segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Marxismo e cristianismo

Minha primeira forte oposição ao marxismo é porque este declara-se ateu, pondo a religião como ópio do povo, e apresentando o homem como "construindo-se a sim mesmo por meio do trabalho" (o contrário da fé cristã). Lenin diz: “O marxismo é o materialismo. Por este título ele é tão implacavelmente hostil à religião, quanto o materialismo dos enciclopedistas do século XVIII ou o materialismo de Feuerbach. (...) Devemos combater a religião. Isto é o a-b-c de todo o materialismo e, portanto, do marxismo. (...) Nossa propaganda compreende necessariamente a do ateísmo”. Lenin assim se manifestou também, em 1905: “A religião é uma espécie de má vodka espiritual no qual os escravos do Capital afogam seu ser humano e suas reivindicações para com uma existência ainda pouco digna do homem”. Deste ponto de vista, compreende-se que o marxismo como pensamento é completamente incompatível com o cristianismo ou mesmo com o reconhecimento do Mistério criador.

Enquanto isso, o Apóstolo Paulo disse, no Areópago de Atenas, o centro mundial da cultura naquela época: "Paulo, em pé no meio do Areópago, disse: Homens de Atenas, em tudo vos vejo muitíssimo religiosos. Percorrendo a cidade e considerando os monumentos do vosso culto, encontrei também um altar com esta inscrição: A um Deus desconhecido. O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio! O Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, é o Senhor do céu e da terra, e não habita em templos feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos de homens, como se necessitasse de alguma coisa, porque é ele quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas. Ele fez nascer de um só homem todo o gênero humano, para que habitasse sobre toda a face da terra. Fixou aos povos os tempos e os limites da sua habitação. Tudo isso para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós. Porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser, como até alguns dos vossos poetas disseram: Nós somos também de sua raça... Se, pois, somos da raça de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra lavrada por arte e gênio dos homens. Deus, porém, não levando em conta os tempos da ignorância, convida agora a todos os homens de todos os lugares a se arrependerem. Porquanto fixou o dia em que há de julgar o mundo com justiça, pelo ministério de um homem que para isso destinou. Para todos deu como garantia disso o fato de tê-lo ressuscitado dentre os mortos." (Atos 17, 22-31)

Sobre o que é o homem, diz Marx: "Um ser se considera independente somente quando é dono de si, e é dono de si somente quando é devedor a si mesmo da própria existência. Um homem que vive da graça alheia considera-se como um ser dependente. Mas eu vivo completamente da graça alheia quando sou devedor para com o outro, não somente do sustento de minha vida, mas também quando este, além disso, criou a minha vida, é a fonte da minha vida; e a minha vida tem necessariamente um tal fundamento fora de si, quando não é a minha própria criação (...) Sendo que para o homem socialista toda a assim chamada história do mundo nada mais é se não a geração do homem por meio do trabalho humano, nada mais que o porvir da natureza do homem, ele tem a prova evidente, irresistível, do seu nascimento através de si mesmo, do processo de sua origem" (MARX, 1968, Manuscritos econômico-filosóficos, pp.122-125).

Isto vai de encontro ao que diz a Revelação, em Gênesis 1, 27-29: "Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou: Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. Deus disse: Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento". E também em Gênesis 2, 7: "O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente". Para a Revelação o homem é criado por Deus e dependente dEle, ou retomando São Paulo "porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser" (Atos 17, 28). A oposição entre marxismo e cristianismo não é apenas ideológica ou uma mera questão de opiniões, ela é ontológica. Ambos são radical e profundamente antípodas um do outro, como tentei mostrar.

domingo, 8 de novembro de 2009

Diante da imponência dos fatos

Os últimos dias têm sido extremamente impressionantes para mim porque o Mistério, ou melhor dizendo, Cristo, tem se mostrado tão evidente, que a fé tem se tornado de fato o que ela é: não uma sugestão, nem uma vontade, mas um reconhecimento, o reconhecimento de um Outro que faz tudo, que está no meio de nós, a nosso favor, e mais ainda, tendo piedade do nosso mal, da nossa traição, da nossa mesquinhez, nos escolheu!
O que tem me deixado mais fascinado por Cristo nos últimos dias é isto: que nada pode detê-lO, nenhum mal meu ou de quem quer que seja pode deter a Sua iniciativa a meu favor. Um grande amigo meu, o poeta Bruno Tolentino (1940-2007) me disse uma vez que, quando Deus pega alguém pelo cabelo, Ele não solta jamais. Porque pra mim, esses últimos dias têm sido isto: estar sendo pego "de jeito" pelo Mistério. Minha vida tem se transformado num redemoinho, talvez pela minha teimosia, e pela minha desobediência, ou, melhor, pelo Seu amor, pela Sua misericórdia infinita, Ele tem me pego pela mão, me posto num vórtice, num redemoinho e me diz: "Coragem! Sou Eu! Não tenha medo!"
Ele me mostra isto pelos encontros que eu fiz em Belo Horizonte, pela acolhida de Camila e de seus pais que acolheram a mim e a mais cinco amigos. Também agradeço a estes amigos a amizade e peço que o Senhor faça dela um bem para toda a Igreja e toda a humanidade. Sou nada, sou pó e sou mesquinho, mas o desejo do meu coração é infinito. Se esta amizade não for para toda a humanidade, para que serve? É burguesismo puro!...
Também me provocou muito o casamento de Marcelo e Ariane, ali se vê o que se quer dizer quando se compara o matrimônio com a união de Cristo e da Igreja... a amizade com todos, a felicidade estampada, juntamente com as presenças de Dom João Carlos e do padre Nascélio, somada à carta enviada por Bento XVI nos evidenciam a excepcionalidade deste acontecimento.
Para completar o quadro, ontem aconteceu a Coleta Nacional de Alimentos, pontuada por toda a sorte de graças e milagres, sendo que para mim o maior é a proximidade e a amizade com grandes amigos de Aracaju.
Contemplando todo este espetáculo, eu só me perguntava: "quem sou eu, Senhor, para que Tu me ames tanto? Quem sou eu, Senhor, para que Tu te estreites tanto a mim? Quem sou eu, Senhor, para que Tu me ames com tanta ternura?"
Diante da imponência destes fatos, só posso dizer como os apóstolos, quando estavam na barca diante da praia, diante do Senhor, que com tanta ternura, preparava peixe assado para os seus amigos: "É o Senhor!"
Diante de tanto amor, só se ergue um grito no meu coração: "Maranatha! Vem, Senhor!"

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Padre Pio e eu

A minha amizade com o Padre Pio começou no ano passado quando um amigo meu, André, disse que fez novena para vários santos, e não teve seu pedido atendido, até que fez... para o Padre Pio. Pensei comigo mesmo "este Padre Pio deve ser poderoso mesmo". Comecei a rezar, e vendo que fui atendido, continuei. Depois de "fazer uma aposta", resolvi continuar com o que estava dando certo.

O Padre Pio entrou com mais força em minha vida quando descobri que um dos meus grandes amigos e hoje afilhado de crisma, Ramon, nasceu no dia dedicado ao santo Padre Pio: 23 de setembro.

Desde então, a minha proximidade com o santo de Pietrelcina só tem aumentado. Eu e outra grande amiga, Milena, rezamos para o Padre Pio, pedimos pela cura e recuperação do pai de outra grande amiga nossa, Francesca.

Quando fui visitar o filósofo Olavo de Carvalho, na Virgínia (EUA), lá estava o bendito padre representado em uma imagem, e eu soube que a conversão de Olavo ao catolicismo se deveu muito à intercessão do santo de Pietrelcina, tanto é que o filósofo sempre invoca o santo Padre Pio antes de começar os seus programas.

Durante todo este ano tenho invocado o Padre Pio, por várias coisas, inclusive pedindo pelo pai de outro grande amigo, que teve câncer na próstata. Para completar o quadro, ainda soube que a mãe de outro grande amigo, o padre Ignazio, se confessou com o Padre Pio: está explicada a alegria deste cara! A mãe dele recebeu uma graça especial! O Padre Pio tem sido uma presença constante nestes últimos meses e eu espero que continue assim por toda a minha vida!

