sexta-feira, 26 de março de 2010

Scorsese, di Caprio e a crise do humano


Martin Scorsese e Leonardo di Caprio

A verdadeira crise da nossa época é a crise do humano, a crise do homem. Manifestações como a depressão, o transtorno bipolar, esquizofrenia, somado ao aumento do número de mortes por suicídios revelam que algo não vai bem! Nós perdemos o gosto de viver!

Por quê? Porque para muitos, como proclamou Sarte há cinquenta anos, a vida tornou-se absurda. Sartre é o verdadeiro profeta do nada, tachou a vida como uma paixão inútil, absurda, pode-se dizer assim. É claro que as pessoas mais inteligentes não poderiam gostar da vida. Seria preciso, num caso desses, ser bobo, para se amar a vida, se ela fosse o que este filósofo diz que ela é. Refugiaríamo-nos então, na lenta solidão, como o animal ferido, que afasta-se do bando, para sofrer lentamente a morte, ou então, em algumas formas patológicas, que nada mais são do que uma crise no relacionamento com o real, e cujo único "tratamento" só pode ser abraçar o real, sem censuras e sem limites.

Mas como? Esta é a pergunta fundamental! Como abraçar um real que me parece nocivo? Que me parece absurdo? Que parece ser contra mim, em última instância?

Por isso eu gosto tanto da música Imitation of Life. Porque ela descreve exatamente o niilismo contemporâneo, que não é a vida, mas uma versão pálida da mesma, e que pessoas inteligentes não podem tolerar!

Mas a vida existe! A vida humana existe! A minha vida existe! Só de pensar que toda a equação cósmica concorre para a existência da minha vida, da minha consciência, do meu eu me enche de comoção, de gratidão ao Mistério pela existência, pelo ser, pela vida! Que eu exista, e que seja maior do que todo o cosmos é uma coisa impressionante! E que cada vez mais se perde na consciência dos nossos irmãos homens!

Ao invés de olhar para o eu, as pessoas se perdem em inúmeras outras coisas, que estas sim, são inúteis. Que adianta eu fazer com que Dilma Rousseff perca a eleição, e depois, por fim, eu acabar perdendo a mim mesmo nisso tudo? Quem sou eu, e o que é que esta eleição tem a ver comigo? Quem sou eu, e o que é tudo? Esta é de todas, a pergunta mais importante: quem sou eu, e o que é tudo? Ou como diria Camus "o sentido da vida é a mais urgente das questões!"

Porque o nosso mundo pode ser tirado de uma hora para outra, e nós, nisso aí, perdermos o nosso nexo com o real, que é "o nosso íntimo sustento", como diz a filósofa espanhola Maria Zambrano.

O filme de Martin Scorsese, "Ilha do Medo", mostra exatamente isso, a perda do nexo com o real, e as suas terríveis consequências: mostra a história de um jovem policial que participou da Segunda Guerra Mundial, que viu o horror do absurdo nazista, o horror do que nós humanos somos absurdamente capazes (sim, porque o que a tradição cristã chama de "demônio", os modernos chamam de "absurdo". É uma abstratização, mas no fundo, é a mesma coisa, porque como disse o papa Bento XVI, o mal não é lógico, é absurdo. "Absurdo" é o nome moderno para "Demônio"!), e por fim, viu a própria esposa, vítima de transtorno bipolar não-tratado (como ele mesmo confessa que não buscou ajuda para ela), matar afogados os próprios filhos.

Estar diante do Mal não é algo fácil. Somos muito frágeis diante do Mal, do nosso, e do mal que encontramos fora de nós, e nas outras pessoas. Porque somos exigência profundíssima de sentido, de significado, e o mal é exatamente a negação descarada e sem vergonha disso tudo, simplesmente absurdo. Só mesmo Aquele é a Origem e o Sentido de tudo poderia enfrentar cara-a-cara o próprio Absurdo: o Demônio e as suas absurdas tentações no deserto. Só mesmo o Sentido de tudo poderia enfrentar a absurda condenação da Cruz, loucura e escândalo tanto para judeus como para pagãos.

Só este se encontramos este Sentido é que poderemos resistir, ficar de pé! O filme de Martin Scorsese é uma tragédia. Porque é uma ilha sem saída. Não há como dela sair. A única saída seria a morte. Mas a nós é dada uma outra possibilidade. A vida se torna assim, não uma tragédia, mas um drama. Torna-se a possibilidade de responder a um Outro que vem ao nosso encontro. Porque no nosso mar de desespero, no nosso vale de lágrimas, pulou como que um "salva-vidas" para nos salvar. Alguém, mais poderoso do que a própria morte, do que todo o niilismo, do que todo absurdo, entrou na nossa história, para dizer que não é a loucura, a depressão, a esquizofenia, o suicídio ou a morte a última palavra, mas um olhar amoroso. "Não há amor maior do o dAquele que dá a vida por seus amigos. Vocês são meus amigos!", diz o Sentido...

Pensar que o Criador de toda ordem cósmica tem essa ternura por sua criatura ferida pelo Mal, próprio e dos outros é uma coisa impressionante! Mas impressionante ainda é perceber os efeitos dessa ternura. Vejo isso em mim mesmo, em inúmeros amigos, e reconheci isso de forma estupenda no abraço que recebi de Vicky, ugandense que estava para morrer de AIDS, salva da tragédia por um olhar amoroso.

A última palavra da história não é a tragédia brilhante (bela, mas niilista) de Martin Scorsese, mas é esse olhar novo que entrou na história do mundo, e que pede para entrar na história de cada um em particular. A questão fundamental é somente uma para quem foi atingido por esse olhar: resistir ou ceder a esse olhar! A Tradição cristã tem nomes bem conhecidos para essa resistência ou esse ceder: "Inferno", ou "Paraíso"!

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