sem lhe dar atenção, sem prestar atenção à angústia que se passa dentro do seu coração, a realidade parece fluidificar-se (esta realidade que a modernidade insiste em fazer "sólida"), a pessoa põe as mãos na cabeça, em sinal de ansiedade, e grita. Grita! Grita, a quem? Se não há nada nem ninguém que possa nos ouvir, como nos dizem os modernos mais entendidos, por que existe o grito? Por que choramos na "noite escura" se não há ninguém a nos ver chorar? Se não há quem nos escute, por que existe a voz?

O maior sinal de grandeza do coração humano é o fato da nossa época ser marcada justamente pela depressão, por este sinal tão característico e evidente de uma esperança que foi derrotada. Mas isto é uma prova de que o coração resiste, e grita! Clama! Implora! Esta é a essência mais autêntica da oração verdadeira e profunda! Este grito é o verdadeiro baluarte contra o niilismo, o baluarte contra o nada, contra a mentira. Uns fazem como a Lady Gaga, que sai pelo mundo "jogando leite na cara dos caretas", jogando leite na cara dos modernos, que criaram o "monstro" que agora pode simplesmente os destruir, mostrando a falsidade e o ridiculo da sua criação. Outros, gritam. Muitas vezes, o grito é silencioso. Se manifesta como ansiedade, como pânico, como depressão. Tudo isto é sinal da grandeza do coração humano, que tem horror ao nada, à vacuidade, ao non sense, à banalidade, que deseja, ou melhor, exige a justiça, exige a beleza, exige a felicidade. A pós-modernidade é uma faca de dois gumes: ela é também uma era de oportunidades incalculáveis e imprevisíveis! Se a pós-modernidade é um rompimento com as ilusões modernas, ela é também uma ansiosa espera do Fato, ou da verdade, do acontecimento, que, como diria Foucault, em A Microfísica do Poder, é "a corporificação do imaterial!" Cada dia eu me dou conta que, por trás de todas as "artimanhas do homem pós-moderno" existe um profundo desejo de autenticidade, o desejo de ser si-mesmo, o desejo da realidade, de que emerja a verdade de si. A pós-modernidade é como as plantas semeadas pelo ar que crescem em meio às ruínas de uma construção abandonada. Essa construção abandonada é a modernidade, com os seus ideais falidos, a pós-modernidade é a vida, que insiste em vingar e crescer de forma vigorosa e anárquica, apesar de todos os planos modernos de organizá-la e estruturá-la.

O grito do coração tem uma resposta: um homem há dois mil anos (Jesus Cristo), disse encarnar em si mesmo o próprio divino, o que significa que Ele nos diz: "o seu grito foi ouvido, Eu escutei (por acaso, a origem dos ouvidos não escutaria?) e vim aqui para responder, para dizer que não estão fadados ao nada, mas têm um ponto de chegada: Eu mesmo". Como já falou Santo Agostinho nas suas Confissões (tido como o "primeiro pós-moderno"): "Criastes-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto em Ti não repousar!" Como temos uma grande testemunha nos nossos tempos: o Papa Bento XVI, a pós-modernidade, mais do que um tempo de esperança derrotada, pode ser um tempo de renascimento da esperança (O mesmo Papa, em 2007, lançou um "manifesto da esperança", a encíclica Spe salvi, onde diz claramente: "é na esperança que somos salvos"), mas não da esperança reduzida, mas da esperança que se coloca diante do Mistério, diante da Vertigem. Não há uma terceira alternativa: ou Jesus Cristo foi um louco, ou é Deus, e como um amigo meu, médico, me disse que os loucos, não são felizes, é melhor fazer como Blaise Pascal já falava: apostar! Esta época é uma época de esperança mesmo, porque os homens, despidos de todas as ilusões que a modernidade lhes impingia estão todos ali com o coração ferido, com a Lady Gaga a comandar o barco: nós só precisamos encontrá-los! Porque o mundo deseja ardentemente a felicidade! E é este desejo que pode ser o ponto de encontro, de diálogo e de reconstrução! Para além de toda a ideologia, o nosso coração é o baluarte contra o niilismo e a possibilidade da reconstrução do humano, da reconstrução do "eu", do retorno da esperança, porque sem esperança não se vive! O coração do homem é espera, a vida é esperança, e eu vivo somente pelo fato de esperar, de ser dominado pela esperança!

sábado, 18 de setembro de 2010

Vir pugnator, homem lutador!

O Senhor é o herói dos combates, seu nome é Iahweh! (Ex 15,3)

Se alguém quiser saber qual é a imagem que eu tenho da vida, esta é somente uma: a vida é uma luta, é uma guerra! Um dos títulos de Jesus Cristo que eu mais gosto é o de "vir pugnator": homem lutador, homem em guerra! Quando eu recebi a santa crisma, Jesus me "alistou no seu exército" (porque "crisma" era o nome do óleo com os quais os soldados romanos que partiam para a batalha eram ungidos). Naquela hora, eu não entendia muita coisa, mas hoje, na medida em que o tempo vai passando, eu me vou me dando conta exatamente de que Cristo é exatamente esse general em guerra contra este poder que quer nos manter sozinhos e vulneráveis, para por fim nos destruir e nos aniquilar.

Se alguém me perguntar: "o que você quer ser, Dimitri?", não teria a mínima dúvida em responder "um guerreiro, um lutador!" A imagem do Mistério que me domina nestes dias é exatamente esta: o Mistério é um grande guerreiro, com uma espada na mão contra as suas hostes inimigas. Mesmo Nossa Senhora, que é a mulher de valor, gosto de vê-la forte, vitoriosa, esmagando a serpente do mal sob o seus pés. Esta é a imagem da vida que me domina.

Ontem, eu fui dar aulas, já o terceiro dia depois que eu voltei a trabalhar. Uma multidão inumerável de jovens lá estava na porta da universidade, em meio a  barulhos ensurdecedores, bares, álccol e maconha, tudo isso ainda às nove da noite. Eu, evidentemente, no meio desta multidão inumerável, fui confundido com um aluno, e recebi, de uma bela jovem, um panfleto sobre uma tal de "festa dos sete pecados". Ali eu fiquei pensando "meu Deus, ao que estes jovens estão submetidos? Que poder é esse que quer destruir-nos? E quem sou eu aqui, Senhor, pobre miserável enviado por você a este lugar onde o humano é completamente destruído? Quem sou eu aqui, Senhor?"

Me lembrei imediatamente de Dom Giussani e da revolução na minha vida que foi o encontro com o carisma deste homem, e subindo os degraus desta faculdade, olhando todas aquelas pessoas, me lembrei de Dom Giussani que há quase sessenta subia os degraus do Licheu Berchet, e imediatamente invoquei a força do Espírito Santo, porque eu sozinho sou muito fraco diante da força que é o mal: "Veni Sancte Spiritus, veni per Mariam". Ao mesmo tempo, porém, para mim, cada vez fica mais claro qual é o campo de batalha que eu mais gosto: eu gosto mesmo é de estar neste ambiente, entre os jovens, na universidade. É o ambiente que me desafia, que me desafia a estar diante destas pessoas com tudo aquilo que eu sou e com tudo aquilo que eu carrego junto de mim, mesmo que eu não abra a boca para a falar o nome do Senhor Jesus. Cristo fez de mim um soldado, um homem lutador, um guerreiro, aposta em mim, miserabílíssimo, e me coloca lá, onde o humano é tão destroçado, tão vilipendiado, tão estraçalhado... desejo ser viril como Cristo, e disposto para a luta, para a guerra, imitando o "vir pugnator" por excelência que está em guerra contra este poder, que quer nos destruir, certo de que a vitória já é dEle, porque Ele ressuscitou, venceu a morte!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Poema meu

Meu coração se desperta
com violência inaudita
e me abala por inteiro
rasgando-me de alto a baixo
quem sou eu?
quem sou eu?
saudade
solidão
grito
desejo
espera

sábado, 14 de agosto de 2010

"A Origem" - Inception

Marion Cottilard

Quem é o pós-moderno? Sinteticamente, eu poderia dizer assim: é aquele que está em guerra com a realidade. Quem quiser deixar de ser pós-moderno, vencer a pós-modernidade, a primeira coisa que deve fazer é acertar contas com a realidade. Muitas vezes, a gente brinca, mas a guerra contra a realidade avança a passos largos, e nós nem sequer nos damos conta, porque estamos quase que completamente imersos nela.

Para as pessoas deste nosso tempo, a realidade já não é algo bom que nos atrai, pelo contrário, é uma inimiga que nos dá medo! Temos medo de tudo, um medo difuso e confuso, um medo de viver, porque para nós, além do fato de percebermos a realidade ser inimiga, percebemos a vida como absurda, vazia e sem-sentido!

Um dos filmes que retratam isso é "A Origem" (na verdade "Inception" - Início, na tradução literal), estrelado por Leonardo di Caprio, homem que guarda seus afetos em pesadelos (representada por sua mulher morta, que atende pelo nome de "Mal"). A ideia principal do filme  é a de que é possível manipular o inconsciente do ser humano a partir de uma muito bem elaborada técnica que introduz uma ideia em qualquer pessoa a partir de seu sonho. Isto é tecnicamente o que é a realidade para a pós-modernidade: um mero conjunto de textos e intertextos, como afirma o filósofo Jacques Derrida, que podemos alternar, desconstruir e construir a nosso bel-prazer sem pagar nada por isso.

