sábado, 12 de agosto de 2023

Maria, a resposta ao desafio das “ideologias de gênero”


Debates sobre se existe de fato uma ideologia de gênero ou se tudo não passa de um “pânico moral” são a meu ver, propositadamente infrutíferos. O fato é que o avanço das teorias queer e dos estudos de gênero têm avançado cada vez mais das universidades onde nascem e adentrado o tecido social. No afã de lutar contra o que se chama de “patriarcado”, as teorias queer visam de fato, desconstruir aquilo que é visto não como um dado da natureza, mas apenas como uma construção social. Ora, se algo de fato não é objetivo, mas apenas uma construção da sociedade, pode ser de fato descontruído e reconstruído. Se o sexo biológico não pode ser desconstruído e reconstruído (no que diz respeito aos genes, pois existem já avançadas técnicas cirúrgicas de redesignação sexual), o pode o chamado gênero, dado que este seria uma mera construção social, ou seja, uma mera convenção, supostamente arbitrária e violenta.

Pois bem! Num jantar na semana passada, um grupo de amigos estava preocupado com o impacto das chamadas ideologias de gênero sobre os adolescentes, já que estes teriam que “experimentar tudo” para descobrir se seriam heterossexuais, homossexuais, cisgênero ou transgênero.

Para além de toda a polêmica, identifiquei naquele momento que há um grande risco envolvido, que é o de responder a uma ideologia com outra ideologia, e aos cristãos em particular, existe o perigo de adentrar no debate com uma presença reativa e não original.

No meio dessa barafunda de opiniões, no meio desta confusão de ideologias, qual pode ser a contribuição que um cristão de fato pode dar, não apenas ao debate público, mas aos adolescentes que hoje encontram-se perdidos no meio de uma verdadeira selva ideológica, num verdadeiro ringue de ideologias contrárias e contrapostas?

Penso que cabe aos cristãos entender que voltamos ao período do Império Romano, onde todas as doutrinas, filosofias, seitas, religiões e opiniões são permitidas, desde que haja a adoração ao poder de plantão, desde que não se esqueça o necessário incensamento ao poder. Voltamos ao período do primeiro anúncio e como tal, devemos voltar ao primeiro anúncio.

E o primeiro anúncio não foi de uma filosofia ou de uma ideologia, ainda que cristã, ou pelo menos mais próxima do cristianismo, mas o primeiro anúncio foi o de uma pessoa: Jesus de Nazaré, o Verbo feito carne, um homem. Não podemos cair na armadilha de contrapor uma outra ideologia à chamada ideologia de gênero, mas sim uma pessoa. À ideologia de gênero que busca reconfigurar o homem e a mulher, devemos repropor o homem e a mulher por excelência: Jesus e Maria.

A figura de Maria, penso eu, é ainda mais necessária. No livro Maria para hoje, o teólogo von Balthasar diz que a pessoa de Maria deve ser a resposta da Igreja ao chamado feminismo, e penso eu que devemos radicalizar a posição de von Balthasar e dizer que a figura de Maria, virgem, casta e mãe, deve ser a resposta cristã à ideologia de gênero.

À barafunda da cis e da transgeneridade, da hetero e da homossexualidade não cabe uma caça às bruxas nem muito menos discursos de ódio, mas a postura do Papa Francisco: acolhimento e abraço, perdão, amizade e acompanhamento e a proposição a todos para olhar e contemplar a figura da Virgem Maria, de Nossa Senhora, de como ela se relacionou consigo própria, com o seu corpo, com São José, com Jesus e com os homens e mulheres do seu tempo. É somente da contemplação silenciosa e contínua, e não dos debates estéreis e violentos que pode vir uma esperança para o mundo nessa etapa da história.

Num mundo destruído pelos bárbaros, São Bento não foi polemizar nem discutir, foi contemplar (orar, rezar, meditar) e construir (trabalhar, laborar). Construir casas (mosteiros) e comunidades. Ora et labora. Essa é a alternativa também para nós hoje. Enquanto os bárbaros de hoje pensam que destroem tudo, vamos cuidar de salvar, em primeiro lugar a nós mesmos, e depois aquele pedaço de mundo que está perto de nós. Vamos olhar para Maria e construir o nosso eu e construir verdadeiros oásis de humanidade nos desertos deste mundo. Vamos olhar o Papa Francisco e aprender como viver a nova evangelização. A civilização cristã nasceu assim, e também assim, pode renascer hoje. Depende de nós, se escolhemos ser neste mundo uma presença original ou reativa.

