sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A pós-modernidade como desejo do Fato

Uma das palavras mais comuns do dicionário pós-moderno é a palavra "acontecimento", evento, happening, événément. Poderíamos dizer também fato. Michel Foucault, no livro A Ordem do Discurso (na verdade, a compilação de sua aula inaugural do Collège de France em 02/12/1970), classificou o acontecimento como a corporificação do imaterial, portanto a emergência dos nossos desejos, das nossas ânsias. A pós-modernidade tem uma verdadeira ânsia de que algo aconteça, de que o novo, como canta Elis Regina, venha. Assistimos, na aurora do século XXI, ao retorno do desejo, o retorno daquilo que a modernidade destruiu. A pós-modernidade, como conta Jean-François Lyotard, é "a descrença em toda e qualquer metanarrativa", em outras palavras, significa o fim da ilusão de que o homem, por sua própria conta, como desejava o projeto de emancipação iluminista, iria realizar os mais altos ideais que carrega em seu coração, como a paz, a liberdade, a justiça, a felicidade. A pós-modernidade significa o fim da ilusão moderna. O desejo, porém, continua. A humanidade vive um momento terrível, de confusão e desespero. A modernidade, o projeto iluminista, lhe tirou Deus, enquanto que os séculos marcados em nome da ação frenética do homem para atingir o "paraíso na Terra", os séculos XIX e XX (junto com o início do século XXI) foram os mais sangrentos da História e retiraram, num olhar realista, qualquer ilusão de auto-emancipação. Mas o desejo continua, persiste, porque é estrutural, constitutivo, não está ligado a nenhuma contingência biológica,psicológica, sociológica ou histórica. O marketing e a propaganda usam e abusam desse desejo, mas não vão poder satisfazê-lo com algo minúsculo, dado que o desejo é de infinito. E este desejo exige o fato, quer, anseia que algo aconteça, e como esse algo não vem, porque no fundo domina um ceticismo generalizado, em Deus e no homem, os pós-modernos "criam" o fato: protestos, manifestações, aglomerações às vezes totalmente sem sentido (como em São Paulo, há dois anos, quando milhares de pessoas tiraram a roupa e posaram para uma foto coletiva). O que urge é a vinda do que o coração espera, que ninguém sabe o que é, e que quer abafar a qualquer custo. O desejo ali permanece, e nossa esperança única, no avanço da pós-modernidade é a correspondência entre esse desejo e a Beleza, que passe diante dele. Como disse Dostoievski: "A Beleza nos salvará", nos tirará dessa situação de confusão, morte e desespero na qual nos metemos. Ou Pasolini: "Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito". O grande papa Bento XVI, verdadeiro profeta da nossa era, em 2005 fez o seguinte anúncio: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo." (Deus caritas est, 25/12/2005). Uma pessoa-Cristo- é esse fato, este event (está em inglês mesmo), este acontecimento que as pessoas na pós-modernidade tanto anseiam e desejam. Tanto que a última palavra da Bíblia (no Apocalipse) numa era que afirma que o novo sempre vem é: "Vem, Senhor Jesus!" (cf. Ap 22,20). Ele é o novo, que veio, vem e que virá!

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O que o Natal veio nos dar?

O Natal é só uma festa piegas ou é um fato que tem a ver com a minha vida? Essa pergunta é dramática porque a minha vida pode caminhar em direções diametralmente opostas, a depender da resposta dada a essa pergunta. No primeiro caso, o Natal é como um duende verde, no máximo um enfeite, um ornamento, mas no fundo, algo que não me ajuda. No segundo caso, é o fato mais importante da História, e que posso verificar na minha existência se é verdade ou não. E sendo verdade, o que o Natal veio me dar, veio nos dar?
Como diz Gonzaguinha, "somos nós que fazemos a vida, como der ou puder, ou quiser". O divino não vem nos substituir, mas o Natal vem nos colocar na posição exata, verdadeira, a partir da qual posso partir no confronto com a realidade, todas as manhãs. E a primeira constatação é de um amor imenso, amor pela minha miséria, pela minha necessidade de vida. Como diz o poeta francês Péguy, "a minha necessidade moveu um Deus", que me ama e me acolhe, aqui e agora! Com certeza, viverá 2008 de forma quem se deixar tocar por este anúncio: "sou amado inifinitamente, por Aquele que me quis e me quer, aqui e agora!" O Natal não é uma mensagem para amarmos, mas pelo contrário, existe para dizer que somos amados, somos queridos e desejados por Aquele que faz a realidade e me faz, a tal ponto de nascer num estábulo para dizer: "eu te amo!" Só isto nos coloca numa postura verdadeira diante da realidade!

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Natal e a Imitation of Life

Estamos nos estertores de 2007!!! Eu pessoalmente fico muito grato a tudo que recebi neste ano de 2007, realmente, foi um dos melhores (senão o melhor!!!) ano da minha vida. Para quem acredita no Poder que levanta o Sol a cada manhã, é a Ele que eu agradeço tudo isso... bom, e que isso tem a ver com o Natal, e com a música (e o clip) Imitation of Life, do R.E.M.? http://www.youtube.com/watch?v=CEhT2QlRBMo Tem a ver porque hoje eu fui no Shopping Barra à tarde fazer compras, e na praça de alimentação ficava a olhar para cada pessoa, pensando na vida de cada uma, no drama humano, e no destino de cada uma... (Dostoiévski na pasta ajuda!) e irremediavelmente me veio à mente a música Imitation of Life e uns versos de um poeta soviético que eu gosto: as pessoas hoje, nas ruas, nas praças, nas avenidas, nos shoppings, nos estádios, nos cinemas, se justapõem, umas às outras, estão no mesmo espaço, mas não se conhecem, não são amigas, não são nem inimigas, são simplesmente indiferentes, como o poeta disse: "esbarramo-nos no metrô e mal nos conhecemos", vamos ao túmulo sem saber quem somos, e isso não é vida, é imitação da própria, pois a vida mesma é exigência profunda de amor, de amizade, de unidade mesmo. E um Menino nasceu justamente pra isso, pra unir o que estava separado: primeiro nós com Aquele Poder que levanta o Sol de manhã, e depois nós conosco mesmos, veio nos dar a vida verdadeira, porque a vida sem amor e sem amizade não é vida, Ele veio na noite de Natal para tornar nossa vida uma festa, com muita alegria, cem vezes mais vida, se nos deixarmos tocar pela amizade que Ele começou no mundo há mais de 2000 anos!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Voltei!