A Origem é uma crítica sutil e severa às ideologias e as ilusões nossas de cada dia. Porque as ideologias, durante muito tempo, mobilizaram e fizeram convergir as energias de muitas pessoas em vista de um ideal comum, de paz, e de bem. Com o passar do tempo, todas as ideologias falharam, uma a uma. Ruíram. Agora estamos numa época sem ideologias, sem utopias, e portanto, sem ideais. Um tempo apático. Gélido. Mórbido. Frio. Desesperado. Cínico. Violento. Porque para todos, a realidade seria então, inimiga, suscitando desejos em nós que não consegue realizar, nos obrigando, para viver a achatar este nosso desejo em banalidade ou cinismo. A coisa mais inteligente a fazer seria ser estúpido, se distraindo continuamente, ou se refugiando em ilusões.

Hoje, os jovens já não sabem mais responder à pergunta: "Para que eu vivo?" Tudo ao nosso redor é banalidade, e cinismo, e não é difícil, diante de todo este quadro, ser pessimista, como o brilhante, agudo e perspicaz filósofo polonês Zygmunt Bauman. Só se você encontra uma novidade dentro do caos pós-moderno é que pode haver alguma esperança. por isso que no filme Inception é impressionante a figura do totem: um pequeno objeto que te garante se você está na realidade mesmo ou em um sonho. O totem representa a ligação com o real por meio das coisas e também o fato de que, para viver minimamente de forma digna, é preciso romper a incerteza pós-moderna, e ser certo de pelo menos algumas grandes coisas na vida. O totem é o nexo com o real. Essas poucas grandes coisas podem ser a nossa salvação, o nosso nexo com a realidade, que é provado pelo fato de trabalharmos. O trabalho é a prova de que estamos empenhados na realidade, porque os alienados, os loucos, aqueles que estão separados do nexo com o real, não conseguem trabalhar, não conseguem construir. André Malraux dizia que ninguém hoje quer se empenhar com nada, porque de tudo se sabe a mentira, nós que não sabemos o que é a verdade. E, neste mundo povoado de gente que busca ilusões, é possível ainda se fazer a pergunta: o que é a verdade? É possível ainda deixar emergir essa profunda exigência do nosso coração neste período relativista, caótico, instável, inseguro, e solitário?

A verdade, a única que derrota "por dentro" a pós-modernidade niilista que tem como porta-estandarte de si mesma a Lady Gaga é que eu fui e sou amado. Esta é a verdade. Encontro, dentro da realidade, desta loucura imensa, um olhar que me ama e me abraça do jeito que eu sou, que aposta em mim. Mais ainda: encontro espaços onde esta é a lógica que domina, onde existem pessoas que vivem assim: amando-se umas às outras. Esta é a verdade, não somente porque existe objetivamente, mas porque corresponde aos desejos mais profundos do coração.

Para vencer esta nossa época, e emergir acima da ruína, certo de algumas grandes coisas na vida, só existe um método: aceitar esse olhar amoroso, usar da própria vida para mudar o mundo, torná-lo melhor, mais humano, mais habitável, fazer com que cresçam estes espaços onde existem verdadeiras amizades, humanidade genuína, onde se reconhece que "a coisa mais importante da vida é um amigo", que não é necessário se refugiar em ilusões, porque a realidade não é inimiga, e que existe aquilo que o nosso coração deseja em sua profundidade. Inception é um alerta e um grito muito inteligente, um grito pela realidade. Mas só é possível viver assim quem foi atingido por um olhar amoroso, quem fez um encontro com uma humanidade nova e correspondente ao próprio coração. Esta é a grande novidade neste mundo frio, de trevas e confusão, e que derrota a pós-modernidade, a partir de dentro dela mesma!

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A terra da busca pela felicidade

São Paulo é uma cidade única. "O mundo inteiro está lá", dizia o poeta Bruno Tolentino. Eu adoro cidades, nasci para viver nelas, não sou bucólico, sou totalmente urbano, gosto de prédio, de carro, de agitação, de corre-corre, de metrô. Quanto maior a cidade, para mim, melhor. Gosto tanto de cidades que quando estive em Nova York, chegava a ficar longas onze horas caminhando pela ilha de Manhattan, porque mais do qualquer outra coisa, em Nova York, a cidade em si mesma, é a grande atração da jogada.

Dá para entender assim o quanto estou gostando de caminhar e apreciar a cidade, especialmente a sua parte mais antiga, que é o centro. Eu mesmo já vim inúmeras vezes a São Paulo, é uma cidade da qual eu gosto, mas um gosto que eu nunca entendi. Esta é uma pergunta que sempre me ficou aberta: "por que que eu gosto tanto desta cidade? O que é que tem aqui?"

Andando pelo centro da cidade, buscando trabalho, eu penso que descobri. É porque São Paulo não somente é a terra das oportunidades, é a terra da busca pela felicidade. E o que é a felicidade senão o conhecimento de Jesus Cristo, Aquele que venceu a morte? Porque, se de fato, como diz o apóstolo São Paulo, o movimento dos povos é na verdade a busca pelo sentido, pelo destino, pelo significado; em São Paulo como em nenhuma outra cidade brasileira, isto se vê com uma clareza solar. A cidade é um canteiro de obras a céu aberto. Cada um aqui tenta ser feliz a seu modo, mas tudo no fundo é uma busca nervosa pela felicidade, que se expressa no trabalho. Trabalhamos para que, se não é para sermos felizes?

Mas o que mais me emociona em São Paulo são as torres das igrejas. A Catedral gótica é belíssima e imponente, mas ao longo de toda esta gigantesca cidade é muito confortante ver as torres das igrejas no meio dos prédios anunciando a Presença que destruiu a morte e nos faz companhia, mesmo na selva de pedra. Aqui, as pedras falam. As torres das igrejas anunciam que Cristo ressuscitou e gritam ao céu: "Maranatha! Vem, Senhor!"

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O sucesso de Eclipse e a cultura da morte

A saga Crepúsculo, do qual Eclipse é o terceiro livro e filme está fazendo um sucesso tremendo entre os adolescentes. Basta notar, para se dar conta disso, o número de salas que estão exibindo o filme e a quantidade de pessoas que já o assistiram ou ainda vão assistir. Há alguns dias vi no Twitter uma pessoa que twittou assim: "vou assistir agora a Eclipse para comemorar o término da escrita do meu artigo".

A pergunta que eu me faço diante desses fatos é a seguinte: qual a razão desse sucesso tão estrondoso, que não é somente objeto da moda ou fruto da "imposição cultural americana"? Acusar Eclipse disso é uma superficialidade gigantesca. O fenômeno Eclipse não é algo superficial ou meramente ideológico, como pensam alguns, taxando de "alienação" o seu consumo em massa. Eclipse faz sucesso por uma razão muito simples: ecoa os anseios do coração humano, ecoa os anseios do coração dos adolescentes, que é a fase no qual está mais premente a emergência dos desejos mais profundos do coração humano. Dizendo de outra forma: Eclipse faz sucesso porque encontra, no coração adolescente, uma tremenda correspondência.

Um amigo me disse que o sistema capitalista faz sucesso porque "joga" com os desejos do coração, mercantiliza-os, tenta reduzi-los a uma mercadoria que supostamente iria satisfazê-los, joga com o fenômeno que a Bíblia condena taxando-o de "idolatria", aquilo que não mantém as promessas para as quais parece feito.

Um desejos mais latentes no nosso coração é justamente a liberdade. É aqui que se encontra o fascínio exercido pela saga Crepúsculo. A libertação de uma vida que oprimiria os nossos desejos mais profundos se daria por meio da absurda "imortalidade por meio da morte", que é exatamente o inverso da Ressurreição acontecida na Páscoa. O vampirismo exerce um fascínio quase irresístivel porque joga com o nosso desejo de liberdade, imortalidade e juventude. A morte, a passagem para a "vida vampírica", é vista aqui não como "o último inimigo a ser vencido", como afirmou o apóstolo Paulo, mas é diabolicamente apresentada como "a solução de todos os problemas". Não é à toa que o símbolo da saga é a "maçã", símbolo da falsa promessa feita pela serpente a Adão e Eva. Trocando em miúdos, isto significa que o fascínio que Eclipse exerce expressa o fascínio exercido pela morte e pelo nada, no tempo pós-moderno que nega a realidade e aquilo que existe, pregando o refúgio no escapismo de sonhos, fantasias e estados mentais perturbados.