DIMITRI MARTINS É MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO E ESPECIALISTA EM GESTÃO PÚBLICA

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

2100, século XXII à vista

Assim começou o século XXI, lembro-me chocado, lembro-me em choque. Eram 10:48 aqui no Brasil, 8:48 em Nova Iorque. 
O que estamos fazendo do século XXI? Que mundo entregaremos ao vigésimo segundo século da Era Comum? Pode parecer distante ainda, mas para lá estamos caminhando, para o ano 2100, para o século XXII. Que mundo entregaremos às gerações do porvir, às gerações do século vindouro?
Nietzsche bem profetizou para os séculos XX e XXI o niilismo; então o XXII talvez tenha alguma chance, talvez no século XXII irrompa a novidade neste mundo! No século XXII, quem sabe, recuperemos os grandes ideais que perdemos nestes tristes séculos, os séculos mais assassinos de toda a História humana; séculos tristes, séculos niilistas, séculos de guerra, séculos de destruição do humano. 
Ao mesmo tempo, séculos de Papas santos, porque Deus existe, Cristo ressuscitou, e deu-nos, nestes séculos tristíssimos, uma série de Papas santos, como um facho de luz a iluminar as trevas deste nosso niilismo bissecular. Mas, quem vê? Quem vê? Quem olha para estes Papas? Este mundo odeia os Papas santos, odeia Jesus Cristo, odeia Deus, odeia o Ideal.

A eleição das paixões

Estamos a exatamente pouco mais de 40 dias para a abertura das urnas na eleição mais importante dos últimos anos, e esta eleição não será marcada pela razão, mas sim pelas paixões e pelas emoções dispersas por esse nosso país. Cravo o meu palpite que chegaremos ao segundo turno com uma disputa eletrizante, entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

O retorno

Depois de três anos de "recolhimento", voltarei a postar regularmente neste blog.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A radicalidade do mal

Eu estou absolutamente chocado com a morte do piloto jordaniano Muath al-Kasaesbeh. Quando a gente pensa que já viu tudo, eis que o Estado Islâmico coloca uma pessoa numa jaula, e a deixa com um rastro de fogo para ser queimada viva e oferecida em holocausto ao mundo em espetáculo. Na sociedade do espetáculo, oferece-se ao público um Big Brother satânico de vítimas sendo decapitadas, e agora queimadas vivas dentro de uma jaula. Isto é uma coisa simplesmente inominável. Tamanho horror midiatizado, espetacularizado, nem Adolph Hitler sonhou. Nem Guy Débord imaginaria que a sociedade chegaria a esse nível grotesco de espetáculo.
O que vi hoje, 3 de fevereiro de 2015, é nada mais do que "o mal absoluto", mal em estado puro, a banalidade do mal, como diria Hannah Arendt.
Boa parte dos jovens que estão hoje no Estado Islâmico saíram da Europa, da Europa que é niilista, como já dizia André Malraux em "A tentação do Ocidente": «Não há ideal a que possamos sacrificar-nos, porque de todos eles conhecemos a mentira, nós os que ignoramos em absoluto o que seja a verdade.»
Estes jovens, de uma forma absurda para nós, saíram do conforto que lhes é garantido pelo Welfare State europeu e se embrenharam no deserto da Mesopotâmia em busca de sangue, lágrimas, dor, horror e desespero... como os nazistas dos anos 1940 com as suas vítimas. Na falta de um ideal, que lhes é negado pelo Ocidente, perverteram completamente os seus desejos de felicidade, beleza, justiça, verdade, e hoje sacrificam-se no anti-ideal satânico da morte, do sangue, da dor, da violência, do choro e do desespero, gozando com a dor das vítimas agonizantes, tais como os carrascos mais bárbaros que a humanidade já teve notícia.
É absurdamente chocante, mas estamos diante da radicalidade do mal, estamos diante de um mal radical. Diante do mal radical, há que se fazer alguma coisa. A Beata Tereza de Calcutá já disse: "do jeito que as coisas estão, o maior pecado é não fazer nada". Me estarrece a inamovibilidade de alguns líderes. No final dos anos 1930, houve um grande homem, chamado Winston Churchill, que num determinado momento, decidiu começar a deter Hitler. Diante do avanço impiedoso de Adolph Hitler, Churchill decretou guerra à Alemanha, e enquanto a França caía, ele segurou as pontas, até que o ataque japonês a Pearl Harbor no dia 7 de dezembro de 1941, fez com que os Estados Unidos entrassem finalmente na guerra, decretando guerra ao Império Japonês, e ajudando a já combalida Inglaterra.
Algo há que se fazer. Estão esperando um novo Pearl Harbor? O que o Ocidente ainda espera para declarar guerra ao Estado Islâmico, e varrê-lo para a lata de lixo da História?