Depois de quatro meses de "jejum" da escrita, voltei, após um período de pausas e reflexões... Tenho conversado com muitas pessoas nesse tempo, e tenho percebido que a futilidade, a superficialidade, o cinismo dominam mesmo a vida das pessoas... O escritor Camus disse que a questão fundamental é acerca do sentido da vida. E quantos se perguntam acerca disso? Ontem, li no jornal A Tarde que um adolescente de quinze anos cortou o pescoço de outro, de treze anos, com uma gilete; conversando com um mulher na rua (Joana Angélica, ontem de manhã), ela dizia "o mundo está muito perverso", "ele não chega aos vinte e cinco, a polícia mata". Pensei "o que estamos fazendo com os nossos jovens? O que estamos fazendo conosco?", conversando com duas colegas na terça-feira, elas simplesmente diziam que o "eu" não existe, tudo é fruto de "influências" do cosmos, da sociedade, das pessoas, da época, isto é, do poder... fico impressionado como tudo isso é fruto da negligência do eu, ninguém está nem aí para si mesmo, todo mundo se preocupa com tudo, menos consigo mesmo: quem sou eu? O que será de mim? O que estou fazendo aqui? A negligência do eu é o desastre da nossa civilização do eu, a destruição do sujeito operada pelos desconstrucionistas e cia. estão na origem da destruição de nossa civilização, acompanhada pelo advento da barbárie. Alain Touraine se pergunta se podemos viver juntos, penso que sim, desde que reconheçamos aquilo que nos une: a nossa humanidade, e suas exigências elementares que a caracterizam. Posso não ter aparentemente nada a ver com um japonês, por exemplo, mas somos todos homens, temos uma humanidade em comum, traduzida nas mais diversas maneiras... fenômenos como o "comunitarismo", "guetismo" e coisas do gênero nada mais são que sintomas de uma tentativa de afirmação do identidade na época da dissolução do "eu". Tudo isso só afirma o "eu", este não pode ser destruído, dado que é estrutural, mas pode ser negligenciado, tratado como se não existisse, e se eu não nem aí para o meu eu, para mim mesmo, para quem eu sou, obviamente, não estarei nem aí para o "eu" do outro, o homem concreto, que vive e sofre. É muito fácil se preocupar com "a humanidade", os "direitos humanos", "os oprimidos" etc, difícil é ajudar uma pessoa que está passando mal na sua frente, emprestar dinheiro para um amigo que precisa, ouvir uma pessoa que precisa de atenção... porque não conseguimos nem dar atenção às exigências mais elementares que são a nossa natureza... e isso explica a negligência completa do governo com a greve de fome do bispo da Barra (BA), dom Luiz Cappio, por exemplo: a negligência do eu, eis o grande o mal da nossa civilização, a destruição do humano.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Save me (Magnolia)


Um dos filmes mais inteligentes, mais geniais, mais perfeitos que assisti em toda a minha vida é Magnolia (1999). O gênio é aquele que consegue captar e expressar como poucos o desejo humano, a humana espera. É impressionante como estamos com a nossa razão tão reduzida, que quando não entendemos algo, logo o descartamos. E assim é com muitas pessoas em relação a Magnolia. Este é o tipo de filme que deveríamos assistir pelo mil vezes até conseguirmos captar toda a sua expressão. E do que é que Magnolia fala? Por que é que Magnolia me interessa tanto? Porque Magnolia fala de mim, fala de nós, fala do ser humano. Magnolia, com genialidade impressionante (inclusive com a supreendente chuva de sapos no meio do filme- uma das dez pragas lançadas por Deus sobre o Egito para salvar Israel, o povo escolhido), rompendo com todos os esquemas da medíocre Hollywood, mostra o homem tal como ele é, evidencia a mediocridade e o vazio da civilização pós-moderna e neo-bárbara, mas revela que o homem, mesmo nesta civilização neo-bárbara continua sendo o que sempre foi: um ser necessitado de alguém que o salve de sua solidão, de sua miséria, de sua ignorância, de sua angústia, de seu desespero. A música-tema Save me http://www.aimee-mann.save-me.buscaletras.com.br/é de uma simplicidade e de uma beleza impressionante. O clip da música http://www.youtube.com/watch?v=lidIqRtm8V8 também é algo único. Magnolia é daquelas obras-primas eternas que já entraram para a História. Que a crueza proposital aliada com sua simplicidade nos ajude a reconhecermos nossa humana necessidade: "Save me"... o grito mais belo que o homem já emitiu...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Acidente da TAM: Qual é, enfim, o sentido último da realidade?

Juízos dos universitários de Comunhão e Libertação sobre o acidente da TAM. Segue abaixo:

Acidente da TAM: Qual é, enfim, o sentido último da realidade?

1) O acidente com o avião da TAM é um fato que grita por significado. O desastre desperta em nós uma exigência de resposta total que abranja todo o horizonte da razão. Qual é, enfim, o sentido último da realidade?

2) Quanto mais a pessoa avança na tentativa de responder a tais perguntas, tanto mais lhes percebe a potência e tanto mais descobre a própria desproporção em relação à resposta total. O silêncio no final dos telejornais e o grito de dor dos familiares só evidenciam e agudizam essa necessidade.

3) A revolta vazia, o conformismo ou a banalidade (a “festa” do Pan logo após cada notícia dos mortos na tragédia) são respostas inadequadas e insuficientes, reflexos da passividade em que vivemos. Se não encontramos Algo que responda a essa necessidade nos resta apenas o desespero.

4) Tal pergunta inevitável está em cada indivíduo e dentro do seu olhar para todas as coisas. No acidente com o avião da TAM, isto se torna gritante. Somente a existência do mistério é adequada à estrutura de pedido que o homem é. Ele é insaciável mendicância e aquilo que lhe corresponde é algo que não é ele mesmo, que não pode dar a si mesmo. Somente a hipótese de Deus corresponde à estrutura original do homem. Cristo é o único capaz de responder à nossa necessidade.

5) Todas as circunstâncias levam a Cristo, mesmo as mais dolorosas, porque nelas é Ele que diz: “Vejam, sou eu que falto, sou eu que faço nova todas as coisas, e não seus esforços ou pensamentos”. Assim, toda a realidade é positiva. Sei disso pois faço a experiência de ser salvo agora, e por isso tenho uma base sólida para dizer: também essa realidade pode ser salva.

6) Esta realidade o tempo todo me revela que eu não estou sozinho. Não estou sozinho porque tenho amigos que me ajudam a dar um juízo de que Cristo é presença, e até esta tragédia serve para afirmar isto. Nossa amizade abraça o mundo.