Um dos livros mais emocionantes que eu li foi Drácula, de Bram Stocker. Li 400 páginas em apenas uma semana. Eu estava numa fase difícil da minha vida, e toda aquela treva de alguma forma me atraía. Foi só começar a experimentar "uma febre de vida" que estas coisas deixaram de me atrair. Porque é assim que acontece com quem leva minimamente a vida a sério, e se deixa interpelar pelas próprias exigências de verdade, felicidade, justiça e amor. Mas nossa época, que tenta a todo custo sufocar as exigências mais elementares do coração, se configura como o tempo da banalidade e do cinismo. A pós-modernidade é verdadeiramente o tempo de surgir uma saga como Crepúsculo, que na verdade é um "vampirismo adocicado", ou um "niilismo soft". Exatamente o inverso do niilismo explícito da Lady Gaga, mas no fundo é a mesma coisa. A evidência disso é o sucesso de ambos. A única realidade que derrota o pós-moderno é uma amizade que não tem medo do nosso coração, que nos desafia sem cessar, e que nos obriga a levarmos a nós mesmos a sério. Esta amizade é a derrota do pós-moderno e a realidade mais temida por aqueles que detém o poder hodiernamente.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Um operário em construção

Uma das descobertas mais libertadoras, do ponto de vista tanto psicológico quanto existencial, é a descoberta do "eu sou Tu-que-me-fazes". Esta é uma descoberta maravilhosa, porque é justamente ela que nos liberta da maior de todas as tentações, que é a de achar que "eu já estou pronto". Pensar "eu estou pronto" significa, psicologicamente, dizer "eu sou Deus", "eu sou o determinante de tudo". Reconhecer "eu sou feito", por outro lado, abre a uma vertigem imensa, mas ao mesmo tempo, a uma esperança extraordinária, porque, se eu não estou pronto, se estou em construção, significa que o melhor está por vir, ou como se diz no ditado latino "o fim coroa a obra".

Isto que estou falando pode parecer mera divagação intelectual, mas se paro para pensar na minha vida, nestes últimos sete meses, nos quais já morei em três cidades, encontrando todo tipo de gente, trabalhando, me afeiçoando às pessoas e ao trabalho... Se eu olho a minha vida a partir do fato que determina a História, que é a Ressurreição triunfal do Senhor na manhã da Páscoa, se eu olho a realidade com este juízo, me dando conta desta Presença vitoriosa, como não olhar para a minha vida e não me perguntar: "Quem é você? E quem sou eu?"

Porque é muito óbvio achar que já sabemos quem somos, e no entanto, estamos sendo feitos. Há alguns dias, um amigo me disse que eu estava sendo "lapidado como uma espada". É evidente, para mim, cada vez mais me dar conta exatamente disso: de que por meio de toda circunstância, alegre ou dolorosa (a vantagem da dor é que ela te impede de distrair-se), é que somos feitos.

Eu penso em mim mesmo: estou aqui na "pauliceia desvairada", como dizia Mário de Andrade, me tornando um "operário em construção", como cantou Vinícius! Eu sou Tu-que-me-fazes! Como é comovente dizer isto! Como é comovente tornar-se carne o que disse São Paulo "estou cheio de alegria em minha tribulação!" Como me enche de alegria os meus próprios filhos crescerem e me fazerem companhia, até por meio de uma mensagem que li às três da manhã! Como me enche de comoção estar diante da Eucaristia, no Mosteiro de São Bento clamando "Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!" Eu sou Tu que me fazes! É o juízo que domina em mim, estes dias! E como são minhas, estes dias, as palavras do padre Aldo, de que este juízo é fruto da graça dessa dor imensa e dessa amizade maravilhosa! Na verdade, mais do que "um operário em contrução", sou "um 'eu' em contrução", porque, de fato, é verdade: é a obra que faz o eu, não é o eu que se expressa na obra! Que descoberta extraordinária: é o trabalho que constroi o meu eu, é o relacionamento com a realidade que me faz, instante após instante, aqui e agora!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Uma dor imensa e uma beleza maravilhosa

Ontem, 14 de julho,  a França comemorava os 221 anos da Queda da Bastilha. Mas quem quase caiu fui eu, no Shopping Riomar, em Aracaju. Recebi de uma forma totalmente inesperada a notícia de que eu fui demitido. Uma dor imensa me invadiu, um misto de vários sentimentos: humilhação, impotência, frustração. Nem eu mesmo pensei que fosse sentir tanta dor. Era como se uma espada tivesse sido cravada no meu coração, como se tudo o que eu vivi, o que eu passei, fosse de reprente anulado, jogado no lixo, completamente desconsiderado. Me senti literalmente um número, como Clarice Lispector diz na crônica "Você é um número". Pior. Me senti como um copo de plástico descartável, usado e jogado fora. Não tenho vergonha de expressar isso aqui porque foi a mais pura verdade.

Saí quase que correndo para ir chorar no banheiro da praça de alimentação do shopping, porque eu penso que ainda tenho um pouco de dignidade. Antes de chegar, ouço uma voz que me grita: "Dimitri!" Era o meu amigo Camilo, junto com vários amigos de Aracaju, que são o rosto de Cristo para mim em Aracaju. Quando vi a cena, não resisti. Chorei ali mesmo no meio do shopping, cercado de amigos. Cada qual interprete este sinal como quiser, mas pra mim era o abraço concreto de Cristo, que não me deixou cair no vazio, mas estava apoiado nEle. Para mim, foi uma beleza maravilhosa, uma carícia do nazareno. E assim entendo que as coisas difíceis que acontecem em nossa vida não são masoquismo do Mistério, mas são para a maior glória de Deus. Porque ontem estava claríssimo para mim: Cristo ressuscitado, vivo, me abraçando num dos momentos mais difíceis da minha vida.

Depois, ainda tive a companhia de dois amigos de Salvador, que me acompanharam pelo messenger, e um amigo de São Paulo, por telefone.

É impressionante perceber a própria fragilidade, mas mais importante ainda é reconhecer que esta fragilidade é o recurso mais valioso que temos para sermos protagonistas da História, mendigando, pedindo. Porque é verdade realmente que o mendicante é o protagonista da História. Eu nunca me senti tão livre, tão verdadeiro, tão eu mesmo quanto ontem, chorando, no meio da praça de Alimentação, cercado de amigos! 

terça-feira, 13 de julho de 2010

A morte de Eliza e a exigência de justiça

O nome "Eliza" é uma variante do nome "Isabel", ou "Elizabeth", ou ainda "Elise", e significa "aquela que se dedica a Deus". Mas desta vez, Eliza nos lembra outra coisa. O infeliz caso acontecido com Eliza, que se envolveu de forma trágica com Bruno, ex-goleiro do Flamengo é um soco na cara de todos. Para mim, um soco maior foi ver, diante de mim, Cleuza dizendo "estou revoltada com isso! Vamos organizar logo uma manifestação!" Ali eu me dei conta de como eu já estava me acostumando com as coisas terríveis que vêm acontecendo, que a gente logo naturaliza!

Eliza foi uma jovem de 25 anos, que se envolveu com o ex-jogador do Flamengo Bruno, e engravidou do mesmo. Este propôs que ela abortasse. Ela não só teve o filho, como lutava pelo reconhecimento da paternidade. O pai da criança resolveu esta situação sequestrando, prendendo, torturando, matando asfixiada e esquartejando a mãe da criança; e por fim, atirando partes de seu corpo para cães rottweillers comerem. Um crime bárbaro, chocante, humilhante, frio até não poder mais, que revela o índice de violência ao qual estamos submetidos nós, nesta etapa da História.

Bruno é uma síntese do que está acontecendo com muitas pessoas: estão sendo enganadas, pois uma mentalidade dominante afirma que terão os desejos satisfeitos por uma série de coisas que não têm esse poder. Bruno era, nos padrões pós-modernos, um jovem bem-sucedido que teve aquilo que muitos almejam como a sua realização e felicidade máximos: dinheiro, fama, prestígio, mulheres e sexo. Mas é justamente aqui que emerge a pergunta: por que um jovem destes de apenas 25 anos mata outra jovem da mesma idade, com a qual teve um filho, com um requinte de crueldade tão extremo?

Alguns podem, infelizmente, responder ao problema, de forma cínica e simplista, dizendo que ele a "eliminou" porque ela estaria sendo um "problema" para ele. Isto somente em parte é verdade, mas ainda não explica a origem da crueldade, da barbárie e do horror. O que é que está faltando?

A tragédia de Eliza nos ajuda a entender a natureza da nossa falta. O que faltava a Bruno? Este é o ponto de partida, porque Bruno, evidentemente, é uma pessoa extremamente insatisfeita, porque uma pessoa feliz não pratica um ato como estes.

Mas, e o que é que satisfaz o espírito? O de Bruno? E o nosso também? O que fatos como estes comprovam é que o mundo pós-moderno "vende gato por lebre", prometendo os maiores prazeres, e oferecendo, na verdade, as maiores dores. A única saída para tudo isso é o conhecimento da verdadeira natureza do nosso desejo: o que pode satisfazer a nossa exigência de justiça diante de um crime bárbaro destes? Quem vai fazer justiça à Eliza? Porque, se a justiça não for feita a ela, não interessa, ainda não será justiça.