sábado, 18 de janeiro de 2014

Os rolezinhos e a chacina de Goiânia

A nova moda agora são os "rolezinhos". Começaram em São Paulo, e já se espalharam por várias cidades do Brasil. Os "rolezinhos" evidenciam um profundo apartheid presente na nossa sociedade, e eu não vou me deter neles aqui, até porque a mídia já está cheia de análises e eu não quero completar esta barafunda. Detenho-me aqui num fato que me chocou um pouco (que bom que ainda se fica chocado com a violência): a chacina que houve ontem na boate Insomnia, em Goiânia, onde 4 jovens foram mortos. Isso, às vésperas do aniversário de 1 ano da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS). Fiquei muito impressionado em como os assassinos eram jovens, e também pelo fato de não se enquadrarem no estereótipo de "marginais", "bandidos", e coisas do gênero. A meu ver, a chacina de Goiânia com seus 4 mortos, e os rolezinhos em São Paulo e no Brasil afora têm uma série de semelhanças e evidenciam uma série de coisas.

A primeira delas é que vivemos numa sociedade profundamente violenta. Aqui no Brasil, damos a violência por óbvio. Fazem sucesso programas como "Cidade Alerta", "Brasil Urgente", e suas variações regionais. Aqui acostuma-se a ver o sem-número infinito de mortos sendo mostrado nos jornais de tal forma que nós nos anestesiamos, e já nada sentimos. Quando vemos os bandidos, a violência e o espírito de vingança vêm à tona. Basta ficar atento aos comentários no dia-a-dia, ou mesmo na Internet observar os comentários das pessoas referentes a bandidos. Para o brasileiro médio "bandido bom é bandido morto". Todo mundo quer o julgamento sumário, execução sem apelação, morte e morte com requinte, em suma, um retrocesso ao atual Estado de Direito, ao qual nem sequer medimos as consequências quando falamos.

A segunda coisa que se evidencia é que há um profundo desconforto presente nos jovens. Seja por meio das manifestações de junho do ano passado, nos rolezinhos deste ano, ou na violência terrível como esta de Goiânia, evidencia-se um mal-estar terrível entre os nossos jovens. Uma das razões é a ausência de hipótese com a qual julgar a vida. Mais do que não transmitir valores, os pais destes jovens não lhes transmitiram uma hipótese pela qual vale a pena viver. Assim, tornam-se vítimas do instinto e do poder.

É evidente que vivemos numa cultura que enaltace o instinto como critério da normatividade, e erige a violência como padrão dos relacionamentos. Um exemplo disso é o Programa Big Brother, que entra na décima quarta edição, roubando dos seus telespectadores horas preciosas que poderiam ser dedicadas à família, ao sono ou à leitura, além do seu dinheiro, e enriquecendo a TV Globo e empresas associadas. O Big Brother é um clássico exemplo da apologia à violência. O Programa em si mesmo é uma violência porque trancafiar pessoas e obrigá-las a eliminar umas às outras por um prêmio de um milhão e meio de reais é uma grande forma de violência. Mais do que isso: é uma forma de tortura, pois dia após dia, durante semanas a fio, um a um os participantes são eliminados dentro de um jogo sórdido e com a conivência de todos.

