sábado, 18 de janeiro de 2014

Os rolezinhos e a chacina de Goiânia

A nova moda agora são os "rolezinhos". Começaram em São Paulo, e já se espalharam por várias cidades do Brasil. Os "rolezinhos" evidenciam um profundo apartheid presente na nossa sociedade, e eu não vou me deter neles aqui, até porque a mídia já está cheia de análises e eu não quero completar esta barafunda. Detenho-me aqui num fato que me chocou um pouco (que bom que ainda se fica chocado com a violência): a chacina que houve ontem na boate Insomnia, em Goiânia, onde 4 jovens foram mortos. Isso, às vésperas do aniversário de 1 ano da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS). Fiquei muito impressionado em como os assassinos eram jovens, e também pelo fato de não se enquadrarem no estereótipo de "marginais", "bandidos", e coisas do gênero. A meu ver, a chacina de Goiânia com seus 4 mortos, e os rolezinhos em São Paulo e no Brasil afora têm uma série de semelhanças e evidenciam uma série de coisas.

A primeira delas é que vivemos numa sociedade profundamente violenta. Aqui no Brasil, damos a violência por óbvio. Fazem sucesso programas como "Cidade Alerta", "Brasil Urgente", e suas variações regionais. Aqui acostuma-se a ver o sem-número infinito de mortos sendo mostrado nos jornais de tal forma que nós nos anestesiamos, e já nada sentimos. Quando vemos os bandidos, a violência e o espírito de vingança vêm à tona. Basta ficar atento aos comentários no dia-a-dia, ou mesmo na Internet observar os comentários das pessoas referentes a bandidos. Para o brasileiro médio "bandido bom é bandido morto". Todo mundo quer o julgamento sumário, execução sem apelação, morte e morte com requinte, em suma, um retrocesso ao atual Estado de Direito, ao qual nem sequer medimos as consequências quando falamos.

A segunda coisa que se evidencia é que há um profundo desconforto presente nos jovens. Seja por meio das manifestações de junho do ano passado, nos rolezinhos deste ano, ou na violência terrível como esta de Goiânia, evidencia-se um mal-estar terrível entre os nossos jovens. Uma das razões é a ausência de hipótese com a qual julgar a vida. Mais do que não transmitir valores, os pais destes jovens não lhes transmitiram uma hipótese pela qual vale a pena viver. Assim, tornam-se vítimas do instinto e do poder.

É evidente que vivemos numa cultura que enaltace o instinto como critério da normatividade, e erige a violência como padrão dos relacionamentos. Um exemplo disso é o Programa Big Brother, que entra na décima quarta edição, roubando dos seus telespectadores horas preciosas que poderiam ser dedicadas à família, ao sono ou à leitura, além do seu dinheiro, e enriquecendo a TV Globo e empresas associadas. O Big Brother é um clássico exemplo da apologia à violência. O Programa em si mesmo é uma violência porque trancafiar pessoas e obrigá-las a eliminar umas às outras por um prêmio de um milhão e meio de reais é uma grande forma de violência. Mais do que isso: é uma forma de tortura, pois dia após dia, durante semanas a fio, um a um os participantes são eliminados dentro de um jogo sórdido e com a conivência de todos.

Um país que se curva a um programa como esse em todo o início de ano há uma década e meia, só pode grassar na violência. Não é o BBB o responsável por toda essa onda de violência que assola o país, ela já é atávica, está presente há muitos anos, mas ele a enaltece e a eleva ao patamar de circo que diverte as massas. Somente com uma hipótese do porquê vale a pena viver a vida podemos reagir a isso, julgando, isto é, comparando cada proposta com as exigências do coração: verdade, beleza, bondade, justiça, liberdade, felicidade. Somente assim podemos construir uma nova civilização.