COMUNHÃO E LIBERTAÇÃO – UNIVERSITÁRIOS
19 de julho de 2007

sexta-feira, 13 de julho de 2007

A Batalha de Árgel

Ontem vi um filme de 1965, A Batalha de Árgel, e fiquei impressionado com a atualidade. Atualidade da medíocre civilização burguesa, de um lado, e atualidade do terrorismo brutal (de ambos os lado, diga-se de passagem), de outro. Agora estou ouvindo Zombie do Cranberries, protesto contra a guerra na Irlanda do Norte, pensando no Iraque e nas tantas guerras e no enorme sangue derramado e do qual se pergunta, em nome de quê? De liberdade, e de poder. As guerras existem somente por causa disso. Uns querem ser livres, outros querem subjugar. Desde o princípio. É estupidez acusar o capitalismo pelas guerras. Elas existem desde que o homem habita a Terra. Parecem inscritas no nosso próprio DNA, apesar da repulsa e do asco que nos causam. A guerra, o ódio, a dor, a morte, ferem profundamente o desejo do nosso coração de justiça, de paz, de beleza... a guerra é morte, é destruição, é barbárie... nesse ínterim, surge urgente e atualíssima a indicação que Cristo trouxe do Pai, "amem uns aos outros, como eu vos amei", "amai uns aos outros como a si mesmos", "amem os vossos inimigos, rezai pelos que vos perseguem, abençoai os que vos maldizem". Está aí caminho para a verdadeira civilização, para a unidade tão sonhada da humanidade. E podemos fazer isso porque Ele nos amou primeiro, veio até nós, verteu todo o seu sangue na Cruz, para que as guerras pudessem acabar e a humanidade pudesse ser uma só. "Mas porventura, haverá fé sobre a Terra quando o Filho do Homem retornar?"

sábado, 7 de julho de 2007

Paris e a condição humana

Saí de Paris, te amo (Paris, je t'aime) um pouco decepcionado... Decepcionado porque esperava que mostrasse mais a cidade, mas o filme, que pecou por mostrar 18 histórias desconexas (unidas somente por Paris), mostrou a condição humana, a miséria humana, a tragédia humana, como diria o poeta Bruno Tolentino, junto com o amor e o desejo humano, que o homem é sempre homem, seja europeu, africano ou árabe, esteja em Salvador ou em Paris... saí um pouco triste, mas depois pensei, com Machado de Assis... a vida é triste, não podemos ficar como bobos alegres diante da vida, e é uma tristeza, eu diria... santa, porque me lembra o transcendente, Cristo, o Mistério... e eu não a troco por nenhuma alegria que me faça esquecer dEle...

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Bruno Tolentino

Fonte: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/

Bruno Tolentino

Morreu hoje de manhã, aos 66 anos, no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, o poeta Bruno Tolentino. Pior para todos nós. Pior para o Brasil. Anteontem, lembrei aqui uma das muitas falsetas que a impostura lhe aprontou: em 1994, ele desancou uma tradução de um poema de Hart Crane feita por Augusto de Campos. Em resposta, fizeram um abaixo-assinado. Até a Gal Costa e a Marilena Chaui assinaram. Não convidaram o Chacrinha porque ele já havia morrido. Falarei mais de Bruno ao longo do dia e da importância de sua obra. Havia muito, desde a morte de Mário Faustino (1962), de quem era amigo, era um poeta solitário, vivendo de e em muitos exílios, sem ninguém que pudesse com ele emular, nem mesmo ombrear.Há exatamente um ano, num 27 de junho como este, Bruno lançou aquela que é, no que respeita à produção poética, a sua maior obra: A Imitação do Amanhecer, um conjunto de 537 sonetos alexandrinos, que podem ser lidos individualmente. No conjunto, formam uma narrativa, um romance. Bruno me convidou para um bate-papo na livraria Fnac: também em prosa, era douto, divertido, original. Posso estar enganado, mas acho que os jornais não registraram uma linha. Ou o fizeram com tal discrição, que é impossível lembrar. Ele fora banido também da academia. Bruno podia ser um pouco humilhante — e até intimidador às vezes — em várias línguas. Menos para quem era capaz de ser generoso consigo mesmo para aprender. E então ele era de uma gentileza extrema.Eu era seu amigo. Trabalhamos juntos. Ele sempre teve comigo uma lhaneza que talvez eu nem merecesse. Num tom entre amistoso e galhofeiro, chamava-me, às vezes, como a outros mais jovens do que ele, “filhinho”. Vivi dias felizes tendo-o como colega de redação nas revistas BRAVO! e República. Em tudo, um homem invulgar. Era a única pessoa que eu permitia postar-se ao lado do micro enquanto eu escrevia um texto. Com olhos de uma agilidade infantil, antecipava-se, às vezes, às palavras. E lá vinha: “Filhinho, por que a gente (sic) não escreve tal coisa?”. A gente? Bruno vivia dentro de muitos textos. Eles eram de todos e de ninguém.Estou triste, devastado por sua morte, com a sensação, comum nesses casos, mas incomum quando se trata de Bruno Tolentino, de que eu poderia ter aprendido ainda mais, de que talvez eu tenha falado demais e ouvido de menos. Bruno era genial, contraditório, fabuloso, no sentido mesmo da palavra. Sou, como sabem, aborrecidamente lógico, o que vale para os amigos, que acatam o defeito, e para os inimigos, que, às vezes, se enfurecem. Muitas vezes, eu o flagrei no que, para mim, era uma contradição inelutável. Apontava-a, como é do meu temperamento: “Não, não, filhinho, você não entendeu”. E a sua resposta saía então da literatura, da sua cultura imensa, de uma certa realidade mágica onde vivia o poeta Bruno Tolentino. Eu, terreno demais, dava-me então por vencido.Bruno fez um bem enorme à literatura e a seus amigos e, no pouco de mal que pode ter praticado, não atingiu ninguém, a não ser a si mesmo. E até isso era parte de sua obra. Foi, a meu ver, o último representante de um país que poderia ter sido. E que não foi e não será porque a política — também as políticas culturais — se amesquinha no populismo rasteiro, na apologia da ignorância, da pequenez. Bruno, ao lado de Faustino, morto tantos anos antes, tinha sede do épico.O velório está sendo realizado no Cemitério Santíssimo Sacramento — Av. Dr. Arnaldo, 1.200, em São Paulo. Seu corpo será enterrado amanhã, às 9h. Os que vão morrer o saúdam, Bruno Tolentino.
Por Reinaldo Azevedo

domingo, 27 de maio de 2007

Entre o nada e o infinito






Uma coisa vem me preocupando nestes últimos dias. Vim conversando com amigos meus, especialmente na faculdade, e expressei, de uma forma meio irônica, o meu desejo de chegar até o ano 2110. Pode parecer muito, mas estaria eu com 127 anos nesta data, o que não seria impossível, dados os avanços na biologia e na engenharia. Me espantou e muito as reações das pessoas! Cheguei a escutar alguém dizer que queria morrer automaticamente aos 80 anos, tudo com a desculpa de "não querer dar trabalho a ninguém". Outro amigo mais sincero disse "a vida é chata", e "fazemos tudo para matar o tempo". Por trás de tudo isto, está o ódio que inconscientemente temos à vida, e a nós mesmos, ao nosso coração, ao nosso desejo infinito, dado que ele não encontra resposta em nada. Já dizia Nietzsche no livro A gaia ciência: "este pendor para o verdadeiro, para a realidade, para o inaparente, para a certeza: como me dá raiva!" Outra amiga, seguindo Heidegger, dizia "o que dá sentido à nossa vida é justamente a morte", enquanto eu dizia "ninguém quer morrer! É mentira o que se diz! Até o mendigo que cata lixo na rua, o faz para sobreviver!" Mais coerente estava Sartre no seu livro O Ser e o Nada, que ateiamente concluía "a vida é uma paixão inútil, uma nadificação total dos nossos projetos".