A graça que eu peço ao Padre Pio é a graça de que o meu amor à Nossa Senhora se eleve ao infinito. Porque ela é que vai salvar o mundo! Como diz Julián Carrón: "Aconteça o que acontecer, Nossa Senhora existe! É um fato!" Por isso se opõe, ainda hoje, com a sua simples presença a qualquer espécie de niilismo! O Padre Pio, que morreu chamando o nome de Maria é a prova viva disso!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

8 anos depois

Não é possível expressar o sentimento que tive quando entrei na Saint Paul Chapel (Capela São Paulo), pequena capela anglicana, situada nas vizinhanças do Ground Zero, em Nova York, onde há oito anos aconteceram os ataques às Torres Gêmeas, e para onde acorreram as pessoas desesperadas me busca de socorro naquela manhã de terça-feira.
Quando eu estive lá, eu senti todo o desespero que deve ter ocorrido. Porque as ruas do centro financeiro de Nova York são muito estreitas! Wall Street é mesmo um corredor! Foi uma grande dor que eu senti quando entrei lá e de lá da capela, vi o Ground Zero, e o buraco gigantesco, como ainda está lá.
Por outro lado, me senti privilegiado pelo fato de estar "na cena do fato", no local exato onde começou um século e terminou outro. O século XXI começava precisamente ali, oito anos atrás!
Fiz minha oração pelas pessoas que faleceram e pelas famílias e pela cidade, diante de um altar anglicano, porque este atentado me marcou muito na época, como ainda hoje. Me marcou pelo fato dos comunistas terem comemorado ao ataque, mostrando a sua real face, e me marcou também porque Nova York é a Nova Roma, a nova capital do mundo (não é à toa que a sede da ONU está lá), é uma nova Babilônia, mas uma Babilônia cristã, de onde a fé tem tudo para explodir. Não é à toa que na capela da sua principal universidade (Columbia) está escrito "Para a glória de Deus!"
Me uno à dor desta cidade tão abençoada e grande, nestes oito anos do maior atentado terrorista da História, acontecido justamente contra a nação construída em nome da liberdade!
Veni Sancte Spiritus, veni per Mariam!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Para quem quer ir à guerra


Um amigo me escreveu hoje me contando acerca de mais uma pequena batalha que houve em sua casa. Uma batalha pela clareza, pela luz, pela verdade. Uma batalha contra o relativismo, enfim, contra o mal, contra a confusão que paira em nosso meio. Mas, se alguém vier me perguntar o que é a vida, eu logo respondo: "é uma guerra". A vida não é outra coisa senão uma guerra, uma guerra pela vida, pelo bem, pela verdade. Por isso, Jesus diz no Evangelho que veio trazer a espada, e não a paz, porque a vida é guerra: uma guerra pelo bem e pela vida, pela verdade. Uma guerra para a qual para assumir é preciso ter coragem. É covardia fugir da vida, mas também é estupidez viver sem as "armas" necessárias para tanto.

Uma das maiores armas que possam existir e que a tradição cristã, tão esquecida por nós ocidentais, aponta, é o Rosário da Virgem Maria (também carinhosamente conhecido como "terço" por nós, brasileiros).

O Rosário, tal como o conhecemos, em sua origem, foi uma oração de batalhas. Não foi uma oração originalmente de "velhas", como muita gente erroneamente pensa hoje. É uma oração viril, e da virilidade. O Rosário, tal como nós o conhecemos, nasceu na militar Espanha, que formou-se como país na famosa Guerra da Reconquista, que durou de 732 a 1492, quando os muçulmanos foram definitivamente expulsos da Europa. É preciso ser muito homem para rezar o Rosário e guerrear neste mundo com ele. Porque o Rosário é um dos maiores instrumentos de contemplação que a tradição cristã possui. Ele nada mais é do que o compêndio, a síntese do Evangelho, como nos diz o Papa João Paulo II na belíssima Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae (O Rosário da Virgem Maria), de 2002.

O Rosário é para ser recitado em ritmo de marcha, pois é uma oração de guerra. Todos os santos, desde o século XVI, até hoje, sem exceção, a recitaram. O próprio Papa João Paulo II dizia que o Rosário era a sua oração predileta. Pois então: quem quiser um conselho para enfrentar a própria vida e todos os seus desafios com coragem, fortaleza e tenacidade, não deixe de pegar o Rosário em suas mãos. Pois São Paulo fala que devemos enfrentar a vida com "a armadura de Deus". E São Luís Maria Grignon de Montfort (1673-1716) compara o Rosário com nada menos que a funda com a qual o pequeno Davi destruiu ao gigante Golias (cf. 1 Sm 17, 40-54). Cada "Ave-Maria" é como que uma pedrada lançada contra o "Golias" que visa destruir a nossa vida e ao mundo inteiro: esta mentalidade relativista.

Cada "Ave-Maria" é a afirmação da Encarnação do Verbo, de que Deus se fez homem, nasceu de uma mulher como diz São Paulo (cf. Gl 4,4) e está presente. A Ave-Maria abre uma fenda na mentalidade relativista, porque Maria é a maior inimiga dessa mentalidade para a qual tudo caminha para o nada, para a destruição, para o absurdo e o non sense. A recitação meditativa da Ave-Maria é o maior inimigo que o relativismo possa encontrar.

Por fim, segue abaixo o que o Beato Bártolo Longo (1841-1926), que construiu o famoso Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, em 1887, falou a respeito do Rosário:

"Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral, não te deixaremos nunca mais. Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último beijo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há-de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário de Pompeia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu".

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson e a destruição do humano


Ontem, por volta das nove da noite, eu acordei. Dormei a partir das oito porque acordei às cinco e meia da manhã enquanto fui dormir às uma e meia do dia anterior. Vi que uma amiga minha tinha me ligado e retornei a ligação. Além do convite para uma festa, ela me contou que Michael Jackson tinha morrido. Eu tomei um susto. Imediatamente fiquei abalado, e depois me surpreendi chorando à meia-noite vendo no Jornal da Globo a morte de Michael Jackson. Logo depois rezei uma Ave-Maria pela sua alma, que ela encontre a paz que tanto anelava nesta terra.
A morte de Michael Jackson é a morte do homem plenamente moderno. É o sinal mais do que evidente de falência da mentalidade que nos circunda. A morte de Michael Jackson é verdadeiramente a morte do homem. Porque Michael Jackson é mais do que o símbolo, mas é a evidência mais perfeita da nossa época, a era mais tenebrosa e gélida de toda a História. A vida (e a morte) - se quisermos ser sábios - de Michael Jackson têm muito a nos ensinar, porque Michael Jackson é "a mais fina flor da época moderna". Michael Jackson, plenamente moderno, colheu todos os frutos das promessas da nossa época: fama e sucesso, mas também solidão e abandono. Um dos homens mais famosos do mundo morreu triste, solitário e endividado.
Ontem eu vi no jornal que "Michael Jackson não soube lidar com a fama". Isto não é verdade! A mídia simplesmente o destruiu, tão-somente porque ela precisa disso, precisa erigir seus ídolos e depois destrui-los, como por exemplo faz agora com Amy Winehouse, dá lucro para a grande mídia os escândalos e as bizarrices desses grandes famosos.
Mas o que está em jogo aqui é muito mais profundo do que tudo isso. O que está em jogo é a concepção de homem.
O que é o homem? O que pode torná-lo feliz?
Será mesmo que o homem não tem uma natureza e é completamente maleável, como ensina a mentalidade dominante? Será que podemos impor à realidade os nossos caprichos sem ter que pagar nada por isso? Será que o caminho da felicidade não é um dado objetivo, mas é definido pelos nossos caprichos e infantilidades? O que está em jogo aqui é isso, e Michael Jackson foi a pessoa que mais levou a longe (ou melhor a sério) os preceitos modernos. Porque, por mais que nos afirmemos "modernos", somos muito tradicionais, objetivos, por mais que defendamos certas coisas nos discursos - graças ao fenômeno da paralaxe cognitiva (que é a separação entre a razão e a experiência, a vida e o pensamento) - somos muito mais objetivos e aderentes ao real do que imaginamos.
A morte prematura de Michael Jackson é a morte prematura do humano. E o humano morre prematuramente porque vem sendo agredido, vem sendo destruído, dilacerado por ideologias burguieso-radicais, como a sociologia do conhecimento, que em nome de um relativismo absoluto (o que é uma contradição em termos, ou seja, um absurdo), afirmam que não há natureza humana e que tudo não passa de uma mera construção social. Michael Jackson é mais fina flor de tudo isso.
Ontem, eu fiquei observando o famoso clip "Thriller". Aqueles zumbis que aparecem ali não surgem à toa. Porque a arte não é algo aleatório. A arte é a expressão do humano, e a expressão do humano que vive agora, ou seja, expressão da época e do meio no qual vivemos. Trocando em miúdos, isto significa que aqueles zumbis são a expressão perfeita do estado humano das pessoas da nossa época: zumbis, qeu servem a um poder, sem pensar, como admiravelmsnte os Cranberries cantam em Zombie (1994): http://www.youtube.com/watch?v=HJEySrDerj0.
Sem sombra de dúvida, Michael Jackson foi um grande artista, e não é sem razão de ser que ele encarnou perfeitamente o espírito da época e lhe deu vazão e expressão, consciente ou inconscientemente. Mas Michael confirma aquilo que outro grande artista, o poeta Bruno Tolentino (1940-2007) já disse: "o artista é aquele que tem uma fome e sede de verdade, de beleza, de felicidade, de liberdade muito grandes, que o incomodam instante após instante, e que entram em decadência se não encontram a resposta".
Michael Jackson inconscientemente é um profeta. Sua vida é um grito. Ela é a prova mais evidente de que algo está muito errado em nossa época, em nossa culturas, no modo de conceber a nós mesmos e aos outros. Algo está muito errado na era mais gélida e terrível da História, esta era de solidão e desamor. Que este apelo não seja ignorado. E que possamos reconstruir o novo nos escombros do velho.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A razão da vida