Não há alternativa: ou reconhecemos um "além" no qual a justiça poderá acontecer ou a palavra "justiça" bem que poderia ser tranquilamente riscada do dicionário. E aí é que aparece a tarefa dos cristãos: Cristo se propõe como "o além no aquém". Portanto, a única possibilidade de justiça é Cristo, é reconhecer Cristo. Por isso que o apóstolo Paulo fala de forma tão categórica: "A justiça é a fé!" Não há a mínima possibilidade de justiça sem o reconhecimento do Além que entra no aquém e se faz presente, abrindo espaço para outras possibilidades; possibilidades estas muito mais correspondentes ao coração humano, como o perdão, a misericórdia e a ressurreição.

O que falta, portanto, a estes tempos confusos ao extremo e pós-modernos, é a fé. Mas não uma credulidade que acontece como auto-sugestão, como tantos pregam por aí, o que falta é um reconhecimento verdadeiro por parte da inteligência, da razão, de quem é Cristo, do que Cristo trouxe e traz a este mundo: perdão, misericórdia, ressurreição, novas possibilidades. Cristo vem abrir o círculo fechado pelo mal, vem, como diz São João, "destruir as obras do diabo". As obras do paganismo, da idolatria, da mentira, da morte, do niilismo, do non sense, do desespero; da pós-modernidade, enfim.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lady Gaga e a cultura da morte


Desde que eu ouvi falar na Lady Gaga pela primeira vez, e mais especialmente após me dar ao trabalho de ler as letras de suas músicas, eu percebi que havia nela algo de muito estranho, mas muito maior do que a mera banalidade, bizarrice ou o culto ao non sense. Na verdade, a Lady Gaga foi um enigma para mim desde que percebi a sua evidente inteligência. Não é à toa que também é ela a compositora de suas próprias músicas. Comecei a me dar conta de que tudo o que ela faz e produz tem marcado, por trás do aparente culto ao absurdo, uma forte inteligência e portanto, um sentido, uma razão de ser para tudo isso. Mas como, na verdade, até pouco tempo, eu praticamente só tinha me limitado a ver o clip da música Poker Face (que é um clip dos mais normais e "ingênuos" da cantora, diga-se de passagem), pouca coisa eu percebi até então.

Tudo começou a mudar quando li uma reportagem na Veja da semana passada falando sobre o novo clip da Lady Gaga, Alejandro, que continha uma blasfêmia, na qual a própria Lady Gaga, desta vez vestida de freira, deitada num caixão, engole um rosário. Ao contrário da música, que é leve, alegre e jovial; o clip Alejandro é terrível, tenebroso e mórbido ao extremo, se constituindo uma das coisas mais abomináveis que eu já pude ver na minha vida. O clip mostra uma religiosa que perde a fé e se transforma numa sacerdotisa pagã, abandonando Deus e procurando divinizar-se a si própria. Neste caso, Alejandro seria Deus. Mas ao mesmo tempo, Alejandro é um gay por quem esta freira se apaixona, "traída" por dois supostos homens, Roberto e Fernando, símbolos da outras duas Pessoas da Trindade, do Deus que a teria "desencantado". O Alejandro gay seria como o Deus com quem ela se desencanta e que não pode satisfazer os desejos que nela suscita. Neste clip, Gaga, que é abertamente militante pró-gay, mostra ainda a relação homoafetiva e homoerótica "oprimida", tanto pela Igreja Católica quanto pelo militarismo, por uma suposta cultura patriarcal e homofóbica.

Mas isso não foi o ápice. O que vi em Alejandro na verdade estava me preparando para a cena pior, que estava por vir. Fui ver o clip Bad Romance, no qual ninguém menos que o demônio aparece explicitamente, representado por um morcego e depois por uma cobra. São cenas terríveis, porque este clip ressalta o desejo de Gaga ter um "bad romance" com a mídia, no qual ela cultua o seu ídolo (explicitamente o demônio), ao qual sacrifica tudo em nome da fama. Sem falar no vídeo Telephone (gravado junto com a cantora americana Beyoncé), no qual defende o assassinato e o lesbianismo. Uma cantora como esta, que lança estas músicas num álbum intitulado Fame Monster (Monstro da Fama) é alguém que, no mínimo suscita interrogações. O monstro da fama é ela mesma, que se vende em nome do sucesso, em nome de 4,72 milhões de seguidores no Twitter, monstro como Michael Jackson e Marilyn Manson.

A quantidade de símbolos satânicos espalhados em todos os vídeoclips da Lady Gaga, o seu visual completamente bizarro (representando a guerra contra a realidade), a sua aberta defesa da androginia e do homossexualismo, aliado a letras extremamente inteligentes (isso foi o que primeiro me chamou a atenção: a inteligência nas letras de uma cantora pop que parecia ser a versão feminina melhorada do Falcão brasileiro), leva-nos a perguntar: quem é esta? Quem é este mais novo produto da mídia global?

Lady Gaga, mais do que expressar a pós-modernidade, expressa a cultura da morte. Ela é a mais pura evidência de que a nossa época é o tempo da negação da vida, da negação da realidade, e portanto, de Deus e de tudo aquilo que é considerado sagrado, de tudo que é considerado absoluto. Lady Gaga representa a era do non sense, da confusão, do desnorteamento, do culto aos demônios e aos ídolos. Tal como era antes do advento de Cristo.

É impressionante, olhando ao nosso redor, e nos dando conta do que é oferecido a nós, perceber a atualidade do que diz o Livro da Sabedoria (Sb 14, 22-29):

"Como se não bastasse terem errado acerca do conhecimento de Deus, embora passando a vida numa longa luta de ignorância, eles dão o nome de paz a um estado tão infeliz (grifo meu). Com efeito, sacrificando seus filhos, celebrando mistérios ocultos, ou entregando-se a orgias desenfreadas de religiões exóticas, eles já não guardam a honestidade nem na vida nem no casamento, mas um faz desaparecer o outro pelo ardil, ou o ultraja pelo adultério. Tudo está numa confusão completa - sangue, homicídio, furto, fraude, corrupção, deslealdade, revolta, perjúrio, perseguição dos bons, esquecimento dos benefícios, contaminação das almas, perversão dos sexos, instabilidade das uniões, adultérios e impudicícias - porque o culto de inomináveis ídolos é o começo, a causa e o fim de todo o mal. (Seus adeptos) incitam o prazer até a loucura, ou fazem vaticínios falsos, ou vivem na injustiça, ou, sem escrúpulo, juram falso, porque, confiando em ídolos inanimados, esperam não ser punidos de sua má fé."

Confesso que nada me chocou mais do que ver Lady Gaga associada de forma tão explicitada ao demônio, porque com relação a outros artistas, estes pelo menos tinham a sutileza como sua marca registrada (como Michael Jackson, no clip Thriller, no qual faz referência ao vudu). Aqui, não. A associação com o demônio é tão evidente que é preciso ser muito cego para não notar isso. Um amigo meu me disse que "sentiu vontade de vomitar", vendo esses vídeos. Fico feliz com sua humanidade! Lady Gaga é uma doente, adoradora da morte e do mal, porque não ama a vida e nem a realidade, aquilo que existe. Ama os seus estados mentais, perturbados e confusos, fruto de uma mente inteligente, porém desnorteada, que acha que pode jogar com a realidade a seu bel-prazer. Se não amamos aquilo que existe, será impossível amar aquilo que não existe. Lady Gaga é doente e reflete uma sociedade doente.

Há alguns anos, uma rede italiana produziu uma série intitulada "Padre Pio", sobre a vida do santo de Pietrelcina, morto em 1968. Este santo teve inúmeros combates com o diabo. Padre Pio foi um homem que nunca se conformou com a realidade da morte, e sempre em suas orações pedia pela cura de inumeráveis doentes, muitos deles terminais, alcançando de muitos a cura. Portanto, como era um padre que era contra a morte (tanto física quanto espiritual de seus filhos), um dia o diabo lhe apareceu, como em tantas vezes e lhe disse: "A morte sou eu, você está lutando contra mim!" Eu nunca me esqueci disso quando ouvi, assistindo o filme há mais de um ano. Portanto, ao me dar conta, chocado, da associação da Lady Gaga com o demônio, não tenho como não ter certeza de que ela é o símbolo mais perfeito daquilo que João Paulo 2º tanto denunciou: a cultura da morte! Aquilo que me anima é a certeza de que Cristo já venceu, ressuscitou! Por mais que Lady Gaga contribua para construir a cultura da morte, Cristo ressuscitou, é um fato, é vitorioso, e eu quero estar com Ele!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A coisa mais importante da vida

Há alguns dias ouvi do meu grande amigo, o padre Julián de la Morena, uma daquelas frases que certamente nos acompanharão pela vida inteira. Lembro-me como hoje quando ele olhou para mim e me disse: "A coisa mais importante da vida é um amigo!" Na sexta-feira passada eu vivi uma experiência impressionante que tornou carne de uma forma única esta frase de Julián de la Morena: outro grande amigo meu, Cesco, me chamou para ir com um grupo de amigos escalar o Pico das Agulhas Negras, em Itatiaia, no Estado do Rio de Janeiro.

