terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O poder contra o indivíduo


Estou agora no LABMUNDO, na Escola de Administração da UFBA. Levanto os meus olhos e vejo a imagem que ficou célebre no Massacre da Praça da Paz Celestial (1989), já nos estertores da Guerra Fria. A foto é impressionante porque mostra toda a estupidez e brutalidade do poder contra o indivíduo fraco e desprotegido. O comunismo é a coisa mais sórdida do mundo, porque, antes de mais nada, se diz uma coisa boa. Diz lutar pelo bom, pelo belo e pelo que há de melhor. O que nos deu? 11o milhões de pessoas assassinadas, em nome da implantação à força de uma ideologia. Uma ideologia que ama o poder, porque a tomada do poder é a forma concreta de implantar à força o ideal (em todos os casos corrompidos) de um paraíso na Terra. A democracia nunca prometeu um paraíso na Terra, ela sabe muito bem que uma sociedade humana sempre será imperfeita porque cada pessoa humana, é imperfeita. Quem quiser uma excelente obra em defesa da democracia, leia A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, do filósofo da ciência Karl Popper. Ali se examinam as chances de totalitarismo existentes em nossa sociedade, e uma dela é a ânsia de implantar o Paraíso à fórceps na Terra. A democracia, pelo contrário, sempre será uma sociedade imperfeita, mas sempre e cada vez melhor. Os progressos ininterruptos em todo o século XX e mesmo na aurora do século XXI atestam isso. Arremedos de democracia acabam como no caso do Quênia, que já tem quase 1000 mortos em um mês: barbárie, selvageria. Bom, e o que tem isso tudo a ver com o poder? O poder sempre foi contra o indivíduo. O indivíduo, e mais precisamente a sua liberdade, sempre foi o maior terror do poder, por isso, este sempre tratou de controlar o indivíduo. Um método para saber se alguém é ou não autoritário, é se defende ou rechaça a liberdade. A liberdade é resistência ao poder. Esta foto acima é emblemática. O poder não tem força de dobrar a liberdade do indivíduo, isso é impressionante. É como se o indivíduo, a pessoa acima dissesse: "vocês têm até o poder de me matar, mas não podem dobrar a minha liberdade. Eu não adiro a vocês". Pra mim, o ser humano tem valor em virtude da sua liberdade, que lhe dá a capacidade de relação com o infinito. No século XVIII, os pensadores liberais já se davam conta dos problemas do poder. Eles viviam na pele o Absolutismo, regime no qual o monarca concentava poderes absolutos. Montesquieu, em O Espírito das Leis, teorizou sobre a divisão tripartite do poder: o poder limitaria o poder. Tudo isso para defender e proteger o indivíduo, a pessoa. Pois naquela época, já se se dava conta de que o poder concentrado (o totalitarismo) era inimigo mortal da pessoa humana, como podemos ver na foto acima. Infelizmente, não aprendemos a lição. No século XX, triunfaram inúmeros regimes totalitários. Provocaram destruição humana, cultural, econômica, política e espiritual, ceifaram a vida de pelo menos 170 milhões de pessoas, são a amostra mais pura de que o poder deve ser limitado ao máximo e a pessoa afirmada ao extremo, se quisermos progredir e viver numa civilização de paz e de amor.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A barbárie avança