Após a série de atentados que aconteceram nos Estados Unidos, na Espanha e na Inglaterra, terroristas islâmicos soltaram uma frase que me arrepiaram "Nós amamos mais a morte do que vocês a vida", e puseram João Paulo 2º de joelhos diante do Santíssimo Sacramento pedindo pelo Ocidente, pedindo pelo Ocidente que está entrando numa cultura da morte, de ódio à vida, enxergando na morte nada mais do que a solução de problemas (daí podemos entender o grande apelo supostamente humanístico da legalização do aborto e da eutanásia, por exemplo). O que está acontecendo é fruto do grande não que o Ocidente vem dando ao homem que se disse ser o caminho, a verdade e a vida, e na tentativa de chegar ao paraíso de forma autônoma e rebelde, desde o Iluminismo. Abandonando-o e de forma paradoxal, voltando-se contra si mesmo (pois o Ocidente nasce com os filósofos gregos, "sementes do Evangelho", segundo Santo Agostinho), o Ocidente não tem escolha, dessa maneira, a não ser o nada, a morte, o niilismo, o absurdo e o non-sense. É como disse o grande poeta Bruno Tolentino: "não há alternativa cultural ao cristianismo". Nosso coração se encontra numa encruzilhada: entre o infinito e o nada. O segredo é a recomendação de Ítalo Calvino: "olhar no inferno o que não é inferno", e estar atento à beleza, como dizia Pasolini: "Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito". Como disse Dostoiévski: "A Beleza nos salvará". E ainda Bento 16: "ela é promessa de infinito". É ela, a beleza, que nos revela o que verdadeiramente somos: ânsia, tensão, desejo infinito de vida, do belo, do que é bom e melhor, o que uma cultura da morte quer inegavelmente abafar, querendo nos afogar no nada e no desespero. É ela que nos revela nossa aspiração, nosso desejo, e que o nosso destino não é a putrefação horrorosa da morte, mas uma vida cem vezes mais interessante, já aqui mesmo, nesta vida.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Papa João Paulo II



Papa João Paulo II

O sino toca anunciando a morte do Papa.
A estátua de Pedro com as chaves na mão é a lembrança em pedra da contínua sucessão apostólica.
Fiéis, monjas, monges, padres, freiras, irmãos, irmãs, a família católica reza o terço. O terço que Sua Santidade pedira a todos que rezassem diariamente pela Paz na Terra.
Por essa Paz viajou o mundo todo, reuniu pessoas de todas as etnias e todas as religiões, abraçou culturas diferentes, beijou o solo, visitou aquele que o tentou matar, pediu perdão por todas as omissões dos Papas anteriores, abriu de par em par as portas para o Ecumenismo, a Inter religiosidade. Chorou a dor do mundo. Orou pela justiça e pela Paz. Deixa saudades, deixa um rastro de luz, de trabalho contínuo e conservador das tradições da Igreja.
É preciso orar com fé transformando a nós mesmos na oração pura, na meditação que nos transforma e assim transforma tudo que é.
Houve vigílias por toda a Terra. Lamparinas e velas. Preces, orações, lágrimas e tristeza acompanhando sua partida.
Queriam sua presença, sua vida, sua mente, sua benevolência, sua inteligência, seus conselhos, suas bênçãos. A sua voz já não é mais ouvida. Sua face em dor, fotografada e por nós sentida, invade nossos olhos e leva à reflexão de que sofrer não é pagar pecado, é parte da vida.
Despediu-se pouco a pouco. Como que nos dando tempo de compreender a morte e dar a ela as boas vindas. Pudemos acompanhar sua Via Crucis, seu martírio e o vimos humano, sofrendo sem esconder a dor. Nem poderia.
Queríamos que morresse tranqüilo, sem sofrer, talvez dormindo, talvez sentado em prece e sua alma subindo ao céu num arco-íris deslumbrante?
No sussurro de seus aposentos particulares só os mais íntimos adentraram. Respeitando o momento sagrado da partida. Resoluções médicas e espirituais, políticas internas e internacionais.
O corpo cansado, que suportou tiros, insultos, viagens, transtornos, doenças, tristezas de ver o mundo revolto, de tanto rezar pelos pobres, excluídos, pela dignidade, pela justiça, pela paz e pela vida, foi se desligando dos problemas, das questões deste mundo e todos fomos acompanhando.
Mãos suaves e macias, de abençoar. Sua face rosada, a coluna que ficou arqueada. Nascimento, velhice, doença e morte, sem rancores.
Penetra Santo Papa na suave tranqüilidade merecida do silêncio de Nirvana.
Quando foi visto em sofrimento há poucos dias, houve quem pedisse o milagre de uma recuperação, sem perceber que sempre esteve são. Sempre esteve em santidade, na pureza da verdade. Limitações, com certeza, todos temos nesta Idade.
Na hora da morte que não é hora é átimo de segundo, abrem-se para nós os mundos resultantes de nossas ações, pensamentos, palavras. Que mundo se abriu, Sua Santidade?
Imaginamos a luz, Jesus, o vindo buscar. Imaginamos sua mãe com ramos a o saudar. Imaginamos a escada dourada que leva aos céus cercada de anjos lindos tocando música suave e doce.
O mundo o acompanha, João Paulo II, agradecendo e chorando. Há os que se lamentem, há os que compreendem, há os que em alegria o recebem no merecido repouso.
Missão cumprida.
E a Santa Sé se prepara para conclaves e escolhas, decisões que não se tomam à toa. Grupos e pensamentos, políticas e estratégias. A Igreja continua. E haverá um novo Papa, a sentar em sua cadeira, a usar o seu cajado, a abençoar da janela e a orar no Vaticano. E mais uma vez nos lembramos que nada pertence ao ser. Tudo passa, tudo surge e desaparece. Nessa transitoriedade há também uma reciprocidade, uma interligação. Nada existe por si só. Intersomos. Na vida e na morte. Sem medo de viver, sem medo de morrer. Instante após instante apenas o Inter Ser - a constante transformação.
Que os Budas e Bodhisatvas, Seres Iluminados e Benfazejos de norte a sul, leste a oeste, sudeste a sudoeste, nordeste a noroeste, de cima e de baixo, do presente, do passado e do futuro o acompanhem nesta jornada para o Grande Nirvana, a Grande Paz.
Que Suas bênçãos sagradas recaiam sobre todos nós e que a Terra se cure para que possamos viver respeitosamente irmanados, compartilhando e cuidando ternamente de cada pequena forma de vida e de todas as diversas maneiras de ser e de pensar, que formam a Vida.
“Na Casa de Buda, vida e morte são os móveis.”
Além da vida e da morte, repousa Santo Papa. Repousa. Com nossa gratidão, respeito e saudades.
Que a Sabedoria Suprema ilumine as mentes dos Cardeais reunidos a portas fechadas para a decisão que beneficiará todos os seres. Mãos em prece.
Monja Coen