Esta escalada - uma coisa que eu sempre quis fazer - foi uma das coisas mais difíceis de toda a minha vida, mas foi precisamente ali que eu entendi de uma forma única o valor de um amigo, o valor de uma companhia, e mais ainda o valor de uma companhia guiada. Como não ficar grato pela amizade com o padre Marco, apaixonado pelo montanhismo que a toda se preocupava em saber como eu estava, me ensinar os passos, ou me dar a mão quando eu não conseguia subir? Ou ainda a companhia de Cesco, que várias vezes me disse "levanta e vai!", ou ainda a companhia da Silvana que organizou todo esse passeio?

Foi uma subida íngreme e extremamente difícil, saí com praticamente todos os meus músculos doloridos, mas eu estava contente, porque tinha superado um limite, atravessado as colunas de Hércules, como Ulisses, e aprendido muitas coisas nesta caminhada. Porque a montanha é como a nossa vida. Nossa vida é um caminho difícil, muitas vezes íngreme, áspero e frio, rumo a uma meta que nos dá uma visão maravilhosa. Muita gente pára porque vai só, se perde, ou não tem confiança, ou entra em pânico, como eu vi gente parar por medo ou pânico no meio do caminho. Só chegou até o topo quem estava em companhia e confiava no guia. Só quem arriscou seguir chegou.

Mas outra coisa que me dei conta nos últimos dias foi que, se a amizade é uma graça, é um dom do Mistério, também é fruto de um trabalho. Nestes últimos dias, tenho (por graça) passado para uma postura agressiva. Isso a montanha me ensinou. A procura por trabalho também tem ensinado. Levar em conta o próprio humano, reconhecer a própria pequenez nos leva a uma postura agressiva diante da realidade! Isso é uma coisa impressionante! Porque se eu sou livre, sou também responsável! Responsável diante do cosmos e da História! Não posso simplesmente sofrer as agressões que a realidade porventura pode me fazer, mas devo lutar com ela, ser agressivo, como Jacó que lutou com o Anjo no vau do Jaboque, que disse ao Anjo "não vou te largar enquanto não me abençoares!" Com a realidade minha postura tem se tornado assim e eu tenho pedido isso sempre em minhas orações, a graça de não me deprimir, mas lutar, guerrear! Como me disse Julián de la Morena: "É a guerra!" A guerra me deixa contente! Não é à toa que o que mais me entusiamou no estudo da História foi a Guerra da Reconquista (732-1492),  a partir da qual surgiram os Reinos da Espanha e Portugal, a nossa América Latina, e a minha própria vida. Eu mesmo não existiria se não se fosse a Guerra da Reconquista, por isso eu sou fascinado por ela! Depois da graça, a guerra! O primeiro trabalho é a construção desta amizade! Ter visto a amizade entre a amizade entre Marcos, Cleuza e o padre Aldo tem me animado a isso! Ter almoçado com Cleuza e os associados da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST) e ver o milagre, esta amizade impressioanante, que já começa aqui e agora, neste mundo, também! Porque, se a coisa mais importante da vida é um amigo, a vida sem amigos, não é vida, mas somente uma pálida e triste imitação da vida!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O baluarte contra o niilismo


Hoje, eu fui ao enterro do pai de duas grandes amigas minhas, que faleceu numa circunstância extremamente dramática. Ele foi enterrado hoje, no Cemitério Colina da Saudade, em Aracaju, tido como um "cemitério humanista". Eu o chamaria com razão de "niilista". Porque tudo nele é a tentativa de suavização do drama, no fundo, a negação da morte, e da dor, e de quebra, da vida, porque, como disse o grande Vinícius de Morais "aquele que passou pela vida e nunca sofreu, apenas passou pela vida, não viveu".

É justamente a nossa desproporção entre o nosso desejo de Infinito e a constratação da nossa finitude que geram as nossas grandes perguntas existenciais. É o nada que grita ao Ser pedindo sentido e existência, infinito. É o nivelamento por baixo, a banalização da nossa vida que tem gerado o fenômeno mais típico da pós-modernidade: a depressão, que já atinge 121 milhões de pessoas, e em 2020 será a segunda doença com maior incidência do mundo! A depressão (ou buraco, que é exatamente a "tradução" do nome desse mal-estar) é sintoma de humanidade. Para exemplificar isto, conto uma situação sui generis que aconteceu no Colina da Saudade hoje comigo. Lá, neste cemitério, os funcionários têm uma "mascote", como eu descobri, uma cadela mansa e enorme, gorda até não poder mais, dormindo a manhã inteira, sem se perguntar nada nem se incomodar com a dor alheia. Esta cadela, afável às minhas carícias, é o símbolo da humanidade moderna. As pessoas hoje se transformaram em animais, porque quem é banal é como um animal, como esta cadela, que diante de tantos dramas, não se pergunta pelo sentido da vida!

Este cemitério quer transformar cada um de nós nesta cadela gorda e sonolenta, que dorme o dia inteiro enquanto a vida passa. Mas é exatamente o drama, a ferida que nos faz reconhecer a Resposta quando ela vem! Neste ínterim, o coração é o baluarte contra o niilismo. O inimigo mais poderoso do niilismo contemporâneo é o nosso coração, são os nossos amigos deprimidos que não nos deixam em paz, que não deixam nos conformar com a banalidade pós-moderna, que clama, sem às vezes se darem conta, uma resposta aos Céus!

E a resposta vem! A resposta é a Misericórdia! Uma Misericórdia em carne e osso! Hoje eu a vi sob a forma do padre João (Giambatista Giomo), ele mesmo vítima de transtorno bipolar, com uma irmã internada com depressão na Itália. Diante do caixão do pai de nossas amigas, na hora da paz, na Missa de Corpo Presente, ele, depois de cumprimentar a família, se inclinou sobre o caixão e beijou o caixão do defunto. Ali eu vi, eu toquei a Misericórdia! Esta é a resposta de Deus aos tempos pós-modernos: uma efusão de misericórdia, porque misericóridia é a forma mais plena do amor, é o amor à miséria, amor ao nada! Que possamos ser inteligentes e saber ler os sinais dos nossos tempos e invocar para este mundo gélido e tenebroso a vinda deste amor misericordioso, que ama o nada, que ama a miséria!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Eu e o Espírito Santo


Está se aproximando a festa de Pentecostes, que é a festa de aniversário da Igreja. Gosto muito desta festa e gostaria aqui de falar da minha relação com o Espírito Santo. Poderia aqui tentar explicar quem é o Espírito Santo, mas estou cheio de desejo de falar quem é o Espírito Santo em minha vida, Quem é aquele que desde pequeno me prefere, que me chama, que me ama, que vem quando eu O chamo, que me defende, que me consola, que é a minha força, meu sustento, meu amparo, e acima de tudo, minha vida, Aquele que vai comigo aonde quer que eu vá, que Se mostra de mil formas, e que nunca me deixa sozinho, que é verdadeiramente, o Pai dos pobres, o meu Advogado, o meu Defensor, o meu Consolador!

Para mim, o primeiro sinal de que o Espírito Santo tem uma preferência especial por mim é o fato de eu conhecer Jesus desde a minha infância. Desde pequeno, eu lia a Bíblia para crianças em casa, o Evangelho em quadrinhos, de uma tia minha que deu para minha mãe... eu era um capetinha na escola, mas quantas vezes ficava escondido lendo a Bíblia para crianças?... não sei explicar o como e nem o porquê, mas desde pequeno Jesus sempre me atraiu. Ou então um disco que o meu pai comprou para mim intitulado "Natal das crianças", que até hoje me comove...

Eu comecei a sentir atração pelo Espírito Santo quando era criança ainda. Lendo os Atos dos Apóstolos na Bíblia para crianças, eu vi uma imagem do Pentecostes: um monte de gente numa casa com línguas de fogo na cabeça! Até hoje eu me comovo pensando nisso, mas naquele dia eu queria aquelas línguas de fogo sobre mim... meu Deus, depois eu descobri que desde menino eu já desejava Deus, o Espírito Santo! Isso não foi iniciativa minha, eu era uma criança, era já o Espírito me fazendo desejá-lO e pedi-lO. Depois fiz a minha primeira comunhão "brigado" com minha mãe, pois ela não queria que eu fizesse... quando eu penso nisso tudo, às vezes eu levo um susto, porque nada disso é óbvio!...

Os anos se passaram e este frescor da minha infância cessou na adolescência, mas isso não foi o fim, porque, como diz Santa Terezinha em História de uma Alma: "o destino de um homem se resolve nos seus primeiros doze anos". Vários anos depois saí de Itabuna, no interior da Bahia, onde morava, e fui à Salvador para estudar. As dificuldades de me separar da minha família pela primeira vez começaram a cavar o meu coração, a provocar a exigência de significado, da razão para viver e para estudar. Tudo isso começou a fazer surgir em mim um buraco que só o próprio Infinito poderia preencher. Foi muito importante para mim a amizade com uma menina do cursinho que só fazia rir. Me provocava o fato desta menina só viver a dar risada. Esta alegria de viver me atraiu. Reencontrei o cristianismo assim: no sorriso de uma menina no Sartre, no ano 2000! Ela, da Igreja Batista, muito amiga de outra, católica praticante! O cristianismo acontecia ali, no Sartre! Depois disso, passei por um período confuso, mas alguns meses depois, reencontrei esse mesmo sorriso no rosto de um homem que me acolheu do jeito que eu era, Padre João Carlos, hoje Dom João Carlos Petrini, bispo auxiliar de Salvador!