Em abril, um amigo me fez a seguinte pergunta que cravou-se em mim, de alto a baixo: "Por que você vive?"
Ali foi uma verdadeira palavra de Deus. Porque São Paulo fala que a palavra de Deus é viva e eficaz, rasga de alto a baixo, separando juntas e medulas.
Por que vale a pena viver? Por que vale a pena trabalhar, acordar cada dia, enfrentar as circunstâncias alegres ou dolorosas?
"Por que você vive?"
Essa pergunta tornou-se minha: "por que eu vivo?"
Essa pergunta profundíssima é o que Heidegger chama de a exigência de autenticidade. É a pergunta do homem verdadeiro, do homem que inicia o caminho da santidade.
Hoje é o mundo do "se", diz Heidegger: come-se, trabalha-se, veste-se, diverte-se. Hoje vivemos no mundo da inautenticidade. O "eu" é dissolvido na turba e na multidão, na moda, na ideologia e na alienação. Então esta é a pergunta de quem deseja a vida-vida, e não o mundo do "se", é a pergunta de quem deseja ser verdadeiramente "si mesmo". Pois, que dará o homem em troca de si? - diz Jesus no Evangelho.
"Por que eu vivo?", poderia ser trocada pela frase: "o que me move? O que me põe em movimento?"A resposta só pode ser uma: foi e é um olhar, um abraço, um amor! Fui e sou amado, perdoado, acolhido, abraçado e resgatado por um olhar que chegou ao profundo da minha pessoa, e que transborda! Antes eu me movia querendo ser amado, hoje me movo porque eu fui e sou amado, e, portanto, a partir disso, me movo porque eu amo! Os meus movimentos, certos ou não que estejam, no fundo, são movimentos de amor, porque eu fui e continuamente sou amado, e que é objeto de amor, não pode deixar de ser sujeito do verbo amar. A imagem de Fra. Angélico acima é impressionante: Maria foi amada e abraçada por Deus de tal forma, que imediatamente partiu e foi visitar a sua prima Isabel, e passou três meses com ela, sendo a imagem viva da caridade ardente e viva!
Experimentei isso quando abracei Vicky em Nova York. Ela abraçou a mim, a minha pessoa - e não um abraço formal qualquer - porque ela mesma foi abraçada. Ela ama, porque foi e é amada, vive por um olhar, por um amor, e ela mesma ama agora. Vivo porque amo.
Vi uma história parecida com a de Vicky com uma senhora chamada Zaira, de Londrina, no Paraná, durante os Exercícios Espirituais da Fraternidade de Comunhão e Libertação. Ela era uma pessoa que se considerava falida: divorciada, com problemas de relacionamentos com os filhos e por fim, teve a própria empresa destruída por um incêndio. Acabou se deprimindo. Mas, uma moça de São Paulo, Gislaine, que tem família por lá, a encontrou e confiou em seu potencial. Depois de muita insistência, esta senhora recuperou a confiança em si mesma, reconheceu que tinha um valor precioso e que não era definida pelas circunstâncias que passou, e desde então resolveu - confiando em Gislaine - apostar em vender bijuterias em São Paulo. O sucesso foi tanto que ela foi expor no Meeting de Rímini pela Amizade entre os Povos, e além de realizar o seu sonho de ir à Itália, não só conheceu, como conversou com Vicky. Depois ela disse: "assim como a Vicky foi salva pelo olhar da Rose, eu fui salva pelo olhar da Gislaine". Ela retomou o trabalho, e o mais bonito é que agora diz que contratou uma senhora que está com dificuldades financeiras para ajudá-la. Ela olhou para esta senhora como ela foi olhada antes. Por isso, todo o segredo está mesmo no "algo que vem antes". O amor gera amor, o protagonista gera protagonistas! Eu fico oomovido ouvindo histórias como estas! E o mais bonito de tudo é o sorriso de dona Zaira! Como diz Santo Irineu: "A glória de Deus é o homem vivo!"
Isso é como as obras de Cleuza. Quem faz uma obra como aquela? É de verdade quem foi amado até a medula. É de verdade quem ama Aquele que o amou primeiro. Por isso, os santos foram e são, antes de tudo, empreendedores, são homens e mulheres, que diante das necessidades do outro não souberam se contentar com as meias-medidas ou com a inautenticidade deste mundo, marcado pela indiferença e pelo egoísmo. Por isso, Giussani diz que o santo é o homem verdadeiro, é o homem autêntico, em é o homem-homem que vive a vida-vida, é aquele que transcende a inautenticidade que a maioria vive, e salva a História! O santo salva a História porque salva o homem! A razão da vida é o amor, é aceitar ser amado e amar! O amor a Cristo, o Divino Mendigo, que pede de joelhos para entrar na nossa vida, é a razão pela qual vale a pena viver! Porque "viver" só pode ser sinônimo de "amar".

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O monumento dos ateus

No dia 24 de janeiro de 2007, em Veja, o professor Dr. Francis Collins, médico, químico e biólogo americano, Diretor do Projeto Genoma, acerca do ateísmo fez a seguinte afimração: “Eu acredito que o ateísmo é a mais irracional das escolhas”.
Eu concordo piamente com ele, porque, de um lado, se o cristianismo é "a vitória da inteligência", o ateísmo é a suprema irracionalidade.
Bom, deixando pra lá argumentações intelectuais, quero contar aqui um fato que me aconteceu ontem, e lembrando Dostoievski, que disse que a Beleza salvará o mundo, salvará porque é o esplendor da verdade.
Ontem pela manhã eu fui com alguns amigos do Centro do Movimento Comunhão e Libertação, de São Paulo e do Rio ao Pelourinho, e lá fomos à Igreja de São Francisco. Logo, se iniciou uma longuíssima discussão entre o padre Julián de la Morena e o médico Alexandre Ferrari sobre o barroco, a "pós-modernidade católica", segundo de la Morena, por não haver centro, ser já o início da perda do referencial.
A novidade foi dita por Cleuza, líder da associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo. Ela disse: "eu não entendo nada, porque eu não estudei, mas uma coisa eu sei: esses homens fizeram isso porque amavam a Cristo. Porque só faz uma obra quem ama Cristo. Onde stão as obras dos ateus? Onde estão os monumentos dos ateus?"
E aí eu me lembrei logo: a modernidade ateia, que desencantou o mundo, que expulsou o Mistério da vida pública, ela foi a responsável pelas duas guerras mundiais, pela bomba atômica, pelo holocausto, pelos mais de 100 milhões legados pelo comunismo, somados aos campos de concentração nazista e comunista, aliada à destruição da família, dos vínculos, e pelo aumento da solidão, da depressão e do desespero: bem, este é o legado humano da modernidade, que está avançadíssima na questão técnica e na pré-história na questão humana. Não è à toa que até o pensador Edgar Morin disse que "nós estamos no período pré-paleolítico".
A obra vem de quem ama Cristo! O que é necessário para construir, para viver? Amar! Amar a si mesmo, amar a realidade, amar Cristo! Não é à toa que não há nada mais belo que o mosteiro! Quem ama vive, quem ama constroi! E a nossa história católica, em seus monumentos belíssimos, que enche de beleza até mesmo os ateus que destroem a si mesmos e ao mundo inteiro, é testemunha desse amor a Cristo, de homens e mulheres, que mesmo em seu anonimato, foram protagonistas da História! Eu me comovo diante dessa história! Me comovo diante de homens para os quais Cristo é tudo, porque Ele é o Senhor da História, o Rei do Universo! Ontem eu vi uma imagem do Senhor Morto no Convento do Carmelo! Me comovi diante da genialidade do escultor! Me comovi vendo os pés e as mãos do meu Senhor, negros (pela falta de sangue depois de três horas suspensos na Cruz), por minha causa, por causa do meu pecado, da minha traição, do meu mal, do meu nada, tive que reprimir as lágrimas para não chorar. Diante dessas pessoas como Cleuza, uma certeza, pelo menos, eu tenho: sou pecador o quanto tiver de ser, mas eu amo Cristo, eu amo o Senhor, e me doi muito não amá-lO ainda mais! E quero que minha vida seja essa obra de beleza que testemunhe Aquele não só é o centro, mas a "Realidade" com "R" maiúsculo! Se o legado do ateísmo é o horror e a destruição, desejo que a minha vida, ao inverso de tudo isso que nos é oferecido, seja um hino à Beleza e à Vida! Esse é o meu maior desejo!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O porquê da polêmica

