Fui golpeado pela notícia da tragédia em Santa
Maria (RS), a qual fiquei acompanhando as notícias o tempo todo ontem. Hoje,
tive dois pesadelos, inclusive nos sonhos eu estava em Porto Alegre. As cenas
de horror, de desespero, mães chorando, a presidenta Dilma, "gente jovem
reunida", como canta Elis Regina. Tudo isso revirou em minha cabeça, e do
profundo de mim emergia um grito: "por quê?", "que
significado tem tudo isso?". É verdade que o grito sobre a última palavra sobre
a realidade ecoou também, mas antes deste ecoou o grito: "qual é o
significado da nossa vida? Da minha vida?" A vertigem tomou conta de mim. É impressionante o realismo e a concretude da Bíblia: "Os dias do homem são semelhantes à erva, ele
floresce como a flor dos campos. Apenas sopra o vento, já não existe, e nem se conhece mais o seu
lugar." (Salmo 103:15-16)
Esta tragédia me introduziu esta vertigem, e me
introduziu no mistério que é a realidade. Me ajudou a me dar conta de que estou
vivo, existo e esta vida não é óbvia e nem mesmo a mereço. Muita gente agora vai
procurar os culpados, saber de quem foram os erros, que leis mais rígidas devem
ser editadas para evitar novas tragédias como estas, dentre tantas outras
medidas. Tudo isso é muito importante, mas não dá uma resposta específica às
vidas daquelas pessoas e nem mesmo às famílias delas. Quem fará justiça às
pessoas que morreram intoxicadas por fumaça tóxica vítimas da sucessão de erros
de uma série de pessoas? Simplesmente condenar os culpados e editar novas leis
é uma justiça que faremos a nós mesmos, e na melhor das hipóteses, às famílias das vítimas. Quem fará justiça a quem perdeu a própria vida, em plena
juventude, em pleno florescer? Quem vai fazer justiça à erva ainda cheia de
seiva que foi ceifada antes mesmo de secar? Só a admissão de um além permite respirar numa
situação dessas. O próprio Mistério presente disse isso, comentando sobre uma
tragédia em Jerusalém: “Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os
quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os
demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos.” (Lucas
13,4-5).
Se não existe um além no qual a justiça é possível, e se toda a
realidade coincide com aquilo que nós podemos mensurar e medir com a nossa
própria medida, a justiça é impossível. A palavra justiça bem que poderia ser
riscada do dicionário. Mas também a palavra vida. Porque a vida é exigência de
justiça. É impossível viver sem a esperança da justiça. Só é possível respirar
num caso desses se antevemos o Mistério, se esta tragédia nos deixa em
suspensos. Suspensos, em vertigem, mas não desesperados. Me marca muito o fato que esta tragédia tenha acontecido na cidade que
leva o nome de Maria. Eu pensei nas muitas mães que perderam os seus filhos, e
pensei naquela que sabe a dor de ter um filho assassinado injustamente. E eu
pedi à Santa Maria, a Mãe de Deus, que rogasse por nós, porque somos pecadores
(eu o maior deles, sem dúvida), pecadores, porque duvidamos do seu Filho,
achamos, numa hora dessas que Ele tirou um cochilo ou foi descansar, e nos
deixou aqui, sozinhos, com o nosso nada. O nome da cidade evoca já a esperança.
Pedi à Santa Maria que rogasse por nós, ela, a Injustiçada, a Vítima de todos
nós, pecadores, que rogasse por nós, agora e na hora de nossa morte, porque eu
também vou morrer, um dia. Santa Maria, a grande Mãe de Deus, é a inimiga
mortal do niilismo. Opõe-se a ele ainda hoje. Torna humano tudo aquilo que ela
toca. Injustiçada, é a Rainha da Misericórdia, e abraça a todos nós.