Comecei a me envolver com os amigos dele que se tornaram meus amigos também: descobri que estes amigos são o rosto do Espírito Santo para mim! Foi Ele que me fez encontrá-lOs, que me fez descobrir a mim mesmo, que re-configurou o meu rosto, que, de um menino atormentado e confuso, fez de mim um homem em paz e cheio de amor (sem pieguice), que, de um menino solitário, fez de mim um homem com amigos no mundo inteiro, que me faz ficar em paz mesmo com os meus erros, porque Ele me perdoa, me faz ficar em paz, porque estou caminhando e Ele nunca me abandona! Ele me é fiel, eu O traio, mas Ele me é fiel! Ele me é fiel porque É fiel a Si mesmo, porque Ele me escolheu, e as Suas escolhas são irrevogáveis! Por isso, Ele nunca vai me abandonar! O encontro aonde quer que eu vá, desde lá nos Estados Unidos, quando me perdi indo parar no meio da Carolina do Norte e Ele me reconduziu à Nova York, e também em Pirambu, no interior de Sergipe, quando vou visitar meu amigo, o padre João.

Seria preciso não um post, mas um livro para dizer tudo o que o Espírito Santo tem feito por mim! Por isso, confio nEle, O amo, O peço e O espero. Como Ele é o maior dom que Deus pode nos dá, todo dia boto o meu joelho no chão e invoco o Espírito Santo, para que Ele encha o meu coração de amor, de alegria, de sabedoria, de fortaleza! Eu sou fraquíssimo, por isso eu peço sempre: "Vem!"

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A capa da Veja e a visita do Papa a Portugal

Dois fatos aparentemente desconexos acontecem durante esta semana: o Papa Bento XVI, extremamente atacado por força dos escândalos de pedofilia no interior da Igreja Católica, está em visita de 4 dias a Portugal, por ocasião da comemoração dos dez anos da beatificação de dois dos três pastorinhos que viram Nossa Senhora em Fátima, em 1917 (Francisco e Jacinta, mortos em 1919 e 1920, pois Lúcia veio a falecer somente em 2005, aos 98 anos). Ao mesmo tempo, porém, a revista Veja, publicação semanal de maior tiragem no Brasil, vem a público mostrar, nada mais nada menos, como é bom ser jovem e gay! É impressionante como ao mesmo tempo que toda a mídia e a sociedade condenam com tanta veemência a pedofilia (que é em si mesma totalmente execrável e condenável, diga-se de passagem), a Veja faz uma apologia totalmente aberta à homossexualidade adolescente, apresentando a tolerância como "sinal de avanço" que, sinceramente, me levou a ficar chocado na segunda-feira, quando li a reportagem.

Quem me conhece sabe muito bem que eu não tenho nenhum problema com quem é ou deixa de ser gay. Esta é uma questão de ordem privada e que envolve os mistérios da profundidade da sexualidade humana. Na minha opinião, a questão central não é essa. O ponto é que existe uma ideologia em nossa sociedade querendo se afirmar a todo custo. Chama-se a ideologia de gênero, filha da ideologia da construção social da realidade, que nega qualquer primado à natureza. Ou seja, para esta ideologia e seus ideólogos e seguidores, qualquer realidade humana (inclusive as que envolvem o corpo, como também a experiência da maternidade), não é um dado ao qual se deve aderir, mas em verdade, seria apenas uma mera construção social na qual deve-se prescindir do dado, podendo-se construir qualquer coisa, tendo como único padrão a ilimitada capacidade da criatividade humana (traduzida como "diversidade" e respeito à mesma no mundo do politicamente correto).

Na nossa época pós-iluminista, evita-se prescindir do dado porque, no fundo, o grande desejo que quem detém o poder é evitar o reconhecimento da dependência original da realidade (porque esta é a única forma de libertar-se do poder constituído: aderir ao real). Evita-se assim, inteligwentemente, perceber o fato mais óbvio que é o fato de que, da mesma forma que não escolhemos simplesmente vir ao mundo, também não escolhemos vir homem ou mulher, isto é um dado. Por mais que existam uma série de complexidades que se insinuam nas profundezas da psiquê e da história humana, não se pode partir para enfrentar o problema prescindindo deste dado original. Porque qualquer solução seria incompleta e portanto, mentirosa, ou seja, ideológica. Outra coisa na qual se vê o dedo, as mãos e os braços do Iluminismo é a insistência das rotulações, na separação entre as pessoas humanas, classificando-as como "homo" ou "heterossexuais", e na transformação daquilo que é uma "atividade" (as práticas sexuais) em uma "identidade" (o caráter, o ser, o eu), como se a pessoa humana se reduzisse àquilo que ela faz. E não é à toa que surgem aí classificações ainda mais "detalhadas": bissexuais, transexuais, assexuais, pansexuais... e a lista não termina! E mesmo os que tentam afirmar-se "hetero" a qualquer custo caem da armadilha da ideologia de gênero e do Iluminismo, pois se você cede aos termos e táticas do adversário, você já compactou com ele, e portanto, a derrota é uma mera questão de tempo.

O Papa hoje é atacado justamente porque, neste mundo pós-iluminista dominado pelas ideologias e pelo relativismo, é talvez, a única voz que emerge para denunciar esta redução do humano que é operada por quem detém o poder: afirma o fato primordial de que, antes de sermos heteros, homos ou qualquer outra classificação exterior, somos "filhos de Deus", criados por Ele, e que o nosso caráter de criatura é evidentemente mostrado pela nossa fragilidade e acima de tudo, pela nossa mortalidade. A nossa própria morte é a maior evidência contra a loucura dos Iluministas, porque a maior prova que nós não nos fazemos é o aparente muro da morte, o qual ninguém quer atravessar. Toda essa desconsideração pela nossa realidade (criatural, frágil e mortal) é fruto do paganismo que pouco a pouco avança, especialmente entre os jovens. Não é à toa que a depressão avança e já atinge 121 milhões de pessoas. Pois a depressão é fruto da perda da esperança, e a perda da esperança é fruto da perda da certeza de algumas grandes coisas, especialmente a certeza de que a vida, apesar de todo o seu drama é boa, e um Pai amoroso nos espera no abraço final que será a nossa morte e a nossa ressurreição.

É a perda de todas estas certezas que está afundando a nossa civilização, está dizimando a Europa, e fazendo as trevas do paganismo retornarem com  força cada vez mais maior. Bento XVI é hoje um verdadeiro farol, que ilumina, aquece, anima e direciona este mundo cada vez mais escuro, frio, desanimado e desnorteado! Me lembro a emoção que tive quando o vi pela primeira vez em São Paulo, em 2007, e desejo com cada vez mais força, vê-lo em 2011, em Madrid, se Deus assim o quiser. Porque ele é o verdadeiro profeta que o próprio Senhor da História nos dá nesta época tão tenebrosa quanto hipócrita! Que possamos escutá-lo e nos converter! Contra a instrumentalização da complexa sexualidade humana perpetrada de forma vil e cínica hoje, a única coisa que podemos fazer é nos converter, olhar o Senhor e pedir a Ele que nos ensine a amar de forma verdadeira!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A presença de Nossa Senhora em Sergipe

Hoje, eu estava na Rodoviária Velha de Aracaju (a que vai para os municípios do interior), pois estava voltando de Pirambu, aonde tinha ido visitar meus amigos, os padres João e Natale. Enquanto estava na rodoviária, ouvi um dos motoristas dos micro-ônibus gritando "Dores! Aparecida! Glória!" O que tudo isso tem a ver? É que são títulos de Nossa Senhora que dão nomes a municípios sergipanos: Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Glória!

A (oni)presença  da doce nazarena em Sergipe é tão forte, tão impressionante, que cada vez mais cresce em mim a certeza: "É Maria que está comigo! Minha mãe não me abandona!" Na própria igreja de Pirambu (dedicada a Nossa Senhora de Lourdes) tem uma imagem gigante de Maria, que é igualzinha a que o meu amigo Vinícius trouxe para mim da França, e que sempre me acompanha: a imagem de Lourdes, mãe dos doentes! E quem não sofre a doença do pecado, que nos incha e nos azeda? Mas a força e a proteção concretíssima de Maria em minha vida é mais forte do que qualquer fraqueza minha, do que qualquer medo, qualquer incoerência!

Outro fato que me marcou muito foi, na época do dia de São José (também muito venerado na capital sergipana), tinha uma novena no meio da rua, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição! Eu fiquei muito impressionado e pensei: "Meu Deus! Que povo é esse?" De fato, a Virgem Maria é o coração e a força do povo sergipano, do povo que sofre, do povo que peleja, como se fala aqui. Não é à toa que a devoção à Nossa Senhora das Dores é onipresente neste estado. Aonde quer que se vá, em qualquer igreja, está presente a imagem de Maria Dolorosa! O povo se identifica com as dores de Maria, ou, como disse o padre João "A experiência que mais une as pessoas é a dor, seja ela física, psíquica ou moral!"