Mais uma vez, meu último post suscitou uma pequena polêmica da qual eu não quero falar aqui. Só quero dizer o porquê, na minha opinião, Maria é a inimiga mortal do niilismo e porque pus este post.
Maria é o sinal mais do que evidente de que toda existência humana, terrena, carnal, concreta, seja ela qual for, tem um sentido, ou seja, um desígnio, é orientada com uma razão, um logos, isto significa que cada ação, até mesmo a aparentemente mais insignificante acontece dentro do Eterno, e por isso, é carregada de significado, é densa de sentido.
Maria nos chama, com a sua simples vida, e com o seu trabalho, como dona-de-casa, esposa de José e mãe de Jesus, à responsabilidade diante da totalidade do universo, porque diante dela somos ajudados, quase quie obrigados a perceber que cada gesto é eterno, cada gesto tem um quê de eternidade e um quê de divino, mesmo jogar bola ou tomar cerveja em um bar. Eu me dei conta disso uma vez, há alguns anos, numa refeição, comendo. Percebi que não mais poderia "deixar de comer o que já tinha comido". Isto significa que uma ação, qualquer que seja ela, por menor e mais aparentemente banal é eterna, não é retornável, é algo acontecido. Eu aprendi isso olhando a Virgem Maria, pois nela é transparente que cada ato, cada pensamento, cada gesto, cada palavra, tem um peso eterno, ela olha para a dimensão do eterno, do definitivo, e além de tudo isso, é para o mundo inteiro, para a totalidade, é a esse olhar e a essa perspectiva que ela nos educa simplesmente com a sua vida.
"Nenhum homem é uma ilha", diz o grande místico americano Thomas Merton, porque ninguém está isoldado, cada ato que fazemos é para o mundo inteiro. Tudo está emaranhado numa trama eterna que vai se descortinando aos poucos em nossa vida. Por isso, mesmo uma monja de clausura pode estampar um sorriso cheio de felicidade, como eu vi ontem à noite numa foto de um amigo meu, porque na verdade está cheia, repleta daquele Único que nos pode fazer feliz: Jesus Cristo, o Verbo do qual tudo procede, do qual tudo vem, e que passa pela Santíssima Virgem!
Maria sozinha esmaga todo o niilismo, todo o desespero, toda a negação da vida, porque nela tudo é adesão, tudo é reconhecimento, tudo é aceitação! Não é à toa que é chamada pelos místicos de "o terror do Inferno"! O terror do nada! O terror da nadificação! O terror da Dama Ideia, diria o poeta Bruno Tolentino! Ela sozinha é a fonte viva de esperança, como poetiza Dante Alighieri, ela sozinha "espolia o Inferno", esmaga Satanás, esmaga o mal, o absurdo, o non sense, o desespero. Esmaga porque é forte, porque é vitoriosa! Não é à toa que São João Damasceno, já no século VIII dizia que "a devoção à Maria é uma arma de salvação que Deus dá àqueles a quem quer salvar".
É inconcebível que uma menina pobre de um lugar tão obscuro seja hoje reconhecida pelo mundo inteiro e aclamada como a Rainha do Universo, e mais ainda como a Rainha dos Corações! O seu destino vitorioso nos enche de esperança! Nos enche de alegria! Ela é a causa da nossa alegria, com ela tudo adquire sentido, até o peso do trabalho, das fadigas, das derrotas e das tristezas, porque nela tudo é a descoberta de um bem realmente grande, do qual ela é o nosso portal. Tudo se faz descoberta dAquele Deus que deixou a metafísica e por meio dela, resolveu habitar entre nós! Por fim, finalizo com o Hino à Virgem, de Dante, na Divina Comédia, que exprime melhor do que eu tudo isso:



Virgem Mãe, filha de teu Filho, 
humilde e alta mais que qualquer criatura, 
termo prefixado de eterno desígnio, 

Tu és aquela que a natureza humana 
enobreceste de tal forma, que seu Criador 
não desdenhou fazer-se sua criatura. 

Em teu ventre reacendeu-se o amor, 
por cujo calor na eterna paz 
assim germinou esta flor. 

Aqui és para nós luz meridiana 
de caridade; e embaixo, entre os mortais, 
és fonte vivaz de esperança. 

Mulher, és tão grande e tanto vales, 
que quem deseja graças, e a ti não recorre, 
é como alguém que desejasse voar sem asas. 

A tua benignidade não apenas socorre 
quem pede, mas muitas vezes livremente 
e antecipa ao pedido. 

Em ti, misericórdia, em ti, piedade, 
em ti, magnificência, em ti se coaduna todo o bem 
que existe nas criaturas.
(Paraíso, canto XXIII, vv. 1-21)

terça-feira, 19 de maio de 2009

A inimiga mortal do niilismo


"Os maiores poderes dos céus,
presentes, do mesmo modo que seu Senhor,
cheios de veneração acompanham o corpo
que foi o templo santo do próprio Deus.
Eles avançam pelos céus
e gritam, sem serem vistos,
aos chefes dos exércitos celestes:
«É a Soberana do universo,
a Virgem divina que avança.
Erguei as bandeiras
para acolher de modo festivo
a Mãe da Inesgotável Claridade.»

Através dela
os homens receberam a salvação.
Não podemos trazer-lhe presentes,
e nem podemos oferecer-lhe
a homenagem que convém à sua grandeza:
suas prerrogativas ultrapassam o entendimento.

Virgem Santa, ó pura Mãe de Deus,
hoje vivendo com teu Filho, o Rei da vida,
pede sem cessar a Cristo
para que salve de todo o perigo,
de todo o ataque do Inimigo
esse novo povo que é teu.
Todos nós estamos sob tua proteção
e te louvamos pelos séculos."

(Vésperas da Dormição da Mãe de Deus, Composição de Petrós do Peloponeso, morto em 1777)

"Nossa Senhora [...] é a carnalidade do cristianismo. Ela exprime plenamente a pedagogia de Cristo ao revelar-se. Opõe-se ainda hoje à negação de tudo, ao niilismo que caracteriza o mundo pós-liberal [...]. Nossa Senhora é o Mistério. O Mistério não são as trevas, mas o que nos é dado experimentar do Ser. Nossa Senhora remove qualquer equívoco, na sua simplicidade e carnalidade. Como pode o Mistério revelar-se como Mistério? Nossa Senhora! Ela é o ponto culminante da dialética religiosa e filosófica. Se o Destino considera a si mesmo como Mistério, o aspecto humano que nos faz dizer que é misterioso se torna consciência de Nossa Senhora. Pois a primeira coisa que sobressai ao homem no mistério, a primeira possível, a primeira coisa que sobressai física e espiritualmente do fato do Mistério é Nossa Senhora. A característica do Mistério é poder ser compreendido entre os pobres ignorantes. Assim, a obra do Espírito, Criador do universo, é Nossa Senhora. Não o digo por devocionismo, mas porque é assim objetivamente. O Espírito se torna experimentável como Caridade em Nossa Senhora. [...] É escandaloso que Nossa Senhora seja o primeiro sinal dessa Presença de Deus. Mas só quem entende isso pode interessar-se realmente pelo divino. Descobrir que Deus se encarnou na Virgem Bem-aventurada faz com que tudo se torne parte dessa descoberta: a primeira página do jornal, o número dos fios de cabelo de quem você ama." (Luigi Giussani, O Ser é Caridade, entrevista a Renato Farina no Corriere della Sera, em 22 de agosto de 2002).

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O verdadeiro método para vencer a AIDS


Rose Busingye

O verdadeiro método para vencer a AIDS é fazer com que as pessoas se sintam amadas

Artigo publicado no jornal eletrônico Ilsussidiario.net
Entrevista com Rose Busingye


Discutir o problema da Aids a partir da redação dos jornais e dos escritórios políticos das diversas instituições européias é uma coisa; discuti-lo tendo diante dos olhos a situação de dezenas de mulheres soropositivas, e de seus filhos que foram contagiados, é toda uma outra coisa. Rose Busingye dirige o Meeting Point de Kampala, um lugar de renascimento para 4 mil pessoas, entre doentes e órfãos, que de outro modo estariam condenados a viver no silêncio e no abandono o destino dos marcados pelo HIV. Neste local de intensa humanidade, as polêmicas sobre o uso do preservativo para abater o flagelo da Aids chegam como um eco de longe.

Rose, que efeito tem em você ouvir tantas vozes polêmicas em torno de um problema com o qual a senhora luta todos os dias?
Quem alimenta a polêmica em torno das declarações do Papa deve, na realidade, entender que o verdadeiro problema da difusão da Aids não é o preservativo; falar nisso significa parar nas consequências e não ir nunca à origem do problema. Na raiz da difusão do HIV está um comportamento, está um modo de ser. E, além disso, não nos esqueçamos de que a grande emergência é conseguir formas de cura para as tantas pessoas que já contraíram a doença, e para aquelas o preservativo não serve.


Porém, continua o fato de que, de qualquer modo, se pode fazer qualquer coisa para evitar que o contágio se difunda ulteriormente: neste caso, a prevenção não é um instrumento útil?

Retomo um exemplo, para fazer entender como, verdadeiramente, por vezes não nos damos conta da situação na qual vivemos na África. Há algum tempo atrás, vieram alguns jornalistas para fazer uma reportagem sobre a atividade do Meeting Point: viram a condição das mulheres soropositivas que estão aqui e se comoveram. Decidiram então fazer-se úteis, fazendo um pequeno gesto para elas: presentearam-nas com algumas caixas de preservativos. Vendo isto, uma das nossas mulheres, Jovine, os olhou e disse: “Meu marido está morrendo e tenho seis filhos que, em pouco tempo, serão órfãos: de que me servem estas caixas que vocês me dão?”. A emergência daquela mulher e de tantíssimas outras como ela, é ter alguém que a olhe e diga: “mulher, não chore!”. É absurdo pensar em responder à sua necessidade com uma caixa de preservativos, e o absurdo está em não ver que o homem é amor, é afetividade.

