Estamos num deserto. Tiros são disparados contra crianças inocentes numa cidade americana, 28 pessoas morrem. Por alguns instantes somos tirados de nosso torpor habitual, até voltarmos a ele novamente. Me surpreende que alguém atribua o acontecido a um "maluco", como se a simples loucura pudesse explicar o fato. A loucura poderia ser uma explicação se este fato fosse isolado, mas chacinas em escolas americanas perpetradas por jovens têm sido uma constante nos últimos anos, o que é sinal de uma coisa mais do que o mero acaso da loucura.
Buscar explicações a nível sociológico como fez Michael Moore, no filme Tiros em Columbine, no qual ele atribui essa violência à excessiva exposição dos americanos à propaganda sobre armas não basta. A meu ver, a única explicação para esta tragédia é uma explicação a nível civilizacional. Nossa crise é uma crise de civilização. É a nossa civilização ocidental que está em crise, é o sujeito humano gerado por esta civilização que está em crise.
Nós damos por óbvio o valor da dignidade humana hoje, mas o primeiro povo no qual a pessoa humana passou a ter um valor foi o povo hebreu. É comovente ler a Sagrada Escritura e perceber que nela não existe nem um resquício dos sacrifícios humanos cruentos, presentes em todas as civilizações pagãs. Pelo contrário, a Bíblia começa com o Anjo de Deus parando Abraão que iria sacrificar o seu filho em imolação a Deus. Em seu lugar, é sacrificada uma ovelha. Todo o Antigo Testamento é uma condenação contínua do homicídio, do infanticídio e dos sacrifícios humanos. Inúmeras vezes, Deus se lamenta porque parte do Seu povo ainda vai oferecer seus filhos queimados em sacrifício ao deus Moloc. A plenitude dessa valorização do humano acontece em Cristo, e hoje, a vida humana em si mesma é reconhecida como sagrada, inviolável, inalienável em si mesma, única, irrepetível. Esta é uma conquista da nossa civilização.
Tal como as invasões bárbaras que foram acontecendo sucessivamente em meio à fragilização contínua do Império que garantia a continuidade da civilização, vemos hoje a todos os lados, o ataque à nossa civilização. A evidência maior disso é o ódio generalizado contra o papa Bento XVI. O ódio ao papa nada mais é do que o ódio a Cristo, pois o papa não faz alusão a outra coisa que não seja o próprio Jesus de Nazaré e a tudo o que veio dele.
O rapaz que deu os tiros em Newtown, Connecticut não é apenas um louco, é alguém para o qual a vida não vale nada, não significa nada, nem a vida dele, nem a de sua mãe, e muito menos a vida daquelas crianças e de suas famílias. É o niilismo nu e cru, em ato, pois esta é a consequência mais lógica desta postura diante da realidade. "O coração do Inferno é feito de gelo", dizia Dante (Inferno, XXXIV). A única possibilidade de fazer frente a isso é o nosso coração que clama diante de um fato como esses. Se o coração se rebela, é porque está vivo e ainda há esperança. Há muito mais entre o céu e a terra do que nos promete o nosso niilismo pós-moderno.
Temos de defender, no meio de toda esta crise, a nação americana, porque hoje é a nação americana que carrega a civilização ocidental. A nação americana, apesar de toda propaganda contra ela é boa, dissemina ainda hoje, a ideia do valor da dignidade da pessoa humana, em meio ao niilismo que vem da Europa. O filósofo francês Alexis de Tocqueville, nobre na França pós-queda da Bastilha, foi em viagem no século XIX à América entender como lá acontecia a democracia (enquanto a França se degladiava em lutas intestinas intermináveis). Chegou à seguinte conclusão:
"Procurei a chave para a grandeza da América nos seus
portos ..., nos seus campos férteis e florestas sem fim, nas suas minas ricas e
vasto comércio mundial, no seu sistema de ensino público e instituições de
ensino. Busquei-o no seu Congresso democrático e na sua Constituição
incomparável. Não foi antes de eu ter ido às igrejas da América e ouvido os
seus púlpitos inflamados com a justiça que eu entendi o segredo do seu gênio e
poder. A América é grande, porque a América é boa, e se a América alguma vez
deixar de ser boa, a América deixará de ser grande."