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

A biografia do pecado original

Para quem acredita que o pecado original é mais uma lenda inventada pela Igreja, aconselho a ler o clássico de Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas, que acabei de ler ontem. É uma verdadeira biografia, documentação do pecado original. E o que é o pecado original? É o simples fato, a simples constatação de que nós não podemos nos dar a felicidade que tanto desejamos (e que por isso precisamos de alguém que nos salve). Quem olhar para a própria experiência sem preconceito, se dará conta facilmente disso. E Machado registra isso de forma magistral. Vale a pena ler!

domingo, 28 de janeiro de 2007

Simplicidade

Santa Terezinha, morta em 1897, é uma das personalidades mais admiráveis da modernidade. Infelizmente, em relação aos santos, se mistifica muito mais do que qualquer outra coisa, e logo eles perdem a carne e os ossos, e o que é pior: perdemos nós a notícia de que, assim como eles, também nós podemos ser santos.
Tereza de Lisieux não foi santa porque fez prodígios, milagres, ou apareceu, foi santa porque numa época niilista, ousou crer, foi uma revolucionária do seu tempo, e a Igreja hoje a reconhece: proclamou-a doutora da Igreja e co-padroeira das missões, junto com São Francisco Xavier, a ela que nunca saiu do convento. Ela, que queria verter o seu sangue anunciando o Senhor Jesus nas missões mas não pôde, acabou derramando-o numa tuberculose que custou sua vida... Terezinha é uma mulher admirável, e toda esta riqueza de seus vinte e quatro anos de vida pode ser conferida no belíssimo livro que ela deixou para a posteridade: História de uma Alma. Lá, ela fala uma coisa que me tocou muito. Fala citando um dos livros do Antigo Testamento, o Livro da Sabedoria. Lá, a Sabedoria (o Logos Divino, a Ratio, que mais tarde se faria carne na Virgem Maria) diz: "Quem for simples, venha a mim" (cf. Sb 9,4). Eu por muito tempo fui tocado, mas não entendi, eu que sempre senti atração pela complexidade, ouço a Sabedoria dizer: "quem for simples, venha a mim" (Sb 9,4), logo eu, que sempre desejei a sabedoria, e sempre fui tão complexo...
Para complicar ainda mais a questão, re-assisto a uma entrevista de Clarice Lispector no You Tube, na qual ela diz: "o que eu escrevo é simples". E eu sempre a achei complicada. Nunca a entendi. Sempre a pulava. Como com Machado. Sempre começava a ler. E sempre inacabava. E nunca entendia, o que era pior. Re-li sua novela magistral, A Hora da Estrela, e achei de fato, simples. Neste ano que passou, tornei-me viciado (literalmente!) em Machado de Assis (estou tornando-me viciado pela realidade), e agora, finalmente, parece que vou conseguir terminar o seu Memórias Póstumas de Brás Cubas. E estou impressionado com a atração que Machado está tendo sobre mim. Mas não é Machado, é a simplicidade. Machado, como Clarice, são terrivelmente simples. E por que não os entendemos? Porque somos terrivelmente complexos.
O que quer dizer complexidade? Eu diria numa palavra simples: confusão! A complexidade deveria ser um maior amontoamento de fatores, mas hoje quer dizer perda do significado unívoco, unitário. Não sabemos mais o que é o todo, o significado do todo, seccionamos a realidade em milhares de especialidades e não sabemos mais o que toda a realidade significa, por isso não entendemos Machado nem Clarice, porque eles são simples, e nós, complexos. A complexidade é confusão, e a confusão é uma névoa de fumaça entre nós e a realidade, nos impede de ver a realidade, de estar diante da realidade, no máximo podemos discutir sobre a realidade, mas não estar diante do real.
A sabedoria, cujo outro nome é verdade, exige que estejamos diante da realidade, e não diante dos discursos que se fazem sobre a realidade, senão a confusão reinará e nós não entenderemos mais nada, nem a nós mesmos, quanto mais Clarice ou Machado. Infelizmente, a pedagogia moderna vai na contramão disto. O educador Edgar Morin fala sempre na "educação à complexidade", que na prática, é uma educação à confusão, ao blá-blá-blá, à construção e análise de discursos, mas nunca a uma descoberta apaixonada e fascinante da realidade. Não é à toa que até os títulos de seus livros pouco querem dizer, parecendo mais mero jogo de palavras que qualquer outra coisa, tipo "O humano do humano", "A natureza da natureza" etc. Tudo o que a modernidade precisa é voltar à realidade tal como ela é, ou seja, de simplidade. Mas eu acho que toda essa complexidade, ou melhor, essa confusão, essa nuvem de fumaça, é uma forma de evitar olhar para o legado de niilismo que a modernidade nos deixou.