E quanto às pessoas que possam ter relações com outras e difundir o contágio?
Também aí vale o mesmo discurso: é necessário, antes de tudo, olhar a humanidade deles. Uma vez, estávamos falando aos nossos meninos da importância de proteger os outros, de evitar o contágio; um deles se pôs a rir, dizendo: “mas que me importa quem são os outros? Quem são as mulheres com quem saio?”. E um outro dizia: “também eu fui infectado, e agora?”. A Aids é um problema como todos os problemas da vida, que não se pode reduzir a um particular. É necessário, antes de tudo, partir do fato de que é preciso ser educado também no viver a sexualidade. Mas a educação remete à descoberta de si mesmo: a pessoa que é consciente de si, sabe que tem um valor que é maior que tudo. Sem a descoberta deste valor – de si e dos outros – não há nada que tenha. Também o preservativo, ao final, pode ser bem utilizado apenas por uma pessoa que tenha descoberto qual o valor do humano, se ama verdadeiramente e se é amada. Pensa-se talvez que onde o preservativo é distribuído não prossegue o contágio da Aids? Enfim, em certos casos o discurso do preservativo, nas condições nas quais nos encontramos, pode parecer até ridículo.

Em que sentido?
Há poucos dias, por exemplo, mostramos a nossas mulheres o que é o preservativo, explicando inclusive as instruções de uso: antes de usá-lo deve-se lavar as mãos, não deve haver pó, deve ser conservado a uma certa temperatura. Foram eles mesmo que me interromperam: lavar as mãos, quando para ter um pouco de água devemos andar vinte quilômetros a pé? E depois tem o problema do pó: até mesmo um grão qualquer pode ser perigoso e arriscar o rompimento do preservativo. Mas, essas mulheres quebram pedras da manhã à noite, e têm a pele das mãos secas, rachadas e duras como a rocha! Por isso, digo que se fala sem conhecer minimamente o problema e as condições na qual nos encontramos.

À luz desta difusa ignorância em relação aos problemas reais das pessoas que vivem na África, que efeito têm as polêmicas contra o Papa?
O Papa não faz outra coisa que defender e sustentar justamente aquilo que serve para ajudar esta gente: afirmar o significado da vida e a dignidade do ser humano. Aqueles que o atacam têm interesses a defender, enquanto que o Papa não os tem: nos quer bem e quer o bem da África. Não é dele que vêm as minas que lançam para os ares nossos meninos, nossas crianças que viram soldados, que se encontram amputados, sem orelha, sem boca, incapazes de deglutir a saliva: e a eles o que damos, os preservativos?

De fato, a Aids não é o único problema que atinge a África.
Existem muitíssimos outros problemas e situações trágicas sobre as quais há total indiferença. Quando, há alguns anos, ocorreu o genocídio em Ruanda, todos estavam observando. Aqui perto existe um país pequeniníssimo, que podia ser protegido e nada foi feito: lá estavam os meus parentes e morreram todos de modo desumano. Ninguém se moveu e agora vêm aqui com os preservativos. Mas, também no nível das doenças, vale o mesmo discurso: por que não nos trazem as aspirinas ou os remédios contra malária? A malaria é uma doença que aqui vitima mais pessoas que a Aids.

Qual a situação de agora, na Uganda, em relação à difusão da Aids?
Em Uganda se estão fazendo grandes progressos e o nosso presidente está trabalhando muito bem e obtendo ótimos resultados. O seu método não é apostar na difusão dos preservativos, mas na educação: instituiu um ministério para isso e colocou pessoas nas vilas de analfabetos para educá-las a uma mudança de vida. A esposa do presidente esteve aqui conosco há pouco tempo e disse com força que o verdadeiro ponto que pode fazer mudar a situação é parar de viver como os cães e os gatos, que devem sempre satisfazer a seus instintos; e falou do fato que o homem é dotado de razão, que o faz responsável por aquilo que realiza. Se o homem continua ligado ao instinto como um animal, dar a ele um preservativo não serve a nada. Mudar as condutas. Este é o método que está dando resultados e teve como consequência o fato de que a difusão da Aids em Uganda baixou de 18% a 3% da população. O método funciona e o coração do método é fazer de um modo tal que as pessoas se sintam queridas. O vemos aqui, no Meeting Point: quando as pessoas chegam aqui não querem mais ir embora.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A crise e a esperança


Jovem da obra "Pontos-Coração" em missão na Índia

Se alguém me perguntar "por que eu sou católico?", eu poderia responder na lata "porque Deus existe", mas acho que isso não diria muito aos nossos jovens de hoje, que têm as mentes e os corações cauterizados pelo poder. Mas eu bem poderia dizer: "porque eu encontrei uma realidade humana diversa e melhor do que tudo o que existe ao nosso redor, e a encontrei precisamente dentro da Igreja". Essa realidade diversa e melhor que a fé reconhece é amor. A Igreja é um "mistério de amor", diz o Papa Pio XII na encíclica Mysticis Corpus, e o amor - o dom de si para o bem do outro - é o que mais corresponde às exigências mais profundas do coração humano. E por isso eu sou católico, porque não existe realidade humana na qual isso se documente numa abundância extraordinária como na Igreja católica, quem tem olhos para ver que veja!
Por que digo tudo isso?
Estou muito provocado com um fato muito simples: amanhã, na Faculdade Social da Bahia, o padre Thierry, fundador da obra Ponto Coração, obra de compaixão e consolação, presente no mundo todo, à qual eu sou particularmente próximo, e sinto uma afeição especial, vai falar da compaixão como solução para a crise mundial.
A Beata Tereza de Calcutá já falava que o amor é capaz de destruir as bombas atômicas, que o aborto é maior forma de violência - porque é uma guerra contra crianças, o Papa João Paulo II na encíclica Dives in Misericordia afirmou que o mistério do mal só não destrói o mundo porque é barrado pela misericórdia de Deus, mas eu fiquei chocado com a afirmação do padre Thierry: a solução para a crise é a compaixão, é disso que ele vai falar amanhã.
Como o amor vai salvar o mundo financeiro?
Eu me lembrei de Vicky! A crise financeira mundial é uma crise de confiança e não está dissociada do culto à desconfiança espalhado em nossa sociedade, de alto a baixo, desconfiança porque qualquer um, a priori, pode ser inimigo de qualquer um, inimigo porque "o amor em muitos esfriou", como previu São Paulo, e qualquer um pode ser um potencial inimigo.
Portanto, a solução para a crise só pode ser a edificação de uma nova sociedade. O Papa Paulo VI falava que a missão da Igreja é a construção da civilização da verdade e do amor! O caso de Vicky é emblemático porque é o caso evidente de uma pessoa que ressurgiu e recuperou confiança nas pessoas e na vida a partir do reconhecimento de que "é amada infinitamente" e que "vale mais do que a própria doença". O racionalismo que impera desde o século XVII é incapaz de evidenciar o valor humano e contribui para uma sociedade onde predomina o cálculo e o utilitarismo.
A origem de tudo isso é uma postura da inteligência que não reconhece o fundamento da realidade. Chama-se ateísmo. Com o ateísmo, a realidade perde o sentido e é impossível o conhecimento, e por tabela, o amor (porque não se ama aquilo que não se conhece). Tudo torna-se reação voluntariosa e voluntarista do instinto ou do poder (o homem torna-se escravo do instinto ou do poder), justificada de modo sofisticado pelos ideólogos de plantão.
A saída só pode ser como o caso de Vicky, uma pessoa que ressuscitou porque se reconhece profundamente amada. Quem são as pessoas do Ponto Coração? Pessoas que, reconhecendo-se profundamente amadas pelo Mistério que faz toda a realidade e que torna-se presente numa comunidade precisa, deixam tudo, e vão pelo mundo, ser o rosto do amor. Eu mesmo fui objeto desse amor, dessa acolhida e dessa compaixão. No período mais negro da minha vida, em novembro de 2006, devo à minha vida, às pessoas do Ponto Coração que me acolheram e me abraçaram, em São Paulo: Arnaud, Cristiane e Graciele, eles foram o rosto bom do Mistério de Deus na minha vida, e a aprtir daquele momento, se iniciou um movimento de ressurreição em minha vida que continua até hoje!
A solução para esta crise financeira é a compaixão, é olhar para o homem, sofrer com ele, amá-lo! É mesmo o amor, embora às vezes eu seja tão ridicualrizado e taxado como utópico por isso! Cristo ressuscitou! Os jovens de Ponto Coração são a prova viva disso! E é de realidades como essa que brota a civilização do amor e são realidades como essa que se constituem numa esperança viva, inclusive para a economia, porque se pode muito bem construir uma economia a serviço do homem, e não contrária a ele.

