sábado, 14 de agosto de 2010

"A Origem" - Inception

Marion Cottilard

Quem é o pós-moderno? Sinteticamente, eu poderia dizer assim: é aquele que está em guerra com a realidade. Quem quiser deixar de ser pós-moderno, vencer a pós-modernidade, a primeira coisa que deve fazer é acertar contas com a realidade. Muitas vezes, a gente brinca, mas a guerra contra a realidade avança a passos largos, e nós nem sequer nos damos conta, porque estamos quase que completamente imersos nela.

Para as pessoas deste nosso tempo, a realidade já não é algo bom que nos atrai, pelo contrário, é uma inimiga que nos dá medo! Temos medo de tudo, um medo difuso e confuso, um medo de viver, porque para nós, além do fato de percebermos a realidade ser inimiga, percebemos a vida como absurda, vazia e sem-sentido!

Um dos filmes que retratam isso é "A Origem" (na verdade "Inception" - Início, na tradução literal), estrelado por Leonardo di Caprio, homem que guarda seus afetos em pesadelos (representada por sua mulher morta, que atende pelo nome de "Mal"). A ideia principal do filme  é a de que é possível manipular o inconsciente do ser humano a partir de uma muito bem elaborada técnica que introduz uma ideia em qualquer pessoa a partir de seu sonho. Isto é tecnicamente o que é a realidade para a pós-modernidade: um mero conjunto de textos e intertextos, como afirma o filósofo Jacques Derrida, que podemos alternar, desconstruir e construir a nosso bel-prazer sem pagar nada por isso.

A Origem é uma crítica sutil e severa às ideologias e as ilusões nossas de cada dia. Porque as ideologias, durante muito tempo, mobilizaram e fizeram convergir as energias de muitas pessoas em vista de um ideal comum, de paz, e de bem. Com o passar do tempo, todas as ideologias falharam, uma a uma. Ruíram. Agora estamos numa época sem ideologias, sem utopias, e portanto, sem ideais. Um tempo apático. Gélido. Mórbido. Frio. Desesperado. Cínico. Violento. Porque para todos, a realidade seria então, inimiga, suscitando desejos em nós que não consegue realizar, nos obrigando, para viver a achatar este nosso desejo em banalidade ou cinismo. A coisa mais inteligente a fazer seria ser estúpido, se distraindo continuamente, ou se refugiando em ilusões.

Hoje, os jovens já não sabem mais responder à pergunta: "Para que eu vivo?" Tudo ao nosso redor é banalidade, e cinismo, e não é difícil, diante de todo este quadro, ser pessimista, como o brilhante, agudo e perspicaz filósofo polonês Zygmunt Bauman. Só se você encontra uma novidade dentro do caos pós-moderno é que pode haver alguma esperança. por isso que no filme Inception é impressionante a figura do totem: um pequeno objeto que te garante se você está na realidade mesmo ou em um sonho. O totem representa a ligação com o real por meio das coisas e também o fato de que, para viver minimamente de forma digna, é preciso romper a incerteza pós-moderna, e ser certo de pelo menos algumas grandes coisas na vida. O totem é o nexo com o real. Essas poucas grandes coisas podem ser a nossa salvação, o nosso nexo com a realidade, que é provado pelo fato de trabalharmos. O trabalho é a prova de que estamos empenhados na realidade, porque os alienados, os loucos, aqueles que estão separados do nexo com o real, não conseguem trabalhar, não conseguem construir. André Malraux dizia que ninguém hoje quer se empenhar com nada, porque de tudo se sabe a mentira, nós que não sabemos o que é a verdade. E, neste mundo povoado de gente que busca ilusões, é possível ainda se fazer a pergunta: o que é a verdade? É possível ainda deixar emergir essa profunda exigência do nosso coração neste período relativista, caótico, instável, inseguro, e solitário?

A verdade, a única que derrota "por dentro" a pós-modernidade niilista que tem como porta-estandarte de si mesma a Lady Gaga é que eu fui e sou amado. Esta é a verdade. Encontro, dentro da realidade, desta loucura imensa, um olhar que me ama e me abraça do jeito que eu sou, que aposta em mim. Mais ainda: encontro espaços onde esta é a lógica que domina, onde existem pessoas que vivem assim: amando-se umas às outras. Esta é a verdade, não somente porque existe objetivamente, mas porque corresponde aos desejos mais profundos do coração.

Para vencer esta nossa época, e emergir acima da ruína, certo de algumas grandes coisas na vida, só existe um método: aceitar esse olhar amoroso, usar da própria vida para mudar o mundo, torná-lo melhor, mais humano, mais habitável, fazer com que cresçam estes espaços onde existem verdadeiras amizades, humanidade genuína, onde se reconhece que "a coisa mais importante da vida é um amigo", que não é necessário se refugiar em ilusões, porque a realidade não é inimiga, e que existe aquilo que o nosso coração deseja em sua profundidade. Inception é um alerta e um grito muito inteligente, um grito pela realidade. Mas só é possível viver assim quem foi atingido por um olhar amoroso, quem fez um encontro com uma humanidade nova e correspondente ao próprio coração. Esta é a grande novidade neste mundo frio, de trevas e confusão, e que derrota a pós-modernidade, a partir de dentro dela mesma!