A Invenção da Ideologia

Ia falar sobre Ideologia, mas prefiro deixar aqui notas da aula do poeta Bruno Tolentino, realizada no Instituto Feminino da Bahia, no dia 28 de julho de 2004 sobre a Invenção da Ideologia. Segue abaixo:

"Um retrato nunca é a realidade. Havia uma tendência à deificação da ilusão. Toda pintura ocidental é ilusão; representa-se uma parte da realidade. A diferença entre a realidade viva e a representação do real é que a representação pode ser representada de novo. O real vivo precisa ser defendido contra toda representação; nada pode substitui-lo; o que é é preferível àquilo que poderia ou deveria ter sido (em nome de "um mundo melhor" matava-se o "mundo pior"). A Era Moderna, especialmente o século XVIII do Iluminismo (que não deixa de ser luz, embora ingênua) é a era da verificação do real. O Iluminismo passa a investigar a natureza do real. A positividade do real é inexorável, a defesa do real deve ser preferida; devemos preferir aquilo que é, que existe, é melhor que a fantasia. As tragédias que aconteceram são fundamentais para sermos aquilo que somos hoje; o mundo como idéia é uma distorção do mundo como fato. Se abrirmos mão disso, caímos no subjetivismo mais profundo. A invenção da ideologia não depende de nós (a invenção da liberdade não depende de nós). A doença do homem é pensar que tem os meios de saber o que é bom. Não posso possuir a sabedoria, posso amá-la. A realidade do século XVIII é procurar saber; é o dever de ser cético. Temos o dever do ceticismo, de verificar aquilo que nos foi dado. A má notícia do Iluminismo é que é que ele traz de volta a perspectiva, e o homem torna-se meramente histórico. Na mistagogia, não há essa espacialização do tempo, e ele pode se tornar a ante-sala da eternidade. Todos temos história, a História não é perfeita. O cortejo da modernidade passa pelo "arco do triunfo" da 1ª máquina de matar: a guilhotina (o século XVIII termina sendo o "século do terror"). É claro que o século XVIII foi a culminância de um processo de desmitificação da realidade; mas aí também se procede a invenção da ideologia (não se precisa tornar tudo cabível num arcabouço teórico).
O pai da Ideologia é Hegel em "A Fenomenologia do Espírito". Na Ideologia, não se tem mais o direito de se ter uma idéia; a Ideologia cria um sistema perfeito. A convenção não faz a coisa. A matemática é uma teoria do universo que compomos. No espírito de sistema, transformamos a representação da realidade na realidade. Na Ideologia, transformamos uma brincadeira em realidade. Com a entrada do espírito de sistema, desaparece o dever de ceticismo (que é a glória do Iluminismo). O auge da percepção do real chegou com Montaigne e Pascal, para ficarmos no óbvio. A coerção que o real traz às nossas idéias mais justas é preferível. É preciso segurar nossa tendência de "curar o real à tapa". Dar lições na realidade é uma das lições mais ridículas que a humanidade já se arrogou. A 1ª coisa que desaparece é o ouvir. A Ideologia é inventada para que a realidade seja melhorada de qualquer maneira. O desafio é suportar a companhia da realidade; o desafio da nossa inteligência é conviver, todos os dias, com o real (isso é o que nos separa do louco). Temos hoje também o complexo de Prometeu (o prometeísmo, que rouba o fogo dos deuses). A realidade não é a soma dos nossos esforços; é isso tudo mais aquilo que nos surpreende. Essa intenção de interferir na realidade para que as coisas progridam nos é pedida por Deus (no Antigo Testamento), mas convém não exagerar- a realidade corrige a si mesma. Parábola sufi: Moisés, Jesus e Maomé escolhem, diante de Deus, três taças. Moisés escolhe o mel, Jesus o vinho e Maomé o leite. Somente o vinho é humano, produzido pelo homem. O leite é aquele que sustenta (Moisés escolheu o mais doce); o Islã provê aquilo que é necessário ao homem, não corre o risco da abstração. Os judeus têm uma capacidade de discutir, de complicar. No cristianismo também existe isso por causa do chamado à perfeição. A capacidade de procurar, questionar-se no cristianismo é inexaurível. "A Sabedoria não é para ser atingida, e sim perseguida. Uma vez atingida a Sabedoria, ela é Loucura."
Nunca temos uma resposta suficiente para os "porquês" e "comos". A grande mudança nos séculos XV/XVI é a introdução da perspectiva (na época da queda de de Constantinopla em 1453).a loucura é trocar o "por que" das coisas pelo "como" delas. Machado e Dostoievski entram nessa lógica.No poema de Machado A Mosca Azul, o fundamental é isso: a troca do "por que" pelo "como". O homem começa a refletir-se na sua própria ilusão. Quando o homem não aceita o mistério diante de si, ele se confunde com sua ilusão; sujeito e objeto tornam-se um só, reina a subjetividade. "A Mosca Azul": este mau poema (forçosamente mau) de Machado é um dos maiores poema da estilística brasileira." Bruno Tolentino

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Empreendedor?

Há alguns meses, a revista Exame divulgou uma reportagem com um dado (não lembro a fonte) dizendo que o Brasil era o 7º país mais empreendedor do mundo. Isto é verdade. Este que vos escreve, encarnação da nova direita do Brasil trabalhou durante dezoito meses numa comunidade da capital baiana e viu a realidade daqueles que estão no nível da indigência (desde então sou um ferrenho defensor do Bolsa Família, embora abomine o mau-uso que se faz dele), e as pessoas são de fato, empreendedoras. Mas a revista erra num ponto: eu não chamaria o que o brasileiro faz de empreendedorismo, chamaria de se-viracionismo, se-vira-nos-trinta mesmo. O brasileiro não tem mentalidade empreendedora. E nisso a revista erra. E feio. Dou exemplos da minha vida. Fui hoje, às 19h25, num sebo (quem quer salvar com urgência seus neurônios corra aos sebos: além do preço ser bem mais acessível, lá, 80% não é lixo, como nas livrarias). O sebo funciona numa casa residencial e os livros ficam na sala de entrada. Como a luz da sala estava acesa, bati na porta só para saber o horário do funcionamento. A dona do sebo me atendeu com muita má vontade, dizendo que o sebo funcionava até às 17h30 ou 18h00. Saí pensando "tem gente que não gosta de ganhar dinheiro mesmo". Depois fui a uma locadora de filmes para locar O Iluminado, de Stanley Kubrick, e o atendente mal sabia atender, eu-que-me-virasse. Terminei levando o filme, mas por interesse meu que não quero ver mais debilidades mentais, e não por esforço do vendedor. Situações como estas já passei inúmeras vezes. Onde está a mentalidade empreendedora? Onde a vontade de empreender negócios? Não vou cair nas ondas dos gurus da administração que dizem "o cliente é o rei", e coisas do gênero, que ganham dinheiro para dizer o óbvio, ou como os otimistas da moda que acham que a salvação está no empreendedorismo, ignorando o papel dos governos e da situação macroeconômica, mas é uma falsidade dizer que o Brasil é um país empreendedor... é no máximo o país do se-vira-nos-trinta, pois na maioria dos casos, não tem outro jeito mesmo.