sábado, 11 de abril de 2009

A derrota do nada

Na sua brilhante filosofia ateia, Sartre chegou à conclusão de que "a morte é a nadificação total dos nossos projetos", portanto a vida seria "absurda", e "uma paixão inútil". Tudo isso é fruto de uma filosofia do ateísmo (e portanto, do absurdo, porque o ateísmo é tão absurdo quanto um círculo-quadrado - a palavra "a-teu" significa "sem-sentido", porque Deus é o Sentido e a Razão) coerentemente desenvolvida e levada às últimas conseqüências.
Mas hoje se faz memória de um fato que quebra com todas os pensamentos sartreanos, embora estes sejam concatenados! Hoje se comemora o fato mais inaudito, mais inesperado, e ao mesmo tempo o mais correspondente, o mais fascinante e o mais desconcertante de todos os tempos: um homem ressurgiu por seu próprio poder, da morte!
Para a nossa raiva, ou para a nossa paz, a História foi atravessada pelo anúncio desse fato, que é como a "luz" no meio da noite, e que nos desconcerta, porque ele é o fio da navalha das nossas vidas. O apóstolo São Paulo já dizia: "Se Cristo não ressuscitou, os mortos não ressuscitam, é vã a nossa fé e nós somos os mais infelizes dos homens!"
Mas a noite de hoje é especial: Cristo ressuscitou, com a Sua morte destruiu a morte, e nós podemos ver que isso é verdade graças à nossa vida.
A Ressurreição hoje é mais forte do que há 2000 anos! Seu poder chega até os últimos rincões da África, atingiu uma moça chamada Vicky, às portas da morte por causa da Aids, que foi fulminada pelo olhar amoroso de uma cristã, Rose, olhar amoroso que era o próprio Jesus, que está vivo, e se identifica com a Sua Igreja hoje. Esta mulher, abraçada no mais íntimo do seu ser, foi reerguida do nada para o qual afundava por um olhar que lhe disse "você é maior que a sua doença!"
Esta mulher estava nos Estados Unidos contando a sua história, em palestras intituladas Razões para a esperança, e eu mesmo, na Sociedade Bíblica Americana, em Nova York, por volta das oito da noite, do dia 24 de fevereiro deste ano, fui abraçado por esta mulher, e pude experimentar em mim mesmo o abraço do qual ela foi objeto. Eu fiquei extremamente grato e reconheci: "A Ressurreição me abraçou! Eu fui abraçado pela Ressurreição!" Eu posso crer porque eu vejo, a força da ressurreição em ato.
Não há uma terceira alternativa: a vitória ou é da morte, isto é, do nada, ou a vitória é daquele que ressurgiu na manhã da Páscoa! Eu posso dizer, porque vejo: "Cristo ressuscitou!" E entoar aquele grito que emerge do mais profundo do humano: "Aleluia!" O nada foi derrotado, para sempre!

terça-feira, 31 de março de 2009

Esperança no meio do caos


Nos últimos meses, minha vida tem sido acossada por um verdadeiro vendaval, levada para lá e para cá. Esta é uma das razões pelas quais tenho me mantido calado. Calado e pensativo... tenho visto tantas coisas nestas últimas semanas que tenho ficado mais observando, calando e "auscultando" a realidade. A realidade da minha dissertação (já em vias finais - graças a Deus!) também tem me levado a me calar. Nos últimos tempos, tenho me dado conta do Mal e de como ele tem força em nossas vidas, da morte e da sua força inexorável, se a Ressurreição na manhã da Páscoa não tivesse sido um fato acontecido num preciso momento histórico da experiência humana.
Há alguns dias, um amigo me mandou em texto escrito por Dráusio Varela, defendendo o aborto na menina de Alagoinha (PE). O que me chocou, lendo, não foi a posição dele, em tese, cada qual é livre para defender o que quiser, mas o que chocou e entristeceu foi o cinismo e a arrogância, a inverdade, a ignorância, a mentira e a hipocrisia escritos num texto que respinga a cinismo e niilismo do início ao fim.
Hoje ficamos a nos perguntar porque estamos vivendo em tanta violência. Eu mesmo que nunca fui de ter medo já tenho medo de sair na rua e ser assassinado, ou receber uma bala perdida, como aconteceu na Vasco da Gama e não é verdade que isso é devido à pobreza, porque os indicadores sócio-econômicos têm melhorado ano a ano, e o Brasil está enfrentando relativamente a crise financeira.
Então, o que tem acontecido? Para mim, é cada vez mais evidente que o grande problema é a mentalidade de niilismo e cinismo que tem se espalhado por meio dos adultos, gerando desnorteamento e desespero, especialmente nos jovens. Sem esperança, não se vive, ela nos é mais necessária que o ar. Eu sou extremamente grato ao Papa Bento XVI, e o amo, porque ele me dá as razões para esperar e poder enfrentar as canseiras do dia-a-dia, num mundo que cada dia mais afoga no nada, no vazio e no desespero, na ignorância, na estupidez e na corrupção das mentes e dos corações.
Uma das coisas que mais me entristecem é mesmo o cinismo. Elsimar Coutinho, comentando sobre o aborto, vem, cinicamente, dizer que "o espermatozóide e o óvulo são vida" e "a menstruação é aborto" e "por que a Igreja não é contra a menstruação?" É essa mentalidade de estar fazendo pouco caso e gozação com as coisas mais importantes da realidade (a vida), de não reconhecer o valor inalienável e irrenunciável da vida, que gera toda essa violência, porque a defesa da maior de todas as violências, que é o aborto, o assassinato frio do ser mais indefeso que existe, que é a criança não-nascida no ventre da mãe, toda essa onda pró-aborto que tem se levantado, sem a menor sombra de dúvidas, é a razão pela qual a violência tem se espalhado, em virtude de fazer predominar uma mentalidade na qual a pessoa para para ser acolhida precisa atender a determinados critérios (como ser saudável ou nascer em ambiente com uma certa situação sócio-econômica), num clima que aceita e olha para a vida como algo banal e descartável, no qual o sujeito não existe "em si mesmo", como uma pessoa única e irrepetível, mas nada mais é do que um ator social, alguém que está ali somente para representar um papel social e nada mais, e que portanto, pode muito bem ser trocado por um outro ator, que convenha mais a esta sociedade do espetáculo! As teorias sociais não dão conta da profundidade humana, justamente por terem se limitado à superfície do fenômeno humano, são superficiais e porque não dizer, vazias, na maioria dos casos; a sociologia não explica "quem sou eu", chega a ser nefasta, porque para ela, é como se nós fôssemos somente atores segurando uma máscara, que no fundo, para ela, é vazia! Mas não é verdade, a experiência humana mostra que o homem é muitom mais do que a sociologia pode dizer, explicar ou legitimar com seus sofistas intelectuais. O homem é sede inesgotável de infinito, é isso o que a realidade mostra. É isso que é documentado em toda a arte e literatura, nos quatro cantos da Terra, o homem não se reduz a um conjunto de necessidades, como água, comida, habitação e sexo, mas é desejo de felicidade, morada, amor e beleza! O homem não se reduz a necessidades materiais, mas é sede de infinito!
Numa sociedade sem esperança, sem o reconhecimento de que a vida em si mesma é um bem, na qual os nossos desejos mais profundos, em nome da edificação de uma sociedade perfeita na qual ninguém precise ser bom, são nivelados por baixo e achatados ao extremo, na qual o nosso destino de felicidade é simplesmente rejeitado e tratado como uma mera quimera, abrem-se todos os espaços para a fúria e a revolta, frutos da insatisfação estrutural contra esta sociedade que é edificada para o poder e contra o homem.
Mas tudo isso não é a última palavra! Eu posso esperar porque dentro de toda essa loucura existe uma outra realidade, que é discreta, mas é vitoriosa! Eu a vi em Nova York, quando abracei Vicky, uma aidética que recuperou o desejo de viver depois que uma amiga lhe disse: "você vale mais que sua doença", eu a vi lá na Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju, onde passei dois dias, onde vi, num departamento de sociologia, se abrirem espaços para se falar da prática da Igreja como "amor" e compará-la com a dádiva de Marcel Mauss, eu a vi em São Paulo, na Associação dos Trabalhadores Sem Terra, num movimento fundado por Cleuza Ramos, que, respondendo operativamente às provocações da realidade, pôde conseguir casas para cerca de 17 mil famílias, edificar inúmeros bairros e fazer com que 50 mil jovens estivessem na universidade! Vi em rostos e em olhares. Esta realidade é a mesma que ressuscitou Jesus na manhã da Páscoa e se faz presente dentro desses rostos e desses fatos, uma realidade nova, marcada não pela violência e pela morte, mas pela acolhida e pela vida. Como disse Dom Geraldo numa entrevista na Band há alguns anos: "Se o espírito do mal está trabalhando, o Espírito de Deus também não está parado" e, pelo menos a mim, é dada a graça de ver essas coisas. É daí que vem a minha esperança e o meu desejo, de que essa realidade cresça, porque é a vida, vida que nos satisfaz e nos faz felizes! Vida que me faz dizer, em cada domingo da Páscoa: "o Senhor está vivo! Ressuscitou do sepulcro, para sempre, para não morrer jamais! Aleluia!"