A barbárie avança! Pra mim, é muito triste dizer isso, mas é o que vejo olhando ao meu redor! Mas o que é mesmo a barbárie, da qual tanto se fala, e pouca gente talvez saiba na ponta da língua conceituar? Tecnicamente, barbárie é o oposto de civilização. Barbárie é a antípoda, é o contrário de civilização. Portanto, para entender o que é a barbárie é preciso entender o que é civilização e ver o seu negativo. O que é, então, a civilização? Civilização significa tão-somente viver juntos, conviver. Pode parecer ridícula a simplicidade, mas é apenas isso. Porém, os seres humanos não conseguem viver juntos por uma espontaneidade: é preciso algo que os una. A civilização decorre sempre, ou de um ideal comum, ou de poder coercitivo sobre todos. A civilização no seu sentido mais verdadeiro é decorrente do primeiro fator unitivo, o ideal comum. O segundo fator, o poder, já representa uma corrupção e o início da barbárie. Portanto, se a barbárie avança, é porque a civilização decai. Que civilização? Vivemos hoje, o declínio e o colapso da civilização moderna (não existe uma "civilização pós-moderna", a pós-modernidade é o colapso da civilização moderna). Qual é o ideal que a orienta? O ideal iluminista: liberdade, igualdade e fraternidade, o ideal da emancipação, do progresso e da democracia. Os ideais da civilização moderna são cristãos, todos, absolutamente todos derivam do cristianismo, daí o ódio dos anti-cristãos pela civilização moderna. O grande erro da civilização moderna foi abandonar a fonte destes ideais, foi pensar que basta se orientar por ideais belíssimos para construir um mundo melhor. A experiência dos últimos séculos mostra a trágica história das ideologias, e dos seus fins degenerados. A civilização moderna não reconheceu que não basta ter grandes ideais para fazer coisas boas, e hoje nós vemos o resultado disso tudo! É preciso defender a civilização moderna; concretamente significa defender o Ocidente e os Estados Unidos, seu garante atual. Apesar de todos os limites, a civilização moderna não é barbárie, possibilitou a convivência comum, permitiu o soerguimento de mais de 200 nações no planeta, o desenvolvimento da democracia e do capitalismo, a melhora da qualidade de vida, salvou inúmeras vidas pelo progresso, desenvolvimento e pelo avanço da paz e da liberdade. A barbárie é o oposto de tudo isso. Na barbárie, predomina um gosto mórbido pela morte e pela destruição. Lembro-me ainda hoje, de quantas pessoas se vangloriaram pelo ataque à Nova Iorque e à Washington no terrível dia 11 de setembro de 2001. Muito do que vivemos, da nossa qualidade de vida, devemos à civilização moderna, ao Ocidente e aos Estados Unidos. A civilização moderna é permeável à fonte de seus valores, ela é um desenvolvimento natural da civilização cristã, a modernidade é cristã, resta só a ela abandonar o preconceito e aderir de vez às suas origens e realizar-se plenamente. Não há alternativa cultural ao cristianismo, só uma civilização cristã pode ser uma civilização do amor, e não a barbárie do ódio e do desespero, que é o que infelizmente vemos hoje.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

2008!

Quem faz aniversário no início de janeiro, como eu, passa por um ritual triplo no fim-de-ano: Natal-Réveillon-Aniversário. É quase como se o meu aniversário obrigatoriamente fizesse parte da "liturgia" da saída de um ano e entrada de outro, como se não pudesse haver a passagem de ano sem o meu aniversário. Até o início do ano passado, confesso que nunca fui muito com a cara dos "fins-de-ano" e início de ano-novo. Muito menos com o meu aniversário. Nunca gostei de ficar mais velho. Nunca olhei o futuro com confiaça, antes, o fazia com desconfiança e receio dos males que o novo ano podia me trazer e a vida que mais um aniversário estava me roubando. Isso pode parecer incrível, mas tem um nome: "velhice!" Velhice aos vinte anos, aos quinze! Pode parecer incrível, mas talvez seja a coisa mais comum hoje: jovens que na verdade são velhos, que têm medo da vida, ao invés de amá-la! O medo da vida é sempre um medo de perder alguma coisa, algo que se ama demais, e ao qual nos apegamos, algo que pensamos que pode nos salvar da solidão na era da modernidade líquida, dos amores líquidos, da explosão dos vínculos e dos laços. Este ano, porém, surpreendo-me vendo o futuro com positividade, como nunca antes, uma certeza que me dá animação e confiança. Pela primeira vez, faço aniversário grato por tudo o que vivi em 2007, e cheio de esperança para este ano e os próximos! Estou mais velho, mas mais maduro, mais verdadeiro, com um pouco mais de sabedoria, mais homem, mais feliz! Tudo isso pelo que vivi em 2007 e que ficou comigo! Não perdi nada das minhas experiências, carrego comigo tudo o que vivi e me fez mais eu-mesmo!