A nova direita do Brasil




A minha foto ao lado com Heloísa Helena, à direita, por sinal, diz tudo: é a imagem da nova direita do Brasil- segundo o PT e seus asseclas.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Amigos até que a morte nos separe

Milan Kundera em seu belíssimo livro A Insustentável Leveza do Ser trata principalmente da individualidade humana esmagada num país oprimido pela ex-União Soviética, a antiga Tchecoslováquia. Ele mostra também como o ser se despedaça na condição de ateísmo que foi imposta pela opressão comunista. E mostra também a realidade dos cães. Ele dedica um capítulo inteiro a Karenin, a cadela de um dos casais protagonistas do livro, e descreve de uma forma comovente, a morte de Karenin, vítima de um câncer na pata. Faz paralelo incrível com a famosa morte da cadela Baleia do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Numa sociedade cada vez mais tecnicizada, laicista, individualista, na qual os vínculos são cada vez mais estilhaçados, o amor dos cães vem recordar a nostalgia original que temos do amor. E fato, escreve Milan Kundera [adaptado]: "O amor dos cães é divino. Eles não sofreram com o pecado original. O amor gratuito deles é um reflexo direto do amor de Deus". Para quem gosta de cães, a revista Veja desta semana preparou um especial sobre cães totalmente disponível no site http://veja.abril.com.br/240107/p_068.html, que tem ainda uma entrevista com o autor do best-seller Marley & Eu. Acho que vale a pena conferir! Depois de tanto horror, os cães nos ajudam a sair de nossas trevas diárias: chamam nossa atenção onde há opressão e fragmentação, e inflamam nosso coração para nossa verdadeira exigência humana: exigência do amor! Quem lê entenda!

domingo, 14 de janeiro de 2007

Um preconceito positivista

Nada como os leitores... são tão importantes que Machado se propõe a dialogar com eles. Bem, um comentário de um leitor me instiga, aqui da Cidade Maravilhosa a escrever este texto. Eu gostaria de falar sobre o preconceito positivista acerca da religião. Auguste Comte, fundador do positivismo dizia que a evolução do espírito humano se deu em 3 níveis: mágico-religioso, metafísico e positivo, que corresponderiam à infância, adolescência e adultez. O nível de incompreensão acerca do significado do termo evolução e sua confusão com o termo desenvolvimento é algo que foge ao propósito deste texto. O que ocorre no espírito humano é desenvolvimento, não evolução. É um desconhecimento tremendo da teoria evolucionista que ocasiona tão grande confusão. É um preconceito monumental e eurocêntrico a idéia de que os povos religiosos são primitivos ou que estão na infância do espírito. É fruto de uma Europa que disse um grande "não" a si mesma, pois a Europa, tal como existe hoje, é fruto do cristianismo. Basta ter olhos para ver. A presença e influência do cristianismo é monumental. Este preconceito é fruto de uma birra adolescente, fruto do fundamentalismo laico, que busca colocar a religiosidade como algo irracional, fruto do primitivismo e da "infância do espírito". Pelo contrário, a religiosidade é estrutural, inerente ao espírito humano. Um forte espírito anti-clerical, uma grandiosa pretensão da razão iluminista fez Comte, Marx e Freud rejeitarem a natural religiosidade do humano. Até mesmo um vigoroso combatente do cristianismo, Nietzsche, afirmava uma religiosidade, mesmo que não-cristã. O poeta T.S. Eliot intuiu isso quando escreveu nos Coros de A Rocha: "Onde não existem templos, não existem moradas". O próprio Comte se contradisse em vida quando fundou em vida a "religião da humanidade", uma paródia clara do catolicismo. Portanto, a religião não é ideologia. É um fato, é natural, é estrutural ao espírito. E quanto ao cristianismo, fazendo uma análise rigorosa, não é uma religião, mas é um fato: um homem que se disse ser Deus. Como dizer que o fato mais abundantemente documentável é uma ideologia? Só a presunção de quem não quer ver o que está à sua frente e olhar a própria experiência que vive, pode dizer que a religiosidade é ideologia... puro preconceito!

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Sobre as nossas contradições

Por mais que não queira, tenho que admitir: sou um pós-moderno. E uma contradição. Machado diz que a essência do homem é a contradição. Mas por que digo isso? Há duas postagens disse que era "inatual". E sou mesmo. Em 14 de novembro passado fui chamado de "careta" porque disse que ia ler Os Sofrimentos do Jovem Werther, enquanto dizia que uma maluqueira moderna não valia minha perda de tempo. Ao mesmo tempo, estou aqui ouvindo Pitty, com a página do orkut aberta e lendo meus e-mails. Coisas típicas do homem pós-moderno. Mas as contradições não param por aí. À uma hora da tarde de ontem estava conversando com amigos marxistas revolucionários e condenando a revolução; já às nove da noite estava defendendo o Programa Bolsa Família contra a direita raivosa anti-PT. Condeno ao mesmo tempo as pretensões totalitárias de Chávez, a imbecilidade de Evo Morales (ou será Imorales por ter assaltado o Brasil?) e a debilidade mental do presidente dos Estados Unidos George W. Bush... contradições nossas de cada dia que fazem parte do nosso mundo. E devemos aceitá-las, porque senão caímos num erro antigo: o maniqueísmo, combatido de forma tão veemente por Santo Agostinho. De fato, o maniqueísmo representa uma grande tentação do pensamento humano: a racionalização do Mal, a divisão do mundo entre bonzinhos e mauzinhos. A esquerda e a direita adoram fazer isso, satanizarem uns aos outros, pelo simples gosto de se sentirem cada uma, a boa, a bela e o que há de melhor. Esta é a receita para o totalitarismo, a perseguição, o massacre e a morte, em nome do bom, do belo e do que há de melhor. Em nome do bom, do belo e do que há de melhor, a Inquisição cristã matou 300 mil pessoas em 300 anos, a 2ª Guerra Mundial 58 milhões de pessoas em 6 anos, e o comunismo, 100 milhões de pessoas em 70 anos, sendo 70 milhões somente na China, e o lobby abortista mata inumeráveis não-nascidos na atualidade. Por isso, o escritor Gustavo Corção disse que é uma estupidez tanto ser comunista como anti-comunista. Não há muita diferença entre as diametralmente opostas posições. Ambos o fazem em nome do bom, do belo e do que há de melhor, e no auge de suas posições, matariam em nome desse mesmo bom, belo e o que há de melhor. Isso se chama "ideologia". Contra ela, a melhor posição é omandamento do Logos que se fez carne no Natal: "Amai ao próximo como a ti mesmo". É arriscar no contragolpe da contradição do real. É a vitória contra a loucura e a ideologia; é o amor ao real e a sabedoria.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Clarice e a realidade

"Eu prescindo da realidade por que posso ter tudo através do pensamento. A realidade não me surpreende. Mas não é verdade: de repente tenho uma tal fome da 'coisa acontecer mesmo' que mordo num grito a realidade com os dentes dilacerantes. E depois suspiro sobre a presa cuja carne comi. Por muito tempo, de novo, prescindo da realidade real e me aconchego em viver da imaginação" Clarice Lispector 

sábado, 6 de janeiro de 2007

Um blog de combate

Este será um blog de combate: desejará combater a burrice, a estupidez, a debilidade mental! E portanto, um de seus alvos será o bushismo, epíteto de toda essa maluquice! Mas não apenas ele: o fascismo de esquerda histérico e o fascismo islâmico não escaparão! Combater a barbárie que essa gente quer implantar no mundo deveria ser tarefa de todos: por favor, salvem nossos neurônios! A execução de Saddam foi um dos atos de maior agressão aos direitos humanos, barbárie e selvageria que se pode imaginar! Um retrocesso monumental! E feliz 2007!