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Por uma educação do coração


Luigi Giussani

O problema da guerra, em especial a de Gaza, a última, e mais o problema da política é algo que, particularmente, me preocupa. Porém, a política é a forma mais complexa, e por isso, mais ambígua e mais contraditória da cultura, por isso, a chance de, na política, a gente errar, a gente se equivocar, é muito grande. E quem se detém a analisar a política mundial vê que as contradições, as ambivalências se elevam quase ao infinito, como por exemplo, em 1994, quando Nafis Sadik, Diretora do UNFPA (Fundo das Nações Unidas para o Povoamento) e Secretária da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, encontrou-se com João Paulo II para pedir que ele "se condoesse com a situação das mulheres e se posicionasse a favor da legalização do aborto". Como - obviamente - saiu com um "não" do então papa, Nafis Sadik ficou profundamente impressionada, segundo ela mesma "com a 'frieza' e irredutibilidade" do Papa Wojtila.
Esse é só um pequeno exemplo das contradições, ambivalências no tocante à política e maior ainda, à política mundial. A questão que sempre me vem à mente é a seguinte: como ter clareza? Como ter certeza diante de certas coisas? Porque, um dia eu vejo a posse de Barack Obama, positiva, vendo a esperança no rosto das pessoas, de um lado, e negativa, no sentido de reconhecer ali uma forma sutil de idolatria e também do pensamento de "eu já vi isso antes", e logo no outro dia, praticamente, o choque: Obama libera verba para ONGs abortistas! A cobrança da fatura está sendo a jato! Para quem já balançou a bandeira vermelha da sua janela e quase levou tiros no "um-dois-três-a-cê-eme no xadrez", em 2001, toda cautela é pouca (mas não vou falar aqui da minha desilusão com o comunismo...)
A questão é a seguinte: como ter clareza? Como não ter confusão?
Re-lendo uns artigos de jornal de Luigi Giussani (1922-2005), que saíram à época da guerra contra o Iraque, em 2003, eis que "a luz" se fez em meu espírito. Não é à toa que Luigi Giussani é um dos maiores educadores do século XX e XXI, logo ele que definiu a educação como introdução à totalidade do real, veio aclarar o meu espírito porque vem propor aquilo que parece menos urgente e que dará resultados com um certo tempo, uma tarefa verdadeiramente, impopular. Giussani vem dizer que o problema está na educação do povo, urge a educação, diz Giussani, e não uma educação qualquer, mas uma "educação do coração". Ele entende o 'coração' como um conjunto de exigências originárias - de verdade, felicidade, justiça, paz - que é preciso educar, porque elas estão presentes e nos movem, mas não são automáticas, e que o poder, uma vez constituído, visa justamente obscurecer essas exigências originárias porque elas são o que de mais autenticamente humano existe e aquilo que mais se opõe ao poder. Não se trata aqui de uma educação técnica, onde são repassados conteúdos, e o know-how savoir faire, de "como fazer bem as coisas", também não é uma educação meramente erudita, a erudição pela erudição, é uma educação ao humano, que é o aspecto mais negligenciado na educação contemporânea: "quem sou eu? O que é que me faz feliz, de verdade? O que é que satisfaz o meu espírito?" E para educar o humano, não há nenhuma técnica, a não ser "o mostrar-se do humano", o que "educa o humano" não é outra coisa senão a humanidade, e a humanidade se torna concreta como amizade. Daí o supremo método de educação de Giussani: a educação é a introdução à totalidade do real por meio de uma amizade, algo que acontece como que "por osmose, por inveja mesmo".
Um filme que ilustra bem o quanto uma humanidade só pode ser despertada e educada por encontrar-se diante de uma outra humanidade mais potente é o fime A Vida dos Outros (2006), que narra a história de um oficial comunista da Alemanha Oriental que fica "tocado" e "se humaniza" a partir da humanidade vibrante do artista contrário ao regime, do qual ele deveria investigar a vida. De um homem burocrata e frio obedecedor das normas do sistema, ele se torna um homem cheio de humanidade a ponto de sacrificar a própria carreira e a própria vida para salvar o artista que, sem saber, salvou a vida dele. Por fim, descoberto e expulso, passou a trabalhar como carteiro, em nome da própria liberdade, e após o fim do regime, foi secretamente homenageado pelo escritor, que por fim, descobriu tudo. É um filme muito humano e profundo, que mostra que o que pode salvar uma pessoa não é nenhuma teoria, ideia ou fórmula, mas outra pessoa, que a comunica uma outra coisa, por meio de uma osmose, ou por inveja mesmo, simplesmente. O filme evidencia aquilo que Giussani diz: que aquilo de que o mundo precisa é de homens, e nós ajudamos tanto mais ao mundo, quanto mais homens nos deixamos ser, tocados, provocados, comovidos e mudados, a partir de uma humanidade mais potente, quando a temos diante de nós! É só isso que poderá criar espaços e juízos novos onde vive uma humanidade de olho no ideal: felicidade, liberdade, justiça, paz! Se a ONU se propusesse a si mesma proporcionar uma educação do povo, certamente surtiria grandes efeitos sobre a humanidade, e quem sabe, onde se veem bombas e tiros, não víssemos cantos de alegria, de paz e de vida?

sábado, 31 de janeiro de 2009

Por quê?


Um amigo que está na França me escreveu dizendo que eu poderia, nos meus posts, evitar a referência a Deus e etc., porque isso "enfraquecia" o meu discurso. Bem, em primeiro lugar é preciso dizer que eu não estou interessado em discurso nenhum, mas somente em comunicar a minha experiência. De qualquer forma, eu fiquei pensando no porquê eu cito Deus. Por uma razão muito simples: porque se Deus existe mesmo, nossa vida não pode continuar a ser como normalmente é. Não posso viver como um órfão quando na verdade tenho um pai.
Eu gosto muito da Música One of Us, de Joan Osbourne http://br.youtube.com/watch?v=rph_-qE9C-M:

"E se Deus fosse um de nós?
[...]
Se Deus tivesse um rosto, como seria?
E você gostaria de vê-lo, se
Você tivesse que acreditar em coisas como paraíso
E em Jesus e os Santos e em todos os profetas?"

Eu só sei que eu sou absolutamente maravilhado, quase que petrificado diante do fato de que Deus se fez homem. Diante disso, é como se todas as nossas palavras, como se tudo devesse ser reduzido ao silêncio.
Esses dias, escrevendo a dissertação, eu me perguntava como é escrever diante desse fato, diante dessa Presença. A resposta me veio quando vi um ícone da Anunciação: o anjo Gabriel veio à Virgem Maria enquanto ela estava trabalhando, e não durante um transe místico. Eu gosto muito da Virgem Maria, porque ela é a carnalidade da fé, ela nos faz mergulhar na realidade, nos salva do niilismo, nos enche de esperança! O desafio da vida é viver tendo essa presença nova que entrou em nossa vida, bem diante dos nossos olhos. Por isso, ao contrário do que muitos pensam, a fé não é uma fuga da realidade, mas é uma modalidade subversiva e surpreendente de viver as coisas de sempre! E não dá para não falar do fato mais importante da História, que tem a ver com tudo, e com todos! Eu sei bem em quem eu acredito, ai de mim se não evangelizar!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Uma imagem vale mais do que mil palavras


Ícone da Natividade

"Deus é luz!" (1 Jo 1,5) e AMA a vida!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Dançando sobre o vazio ... ou sobre o cheio?

Um dia, discutindo sobre o niilismo, um amigo me disse que agora, que a razão foi tirada de seu centro, que todo mundo desconfia da razão, resta-nos ... dançar sobre o vazio! É o que Nietzsche diz, resta-nos agora dançar sobre uma estética vazia, sobre a pura forma do nada... Isso nunca me bastou, porque eu semprei pensei que dançar sobre o vazio não tem graça, ou como diz Luís Fernando Veríssimo, "o ateísmo é tão chato como um mundo sem loiras"! Dançar sobre o nada não me atrai.
Tem um livro muito bom do jornalista italiano Vittorio Messori chamado "A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga", de 1985, no qual ele interroga o então cardeal Ratzinger, hoje papa Bento XVI, sobre o catolicismo dele, e nele Ratzinger fala que, como bom filho da Baviera, o seu catolicismo não é rançoso e ranzinza, mas alegre e colorido, no qual existe espaço para a oração, mas também para a festa e para a alegria (em oposição ao protestantismo, que é comum na Alemanha, muito mais focado na observância de regras).
E aí, pensei, dado que a esperança é o inverso do niilismo, vou virar esse negócio de cabeça pra baixo! É bom dançar sim, mas por que sobre o vazio? Por que não sobre o cheio? Por que viver no desespero se eu posso esperar? Por que pensar que estou imerso no nada, quando estou imerso no Infinito, nele me movendo, existindo e sendo?
Por isso, a esperança tem um nexo profundo com a liberdade, que tem a ver com esse reconhecimento e me parece que a escolha está em nossas mãos! Ou a Grande Presença, ou o nada! Já que é pra dançar, que seja sobre o cheio, como se diz na música Keep On Rising: "Live your life, and you be free!" (Viva a sua vida e seja livre!)", dançando sobre o cheio!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O recado de Foucault