Um país que se curva a um programa como esse em todo o início de ano há uma década e meia, só pode grassar na violência. Não é o BBB o responsável por toda essa onda de violência que assola o país, ela já é atávica, está presente há muitos anos, mas ele a enaltece e a eleva ao patamar de circo que diverte as massas. Somente com uma hipótese do porquê vale a pena viver a vida podemos reagir a isso, julgando, isto é, comparando cada proposta com as exigências do coração: verdade, beleza, bondade, justiça, liberdade, felicidade. Somente assim podemos construir uma nova civilização.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A vertigem de Santa Maria

Fui golpeado pela notícia da tragédia em Santa Maria (RS), a qual fiquei acompanhando as notícias o tempo todo ontem. Hoje, tive dois pesadelos, inclusive nos sonhos eu estava em Porto Alegre. As cenas de horror, de desespero, mães chorando, a presidenta Dilma, "gente jovem reunida", como canta Elis Regina. Tudo isso revirou em minha cabeça, e do profundo de mim emergia um grito: "por quê?", "que significado tem tudo isso?". É verdade que o grito sobre a última palavra sobre a realidade ecoou também, mas antes deste ecoou o grito: "qual é o significado da nossa vida? Da minha vida?" A vertigem tomou conta de mim. É impressionante o realismo e a concretude da Bíblia: "Os dias do homem são semelhantes à erva, ele floresce como a flor dos campos. Apenas sopra o vento, já não existe, e nem se conhece mais o seu lugar." (Salmo 103:15-16)

Esta tragédia me introduziu esta vertigem, e me introduziu no mistério que é a realidade. Me ajudou a me dar conta de que estou vivo, existo e esta vida não é óbvia e nem mesmo a mereço. Muita gente agora vai procurar os culpados, saber de quem foram os erros, que leis mais rígidas devem ser editadas para evitar novas tragédias como estas, dentre tantas outras medidas. Tudo isso é muito importante, mas não dá uma resposta específica às vidas daquelas pessoas e nem mesmo às famílias delas. Quem fará justiça às pessoas que morreram intoxicadas por fumaça tóxica vítimas da sucessão de erros de uma série de pessoas? Simplesmente condenar os culpados e editar novas leis é uma justiça que faremos a nós mesmos, e na melhor das hipóteses, às famílias das vítimas. Quem fará justiça a quem perdeu a própria vida, em plena juventude, em pleno florescer? Quem vai fazer justiça à erva ainda cheia de seiva que foi ceifada antes mesmo de secar? Só a admissão de um além permite respirar numa situação dessas. O próprio Mistério presente disse isso, comentando sobre uma tragédia em Jerusalém: “Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos.” (Lucas 13,4-5).

Se não existe um além no qual a justiça é possível, e se toda a realidade coincide com aquilo que nós podemos mensurar e medir com a nossa própria medida, a justiça é impossível. A palavra justiça bem que poderia ser riscada do dicionário. Mas também a palavra vida. Porque a vida é exigência de justiça. É impossível viver sem a esperança da justiça. Só é possível respirar num caso desses se antevemos o Mistério, se esta tragédia nos deixa em suspensos. Suspensos, em vertigem, mas não desesperados. Me marca muito o fato que esta tragédia tenha acontecido na cidade que leva o nome de Maria. Eu pensei nas muitas mães que perderam os seus filhos, e pensei naquela que sabe a dor de ter um filho assassinado injustamente. E eu pedi à Santa Maria, a Mãe de Deus, que rogasse por nós, porque somos pecadores (eu o maior deles, sem dúvida), pecadores, porque duvidamos do seu Filho, achamos, numa hora dessas que Ele tirou um cochilo ou foi descansar, e nos deixou aqui, sozinhos, com o nosso nada. O nome da cidade evoca já a esperança. Pedi à Santa Maria que rogasse por nós, ela, a Injustiçada, a Vítima de todos nós, pecadores, que rogasse por nós, agora e na hora de nossa morte, porque eu também vou morrer, um dia. Santa Maria, a grande Mãe de Deus, é a inimiga mortal do niilismo. Opõe-se a ele ainda hoje. Torna humano tudo aquilo que ela toca. Injustiçada, é a Rainha da Misericórdia, e abraça a todos nós.