sábado, 5 de janeiro de 2008

A tragédia humana

A Providência me deu a graça de ser amigo de ninguém menos que o maior poeta do Brasil, Bruno Tolentino, que além de ser um monstro sagrado da poesia, era um puta católico. O fato de ser amigo (pois eu acredito na comunhão dos santos- mas isso eu deixo pra depois) me ajudou a entender os artistas. Para ele, os grandes artistas, como Dostoiévski na literatura, ou Matisse, na pintura, são homens e mulheres como que "feridos por um aguilhão", homens e mulheres que sentem mais e de forma mais constante do que todos o aguilhão do significado, do desejo, são homens e mulheres nos quais ferve o desejo pela verdade, pela beleza, pela liberdade, pela felicidade, são homens e mulheres que não se contentam com a meia-medida, com a mediocridade. Para ele, a atividade dos artistas é sempre um crescendo até atingir o limiar do mistério, como podemos ver em Drummond com o poema "A máquina do mundo" http://www.releituras.com/drummond_amaquina.asp, considerado o melhor poema do Brasil de todos os tempos.

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável


A partir dessa vertigem, o artista precisa se dar uma resposta, porque o seu desejo continua e ele não pode mais evitar o contato com o mistério; é um "ponto de não-retorno". Como um vinho delicioso experimentado, não dá mais para esquecer! Diante do mistério que se apresenta, não dá mais para fingir. Ao mistério contemplado, a única alternativa que se pode vislumbrar a uma adesão, é dar um grande "não", como Drummond:

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


(o resto do poema pode ser lido no link que eu deixei). Esse grande "não" ao mistério nada mais é do que a grande tragédia humana, tragédia que a gente pode ver claramente nos artistas (especialmente nos chamados loucos e etc). Essa tragédia se dá porque o homem é relacionamento com o mistério, deriva o seu ser de uma fonte misteriosa, e definha se não mantém contato com essa fonte. Pra mim me impressiona a figura de Maiakóvski, poeta soviético do início do século XX. Maiakóvski era um jovem com todo o desejo, ímpeto e vigor que caracterizam os jovens e abraçou a Revolução como se ela fosse a resposta aos desejos do seu coração, apostando tudo nela. Desiludido com os rumos tomados pela Revolução, e com problemas amorosos, Maiakóvski se suicida em 1930. Esse não é um caso isolado. Podemos contar as dezenas de artistas que tiveram e têm fim semelhantes. Há pouco vi a imagem deprimente de Caetano Veloso, em sua decadência, e a imagem triste de Cássia Eller, em sua eterna insatisfação. Clarice Lispector, em sua última entrevista, mostrava um cansaço com relação à vida de dar dó. Mas ainda existem relatos ainda mais deprimentes, de Dercy Gonçalves, que ao fazer cem anos, afirmou que "o mais importante na vida era o dinheiro", ou Oscar Niemeyer, quando disse que "fazer cem anos era uma merda". O oposto encontramos em artistas como Dostoiévski, Tolstói, Péguy, Claudel, Saint-Exupéry, Beethoven, Mozart, Bach, Michelangelo e tantos outros. Qual a diferença? O reconhecimento e adesão ao mistério, que se revela, como na máquina do mundo. É um reconhecimento do mistério que permite ao artista continuar crescendo e produzir as maravilhas de beleza que esses artistas produziram e nos comovem até hoje, nos comove porque corresponde aos desejos mais profundos de beleza que nós temos, e que era o mesmo deles. A mesma beleza que se revelou a eles e que os satisfez se oferece a nós e pode nos satisfazer ainda hoje. A beleza salvará o mundo, como diz Dostoiévski, a verdadeira beleza porque ela nos convencerá que a tragédia não é a última palavra sobre a realidade, existe algo de duradouro e imorredor na realidade do qual a beleza é o sinal mais evidente que nos fere, como Eros, e nos puxa para algo acima de nós mesmos! Nos salvará porque nos fará ver, como disse Luís Fernando Veríssimo recentemente, que "o ateísmo é tão chato como um mundo sem loiras!"