Outro fato impressionante é a presença do único santuário da América Latina dedicado à Divina Pastora, no município homônimo (ao qual ainda quero ir para agradecer à Divina Pastora a predileção que ela tem por mim, seu indigno filho), que é uma devoção espanhola que nas Américas tem um único santuário em Sergipe.

Nossa Senhora é sinal da inteligência do povo sergipano. Maria de Nazaré é mais sergipana do que eu, mais humana do que eu, e eu fico muito grato por reconhecer a sua presença concreta em minha vida aqui no estado de Sergipe. Ou como diz Dom Giussani:

"A genialidade do cristianismo está na fidelidade com que é percebida a figura de Nossa Senhora; é aí que o método que Deus usou para salvar o mundo fica claro. A maior das categoria do método usado por Deus na história para com o homem é a escolha gratuita, a eleição. Do ponto de vista humano, nunca, como em Maria, essa gratuidade se manifestou em sua soberania absoluta. O fato de termos sido escolhidos é o sinal da liberdade absoluta de Deus. Em segundo lugar, Maria é a mãe do mundo novo, e por isso o mundo novo é feito por seu tipo moral, espiritual e físico, é feito d’Ela. Temos acesso ao milagre da libertação do homem e do sentido do cosmo e da história graças ao fiat de Maria. O desígnio de Deus quis ficar suspenso à mercê desse sim, pronunciado pela liberdade de Maria. Maria, enfim, é o paradigma total da vida cristã. Cristo é tudo, mas é d’Ela que nasce no mundo. O mesmo se dá conosco: tudo é dado pela força do Verbo que se fez homem, mas fisicamente é por intermédio de nós que Cristo se manifesta no mundo. A disponibilidade total a essa manifestação procede de uma única palavra: memória. Viver a memória do encontro com Ele para viver a disponibilidade a reconhecê-Lo de novo em todos os dias da vida. E quem é que vivia na memória dessa presença mais que Maria?" (Entrevista com Dom Giussani realizada em maio de 1979 para o semanário Il Sabato, que a publicou na edição nº 20, de 19/5/1979)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Scorsese, di Caprio e a crise do humano


Martin Scorsese e Leonardo di Caprio

A verdadeira crise da nossa época é a crise do humano, a crise do homem. Manifestações como a depressão, o transtorno bipolar, esquizofrenia, somado ao aumento do número de mortes por suicídios revelam que algo não vai bem! Nós perdemos o gosto de viver!

Por quê? Porque para muitos, como proclamou Sarte há cinquenta anos, a vida tornou-se absurda. Sartre é o verdadeiro profeta do nada, tachou a vida como uma paixão inútil, absurda, pode-se dizer assim. É claro que as pessoas mais inteligentes não poderiam gostar da vida. Seria preciso, num caso desses, ser bobo, para se amar a vida, se ela fosse o que este filósofo diz que ela é. Refugiaríamo-nos então, na lenta solidão, como o animal ferido, que afasta-se do bando, para sofrer lentamente a morte, ou então, em algumas formas patológicas, que nada mais são do que uma crise no relacionamento com o real, e cujo único "tratamento" só pode ser abraçar o real, sem censuras e sem limites.

Mas como? Esta é a pergunta fundamental! Como abraçar um real que me parece nocivo? Que me parece absurdo? Que parece ser contra mim, em última instância?

Por isso eu gosto tanto da música Imitation of Life. Porque ela descreve exatamente o niilismo contemporâneo, que não é a vida, mas uma versão pálida da mesma, e que pessoas inteligentes não podem tolerar!

Mas a vida existe! A vida humana existe! A minha vida existe! Só de pensar que toda a equação cósmica concorre para a existência da minha vida, da minha consciência, do meu eu me enche de comoção, de gratidão ao Mistério pela existência, pelo ser, pela vida! Que eu exista, e que seja maior do que todo o cosmos é uma coisa impressionante! E que cada vez mais se perde na consciência dos nossos irmãos homens!

Ao invés de olhar para o eu, as pessoas se perdem em inúmeras outras coisas, que estas sim, são inúteis. Que adianta eu fazer com que Dilma Rousseff perca a eleição, e depois, por fim, eu acabar perdendo a mim mesmo nisso tudo? Quem sou eu, e o que é que esta eleição tem a ver comigo? Quem sou eu, e o que é tudo? Esta é de todas, a pergunta mais importante: quem sou eu, e o que é tudo? Ou como diria Camus "o sentido da vida é a mais urgente das questões!"

Porque o nosso mundo pode ser tirado de uma hora para outra, e nós, nisso aí, perdermos o nosso nexo com o real, que é "o nosso íntimo sustento", como diz a filósofa espanhola Maria Zambrano.

O filme de Martin Scorsese, "Ilha do Medo", mostra exatamente isso, a perda do nexo com o real, e as suas terríveis consequências: mostra a história de um jovem policial que participou da Segunda Guerra Mundial, que viu o horror do absurdo nazista, o horror do que nós humanos somos absurdamente capazes (sim, porque o que a tradição cristã chama de "demônio", os modernos chamam de "absurdo". É uma abstratização, mas no fundo, é a mesma coisa, porque como disse o papa Bento XVI, o mal não é lógico, é absurdo. "Absurdo" é o nome moderno para "Demônio"!), e por fim, viu a própria esposa, vítima de transtorno bipolar não-tratado (como ele mesmo confessa que não buscou ajuda para ela), matar afogados os próprios filhos.

Estar diante do Mal não é algo fácil. Somos muito frágeis diante do Mal, do nosso, e do mal que encontramos fora de nós, e nas outras pessoas. Porque somos exigência profundíssima de sentido, de significado, e o mal é exatamente a negação descarada e sem vergonha disso tudo, simplesmente absurdo. Só mesmo Aquele é a Origem e o Sentido de tudo poderia enfrentar cara-a-cara o próprio Absurdo: o Demônio e as suas absurdas tentações no deserto. Só mesmo o Sentido de tudo poderia enfrentar a absurda condenação da Cruz, loucura e escândalo tanto para judeus como para pagãos.

Só este se encontramos este Sentido é que poderemos resistir, ficar de pé! O filme de Martin Scorsese é uma tragédia. Porque é uma ilha sem saída. Não há como dela sair. A única saída seria a morte. Mas a nós é dada uma outra possibilidade. A vida se torna assim, não uma tragédia, mas um drama. Torna-se a possibilidade de responder a um Outro que vem ao nosso encontro. Porque no nosso mar de desespero, no nosso vale de lágrimas, pulou como que um "salva-vidas" para nos salvar. Alguém, mais poderoso do que a própria morte, do que todo o niilismo, do que todo absurdo, entrou na nossa história, para dizer que não é a loucura, a depressão, a esquizofenia, o suicídio ou a morte a última palavra, mas um olhar amoroso. "Não há amor maior do o dAquele que dá a vida por seus amigos. Vocês são meus amigos!", diz o Sentido...

Pensar que o Criador de toda ordem cósmica tem essa ternura por sua criatura ferida pelo Mal, próprio e dos outros é uma coisa impressionante! Mas impressionante ainda é perceber os efeitos dessa ternura. Vejo isso em mim mesmo, em inúmeros amigos, e reconheci isso de forma estupenda no abraço que recebi de Vicky, ugandense que estava para morrer de AIDS, salva da tragédia por um olhar amoroso.

A última palavra da história não é a tragédia brilhante (bela, mas niilista) de Martin Scorsese, mas é esse olhar novo que entrou na história do mundo, e que pede para entrar na história de cada um em particular. A questão fundamental é somente uma para quem foi atingido por esse olhar: resistir ou ceder a esse olhar! A Tradição cristã tem nomes bem conhecidos para essa resistência ou esse ceder: "Inferno", ou "Paraíso"!

terça-feira, 16 de março de 2010

Hoje na sala-de-aula


Cão vira-lata

Hoje comecei um trabalho pessoal impulsionado por minha grande amiga Ana Tereza: levantar, e ao começar do dia me perguntar "como posso te agradar hoje, Senhor?", e ao fim do dia tentar lembrar-me qual foi a vitória de Cristo.

Bem, o dia ainda não terminou, mas me dou conta de que já o agradei pelo menos uma vez, e de que Ele já venceu.

A primeira vitória foi numa aula hoje de manhã, na disciplina teórica (Teoria das Organizações). É uma disciplina teórica e difícil para os alunos de Administração, e ontem teve um pé-de-guerra na aula. Saí da sala me perguntando "como iria ajudar esses meninos a entender?", pensei isso porque nas outras turmas não havia discussão alguma.

A tarde se passou, chegou a noite, e nada! Fui ao shopping Jardins! Lá na livraria Escoriz estava a solução. Fui lá atrás de uma agenda, mas vi a capa da revista National Geographic com um cão vira-lata mais ou menos assim "Como o cão vira-lata moldou a cultura brasileira". E me pus a ler. Na matéria, entre outras coisas, se dizia que depois da descoberta do fogo, o fato que mais influenciou os rumos da humanidade foi a domesticação do cachorro.

