domingo, 20 de março de 2011

O homem sem poder se chama "eu"

Há alguns dias, eu me choquei quando encontrei um velho texto de Dom Giussani (de 1987!), quando ele diz bem assim: "o homem sem poder se chama 'eu'". O "eu" é nada mais é que o homem sem poder, o homem puro, do qual São José, comemorado ontem, talvez seja a figura mais evidente juntamente com Maria de Nazaré. O homem sem poder é o anawins, o pobre de espírito, aqueles que não tem nada para defender, senão a si mesmo, senão a sua própria realidade, e a realidade do Mistério que o cerca (percepção esta que a pós-modernidade quer destruir a todo custo, reduzindo o Todo a uma Maya, a uma grand eilusão, uma Matrix...)

Dom Giussani, no texto, conta o episódio do encontro com um mendigo que estava pedindo esmola para ir a uma cidade, e ele perguntou ao mendigo o que ele iria fazer quando chegasse na dita cidade; o mendigo disse "voltar para cá, para esta mesma cidade". e contou que o mendigo passava a sua vida a caminhar de uma cidade para a outra, indo e vindo, sem parar.

Dom Giussani citou O Peregrino Russo, e disse que existem algumas pessoas que são como este mendigo, são como o anônimo peregrino russo, que conta no livro a sua história de caminhada pela imensa planície das Rússias (a Branca, a Pequena e a Grande) de um leigo jovem de 33 anos. Dom Giussani diz que, algumas pessoas são como este mendigo, como o peregrino russo: elas não entram em mosteiros ou conventos, mas passam 30, 40 anos a caminhar, a pedir... porque a verdadeira condição, a ontologia do homem é a mendicância, o pedido. Eu sou necessidade. Em filosofia, se diria: sou contingência.

Confesso que quando eu li que "o homem sem poder se chama 'eu", aquilo se cravou em mim de alto a baixo. Quem é o homem sem poder se não eu mesmo? Quando penso em Obama e Kadafi e ainda em Hillary Clinton ou em Dilma Rousseff, eu me dou conta de que eu não possuo nada, nem a mim mesmo, porque a realidade da morte vem me tirar a última ilusão de que eu ainda posso possuir a mim mesmo, pelo menos! "Quem sou eu?". Esta é a pergunta que se instaura na minha pessoa, diante de uma frase destas. Quem sou eu, que se comove com a guerra civil na Líbia, com a tsunami e o acidente nuclear no Japão, com a catástrofe de Petrópolis? Ou ainda que vê poesia num cão que não abandona o seu amigo ferido no Japão? Quem sou eu? Sou como Abraão, homem sem poder, anawim, pobre! Em caminho! A pós-modernidade quer me destruir, mas "eu" existo. Sou relação com o Infinito, e caminho sendo esta relação. Desse meu reconhecimento nasce a minha história. Da mesma forma como a História nasceu com Abraão, a minha história nasce assim: sou um homem sem poder, não tenho as ilusões dos poderes mundanos. Sem estas ilusões, resta-me a grande realidade: eu mesmo e o Mistério que me cerca.