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Dai à obra de Marta um pouco de Maria

Machado de Assis

Dai à obra de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco ereto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.

A doce mãe não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dous aonde um até 'qui vivia,
E o trabalho haverá menos difícil custo.

Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.

Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um pouco de Maria.

A absurda ligação da esquerda com o Islã

A esquerda realmente me espanta com os seus absurdos, como a histérica defesa do aborto, que é pura e simplesmente assassinato de um ser indefeso em nome daquilo que supostamente seria "o bom, o belo e o que há de melhor": na verdade, a morte.
A pecha de direitista, ultraconservador ou coisas do gênero não freiam minha oposição a este crime horrendo, que na minha concepção vai contra toda exigência de justiça, que pra mim, deveriam ser o apanágio da esquerda. Há alguns dias fui chamado de socialista, revolucionário e até maldito simplesmente por defender a dignidade do trabalhador, de um lado, e de outro por ser contra uma organização ultra-conservadora (esta sim) da Igreja. Portanto, rótulos não me metem medo.
Assim sendo, chegamos ao nosso termo: a absurda ligação entre a esquerda e o Islã. Que ligação pode haver entre uma fina flor da nossa civilização moderna e ocidental, nascida na Revolução Francesa de 1789, que deu origem incontestavelmente- apesar dos protestos da direita, e de várias burrices históricas da esquerda- a avanços espetaculares no mundo ocidental, e aquilo que de mais atrasado existe no mundo, que é o fascismo islâmico, entre a vanguarda e as ditaduras mais sanguinolentas, onde não há separação entre religião e Estado, nem respeito aos direitos humanos, nem às mulheres, e nem liberdade econômica, religiosa ou política (salvo raríssimas e honrosas exceções, como o Irã)?
O fato é que o Ocidente se odeia; se odeia porque esqueceu de si mesmo. A vanguarda quer avançar sem olhar a tradição, com medo do tradicionalismo. E aí, passa a querer destruir tudo. De fato, os últimos séculos e especialmente as últimas décadas foram um período de especial destruição do patrimônio histórico-cultural da civilização greco-judaico-cristã, que aqui chamo de moderna ou ocidental, até chegarmos à tecnocracia non sense na qual estamos imiscuídos, no absurdo, como retratam filósofos como Sartre e escritores como Camus. Chegando ao niilismo total, e sem ter o que destruir, sem causas efetivas para defender desde a implosão da URSS, a esquerda abraça o fascismo islâmico, em nome de ser contra "a direita", num absurdo monumental, como nunca se viu. Só reconhecendo, aderindo e amando a própria origem é que a vanguarda de esquerda, de forma lógica e coerente vai poder construir um mundo mais justo e menos desigual, porque as sementes deste mundo estão no Ocidente e a esquerda nasceu nele e dele. Não é voltando ao mundo antigo, defendendo posições nazistas e eugênicas como o aborto ou abraçando absurdamente o fascismo islâmico que a esquerda vai encontrar o seu caminho.

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

O Natal e a civilização

Não é apenas um menino que nasce na manjedoura em Belém, no Natal. Toda a civilização que hoje se chama de ocidental surge lá naquela gruta, onde Maria deu à luz a Jesus.
A civilização ocidental ou moderna, que por mais que queira, não deixa de ser fortemente cristã, se esboça primeiramente no século VI a.C., onde os filósofos como Sócrates e Platão, sucedido por Aristóteles, buscavam a verdade objetiva, para-além dos mitos, verdade que batizaram de Logos ou Ratio, razão. Todo esse movimento deu origem à filosofia, que significa amor à sabedoria, ou à verdade. Isso propiciaria uma primeira globalização, primeira unidade realizada por Alexandre Magno, realizada pelo grande sincretismo entre o helenismo e o orientalismo, e depois com a cultura romana. Tal sincretismo gerou uma síntese única e um intercâmbio entre povos, culturas, idéias, escolas filosóficas e religiões, num universalismo de causar inveja aos iluminados da Ilustração. Não é à toa que o apóstolo Paulo, culto, chama a este de "a plenitude dos tempos" (cf. Gl 4,4). E de repente, no meio deste gigantesco sincretismo, e de uma forma inesperada, nasce um menino. Um menino como todos os outros, mas que vai revolucionar este mundo pouco tempo depois. De fato, isto é um evento, um acontecimento, um menino que nasce. E o apóstolo João vai dizer que "o Logos se fez carne" (cf. Jo 1,14). Para os cristãos, a fé é exatamente um acontecimento: um menino que nasce. Antes de ser uma doutrina, ou um conjunto de normas e regras morais e ascéticas, o cristianismo é um anúncio deste evento: que o Logos dos filósofos, a Ratio, a Verdade se tornou carne, e nasceu. E conseqüências inauditas e inesperadas advêm deste fato. Surpreendentemente, 50 anos após a morte de Cristo na Cruz, todo o Império Romano estava tomado de comunidades cristãs, que eram violentamente perseguidas. Menos de 300 anos após a morte de Cristo, o cristianismo se tornou aceito e em 391 d.C. foi proclamado como a religião oficial do Império. Em 476 d.C. o Império caiu, e os cristãos ficaram. E mais: como a única instituição de pé. A Igreja salvou a civilização, várias vezes, não apenas contra os bárbaros, mas contra o Islã na batalha de Poitiers (732 d.C.) e na Guerra de Reconquista (732 d.C.- 1492 d.C.), origem da Espanha, Portugal e de certo modo, da América Latina, enquanto cultura e civilização. Mesmo os desenrolares posteriores do Ocidente sempre estiveram em relação com o cristianismo e com a Igreja. Sempre a favor, ou contra. O fato é que a civilização ocidental ou moderna não consegue se desvencilhar daquele menino que nasceu na gruta de Belém, ora aderindo amorosamente ao anúncio do seu evento, ora perseguindo-o violentamente nas pessoas dos seus seguidores. O menino que plasmou e moldou a nossa civilização.