Ali se falava da evolução do vira-lata: enquanto os cães de raça são protegidos e se tornam cada vez mais frágeis, os vira-latas expostos ao meio-ambiente evoluem, se tornam mais resistentes, com imunidade mais forte e mais inteligente (eu mesmo já vi um cão atravessar a rua olhando para os dois lados e atravessando na faixa!)

Isso caiu como uma luva para mim que iria falar da teoria da ecologia populacional (teoria americana de 1977, que afirma que não adianta administrar, porque as melhores empresas serão automaticamente selecionada pelo ambiente, é considerada anti-administrativa, no seu lugar vigora até hoje a teoria da contingência que afirma que não há uma melhor forma de administrar, porque a decisão a ser tomada vai depender muito do meio ambiente). Usei o cão vira-lata como exemplo para falar de evolução e ecologia.

Para completar, ainda aproveitei para falar de empreendedorismo usando os cães, falando por exemplo sobre a importância do ambiente cultural para a tomada de decisão. o exemplo? O número de cães cresce, por isso abrem-se novas oportunidades de mercado, como por exemplo, os hotéis e as colônias-de-férias para cães juntamente com os motéis e os bordéis para esses bichos. Quando eu falei em "bordel para cães", a turma inteira riu e eu pensei "conquistei a turma!" Criso realmente é "o cara" me botando na frente daquela revista e me fazendo lê-la! É impressioannte como Ele nos conhece e como é terno!

Me agradou muito depois da aula responder a outra grande amiga, Ariane, que me pediu para pôr uns textos no site do Instituto da Família. Eu pus prontamente e fiquei muito contente. É para agradar a Cristo! Que impressionante! Como nos diz o grande Dom Giuss, a felicidade é mesmo seguir um Outro, que nos conhece e nos ama!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A vivacidade do meu coração

Hoje eu quero escrever, porque hoje eu acordei cedo e disposto. Há um bom tempo eu não sei o que é isso! Que coisa maravilhosa acordar, comer, sentir o dia e vir assistir a Missa na Catedral de Aracaju, que fica a dez minutos a pé da minha casa! Que coisa realmente maravilhosa! Mais maravilhoso ainda é o meu coração, e ainda mais Julián Carrón, que tem me ajudado a descobrir a mim mesmo!

Por que a realidade - o Senhor Jesus - me trouxe a Aracaju? Por que me macerou nos primeiros dias? Por que moeu-me nos primeiros dias nos quais eu estive aqui, nos quais eu não queria levantar, só dormir, não queria sair de casa, não tinha ânimo para nada, e só fui ver Camilo a pedido do padre Julián de la Morena?

A resposta começa a vir aos poucos, me observando dentro do real. A realidade me trouxe aqui para que eu pudesse conhecer a mim mesmo e conhecer a Cristo. Agradeço a Carrón, pois ele me fez entender que os sintomas que experimentei, que muitos identificariam com ansiedade, pânico e depressão, na verdade são sinais do meu coração, do meu coração, vivo, das minhas exigências, sendo que a mais forte que pulsou nestes últimos dias foi a exigência de significado.

Qual a razão de tudo isso? Por que o Senhor me faz rodar feito um pião, muitas vezes para cima e para baixo? Por que dilacera-me todo inteiro? Por que deixou-me dias inteiros numa secura total, sem nenhum consolo?

O Senhor me respondeu com um fato: a presença de meus amigos, Ariane e Marcelo, Milena e Ramon, hospedados no mesmo lugar que eu, de maneira totalmente inesperada, além da vinda de Ricardo e Karla, a mim não significa outra coisa que o abraço concreto de Cristo, o Mistério que me abraça por meio de uma amizade. O que me corresponde, o que eu desejo de verdade é esta amizade que me veicula o divino, uma amizade na qual Deus está dentro.

Ver também mais onze amigos aqui (Otoney e Miriam, mais Silvana e André com suas famílias mais o padre Ignazio), para estar juntos com outros amigos de Aracaju durante o Carnaval, numa unidade impensável e imprevisível é uma coisa extraordinária! Ter um padre do Movimento a 30 km de Aracaju também é uma coisa do outro mundo. Uma amizade como essa não é gerada por nós, só pode ser dom de um Outro, que nos ama loucamente!

A pergunta que emerge só pode ser: "Quem és Tu, ó Cristo, que preenches o desejo do nosso coração dessa forma, tão intensa e impensada? Quem és Tu que me atrais, que me fascinas, que me seduz desta forma?"

Reconhecer o abraço de Cristo me deixa livre na realidade. Quando "estou só", não estou só, há um Tu que me acompanha, enigmático, misterioso, mas existente, presente! Cristo existe mesmo, ressuscitou, está vivo, não é uma devota lembrança e nem um conto da carochinha, e que além de tudo, enche o meu coração de uma correspondência infinita! Entendo que tudo o que vem acontecendo, não é senão uma construção, é o "Tu-que-me-fazes" não como discurso, mas como fato, e que, se Ele me mói por dentro, é para purificar-me, burilar-me, Ele não quer para Si uma pedra bruta, mas lapidada.

Uma outra coisa que me chama atenção, mais uma vez, é Nossa Senhora! Estou morando a cinco minutos a pé da Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. Sempre pude contar com o seu auxílio nos momentos mais difíceis da minha vida, especialmente quando recorrer a ela era a única alternativa que eu tinha ao desespero ou a coisa pior. Mas ainda existe uma outra coisa: nesta igreja, há uma imagem branca de Maria no alto. Isto me lembra minha infância no interior da Bahia, pois eu morava no bairro da Conceição. Minha mãe não frequentava a igreja, mas quando eu ia cortar o cabelo, que era bem perto da igreja, me chamava a atenção a estátua branca de uma mulher no alto, que eu não conhecia, não sabia que era Nossa Senhora... Eu só me perguntava: "Quem é esta? O que é isto?" Anos depois, eu descobri, e hoje me recordo disto todas as vezes que vejo a imagem de Nossa Senhora no alto, quase todos os dias. A ternura do Mistério comigo chega a esse nível!...

"Quem é esta? E quem sou eu? Quem és Tu, ó Mistério? Quem és Tu, que perturba o meu coração desta forma, mostrando o quão vivo ele é?"

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A palavra mais bonita de todas

Qual é a palavra mais bonita que possa existir? É a palavra "graça".
Nós só não nos damos conta disso porque somos educados numa mentalidade desumana, ou pior, inumana, que é o racionalismo positivista da nossa era moderna. Por isso, Luigi Giussani define o positivismo como a "abolição total do humano".
Mas o que seria o "humano"? O que nos define como "homens"? É a capacidade de alcançar o significado. São os animais que vivem no mundo do índice, no mundo daquilo que aparece. O positivismo não é apenas uma mera redução do humano, mas a sua abolição total, porque o positivismo é a redução de tudo o que existe à aparência, àquilo que emerge como epifenômeno. O resultado é que as pessoas hoje são extremamente superficiais, e não conseguem fazer o percurso da razão, do sinal ao seu significado, da vida ao seu sentido. Não é a vida que torna-se absurda, nós é que nos tornamos, por força do positivismo, incapazes de reconhecer o seu sentido e a sua meta.
A palavra que desaparece no meio de toda confusão que é a época moderna é a palavra "graça". Eu penso que esta é a palavra mais bonita que possa existir não por um pieguismo, mas por um realismo. Tudo o que temos, a nossa vida, em primeiro lugar, nosso corpo, nossos pais e eventuais irmãos e amigos, nossa inteligência e sensibilidade, os encontros que fazemos, tudo o que aprendemos e somos não é produzido por nós, como o positivismo irrealisticamente tenta nos mostrar, nem é uma conquista, mas nos é dado, nos é oferecido, inclusive mesmo a saúde. Nascemos, encontramo-nos no ser, temos consciência e desejos infinitos, tudo isso não é obra nossa. São realidades que encontramos, mas não as demos a nós. São graça, dom. De quem? Do Ser, no qual tudo encontra sua consistência. O píncaro desta consciência nos é evidenciado pelo Apóstolo Paulo: "N'Ele [No Ser], vivemos, existimos e somos".
O que mais me impressiona é que isto ainda não é uma questão de fé. É uma questão de uso da inteligência. O reconhecimento da absoluta gratuidade do Ser para conosco é um problema de inteligência, de uso da razão, não de fé, ainda. "O mal [que é justamente o não-reconhecimento desta dependência original do Ser] é ilógico", diz Bento XVI, porque é incoerente com o reto uso da razão.
Numa sociedade na qual as pessoas não se reconhecem como graça, como um dom do Ser, que Se doa a nós para nos conduzir à felicidade, a primeira coisa que desaparece é a gratuidade. Esta é a marca de uma sociedade burguesa: a ausência total da gratuidade, do dom. É uma sociedade marcada pelo arbítrio, pelo cálculo, pela desconfiança, pelo isolamento e pela construção de cercas cada vez mais amplas.
A única saída para tal situação é o alargamento da razão, a explosão da prisão do positivismo, a re-emergência do humano, no qual a vida e a realidade possam ser reconhecidas por aquilo que efetivamente são: caminho rumo a um destino de felicidade e de paz. Somente com o reconhecimento do mundo como um grande sinal, é que é possível o soerguimento do humano.