Uma coisa tem de ser dita: Foucault é um gênio! À medida que se avança na leitura dele, se percebe isso com uma clareza impressionante. Ele é o arqueólogo da "jaula de ferro" moderna, incomoda a direita e a esquerda porque vem revelar, trazer à tona a prisão na qual se constituiu a modernidade.
Foucault se interessa pelo poder porque é a única coisa que sobra depois que Deus é tirado de cena. Sem a percepção do Mistério, o homem é necessariamente escravo do poder, e Foucault percebe isso de uma forma genial, como poucos.
Mas a coisa que mais me impressiona em Foucault é perceber, já nos anos '60 o fenômeno da "dissolução do sujeito". De fato, a ideia de sujeito, 'eu', pessoa, começou com Abraão, em 1750 a.C. quando ele resolve seguir a Voz que o chamava à Palestina. Ele deixou o mundo politeísta na qual o 'eu' se dissolvia na comunidade, na natureza e nos tempos cíclicos; e seguiu a Voz que o chamava, o 'eu' adquire consistência diante não da 'comunidade, da 'natureza', ou dos 'tempos cíclicos', mas diante de um 'tu', de um 'outro', diante do qual ele está. Ali nasceu a percepção de 'eu' que moldou a nossa sociedade, tão cara a nós e que se manifesta entre outras coisas na democracia e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Cidadão. O 'eu' é relação direta com o Mistério.
Como a percepção da relação direta com o Mistério foi podada ideologicamente por grupos que queriam supostamente 'emancipar' o homem, a percepção do 'eu', naturalmente desaparecia, sendo somente uma encruzilhada de todos os vetores do poder, poder que teria total poder sobre o indivíduo. Não é verdade que o poder domina hoje nossos pensamentos, nossa forma de nos vestirmos, de usarmos nossos corpos, o nosso modo de falar? Porque sem o reconhecimento de uma 'Outra Coisa', o 'eu' nada mais é que 'a resultante dos diversos vetores de poder' presentes sociedade, um poder que pode ser difuso ou concentrado, mas que se arroga um direito total sobre as nossas vidas. A tragédia maior acontece quando esse poder se cristaliza no Estado. Vimos isso no fenômeno dos totalitarismos nazista e comunista, onde, em nome da desculpa de moldar a sociedade perfeita, o poder se arvorou o direito de eliminar dezenas de milhões de pessoas. Sem uma referência ao Mistério Último, a defesa da pessoa perde qualquer fundamento e fica à mercê de quem detém o poder no momento. É paradoxal, mas o reconhecimento do Mistério é a única possibilidade de real liberdade e de resistência ao poder, de não ser joguete nas mãos de quem detém o poder no momento, joguete esse se faz por meio do discurso, dos meios de comunicação especialmente.
Hoje se fala muito em autenticidade, na revolta pós-moderna que pode ser a semente de um mundo novo, mas sem a referência, sem o reconhecimento do Mistério, a pós-modernidade, que pode muito bem ser o começo de um mundo novo, pode cair no mais profundo niilismo. Não se criará um homem novo e emancipado somente com o voluntarismo e com a força do discurso e da retórica. Foucault reconheceu isso com uma lucidez admirável.Como ele mesmo fala, dando o seu recado à modernidade arrogante, cínica e ateia:
"O discurso não é a vida: seu tempo não é o de vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a morte; é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo o que vocês disseram; mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que ele" (A Arqueologia do Saber, p. 236).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Do que ainda podemos esperar?

Se alguém me perguntar qual é a minha palavra preferida, eu sei responder no ato: é a palavra ESPERANÇA. Eu sou verdadeiramente apaixonado por esta palavra, porque eu já tive uma época em minha vida (2003) na qual eu não esperava nada: dormia sem querer acordar, e acordava querendo dormir, uma sensação horrível. E isso acontecia porque no fundo eu não esperava mais nada da vida, nenhuma novidade. Nem mesmo do acontecimento cristão (a Igreja). Quando a encontrei, em 2001, eu vim de tantos momentos difíceis, de tantas apostas, que eu não me envolvi com ela de forma plena, vivia "justaposto", não conseguia fugir, mas também de fato, o meu eu, o centro da minha pessoa não apostava a vida no encontro que eu tinha feito, 2 anos antes.
Eu tenho uma certa "tara" por livros. Há alguns anos, voltando de uma viagem, cheguei no Aeroporto de Salvador, e comprei seis ou sete, de uma vez. Um dos que eu li é o único livro de poesias de Camilo Pessanha, autor português representante do Simbolismo, morto em 1926, em Macau, antiga colônia portuguesa (hoje pertencente à China), intitulado Clepsidra. Clepsidra é o nome de um antigo relógio de água. Este foi um dos livros mais belos, profundos e tristes que já li. O autor tem plena consciência do que é a vida humana, do nada que a cerca, que a traga, do vazio, do absurdo, da falta de sentido e do desespero que a cerca. Minha vida era uma Clepsidra, uma sucessão de instantes vazios e sem significados, e mais ainda: era como se eu já conhecesse tudo, como se não pudesse esperar mais nada.
Muita coisa aconteceu de lá para cá. O que é evidente em minha vida hoje é a esperança. "Um imprevisto é a nossa única esperança!", diz Luigi Giussani. O imprevisto em minha vida foi dar lugar a uma amizade que eu tinha encontrado e não tinha valorizado até então.
Eu escrevo tudo isso porque estou pensando em Gaza, na Palestina. Há esperança para este mundo? Há esperança para nós? Depois do horror, ainda há esperança? Já li um monte de análises políticas muito boas, mas isso não basta! Falar de amor de forma etérea também não me corresponde. Mandar os terroristas "relaxarem" como Mika faz em Take it easy também não dá. Há esperança de verdade, ou diante do que acontece no mundo eu só posso olhar impassível, jogar pedras ou fazer passeatas, ou pior ainda, me conformar, achando que o mundo não pode ser melhor? Meu coração não se conforma com "gritos mortos de infinito"! O mundo pode ser melhor do que é! Qualquer coisa pode ser melhor do que já é! Quem diz o contrário está contando uma mentira muito grande! Não falo em mundo perfeito, esse sim eu acho impossível, mas quem disse que não podemos tornar o mundo um lugar melhor pra se viver? Quem disse que nós não podemos ser pessoas melhores? Mas mesmo assim, não me conformava! De onde pode vir a esperança ao mundo?
Eu lembrei da minha experiência. Em 2006, eu vivi um momento muito difícil, marcado por muita dor, confusão e revolta. E digamos, "uma quase perda da fé". No fundo, eu sabia que Deus existia, mas eu queria vê-lO, não dava mais para uma fé "infantil". Era tudo ou nada ali. O que me salvou foi que durante quatro meses eu fiquei de joelho diante do Santíssimo Sacramento, dizendo: "Senhor Jesus, tem piedade de mim, que sou pecador". Até que, em novembro, em São Paulo, eu fiz um encontro que mudou a minha vida. Eu fui a São Paulo fazer uma entrevista para seleção do mestrado na Fundação Getúlio Vargas. Uma pessoa que estudou na UFBA me disse que tinha apartamento lá em São Paulo. Eu aceitei e confiei. Uma confiança "irracional". Na véspera da viagem, esta pessoa me disse que não iria poder emprestar o apartamento por uma determinada razão (que depois eu descobri qual era: não existia apartamento nenhum, era mentira pura). Eu disse "está certo", e fui. Eu já tinha um amor à Virgem Maria, e pensei: "Nossa Senhora não vai me deixar na rua". Nem eu sabia que já tinha a fé que achava que tinha perdido. Quando eu cheguei em São Paulo, pensei em quem poderia me acolher, assim, do nada. Só lembrei de uma amiga, Cristiane, de uma obra chamada Ponto Coração. Eles me acolheram dessa forma. Cheguei lá eu encontrei um francês, na época responsável da casa que me disse que eu podia ficar. Arnault é um economista francês que se tornou missionário depois do que viu em Medjugorje (Bósnia-Herzegovina) e hoje é padre na Fazenda do Natal (na Bahia), da mesma obra. Lá também eu encontrei Cristiane, Graziela e a Irmã Maria Laura, também francesa, do Verbo de Vida (Lauro de Freitas). Eu passei cinco dias nessa casa e voltei maravilhado. Fiquei pensando: "Onde é que existem pessoas assim? Quem são essas pessoas? o que existe por trás delas? Quem é que gera isso?" O fato é que eu vi Deus, se é que vocês me entendem. Eu acho que esta foi a primeira vez que a partir de um fato humano, fiz este percurso de forma tão rápida: reconhecer dentro de uma humanidade diversa que correspondia àquilo que eu mais esperava, o Mistério de Deus. Eu sei que a aridez que eu vivi por quatro meses acabou. Deus me respondeu com um fato. Os caminhos dEle são infinitos, mas ali ele me deu a fé.
A significa que dentro da nossa realidade, dentro desse mundo maluco existe uma outra coisa, existe uma outra realidade, diversa e melhor, existe um outro mundo neste mundo, e a mim - pobre ser - foi dada a graça de vê-lo. Voltei decidido a viver a experiência na qual eu vinha me justapondo durante muito tempo, a experiência que havia me sido dada. E hoje eu tenho esperança, essa esperança que é a vida da minha vida, que me faz feliz! Tenho esperança porque Jesus ressuscitou, está vivo e é Ele que gera realidades como essa pelo mundo inteiro. O mundo não está abandonado ao caos do horror, do ódio e da guerra! E nem aos fracassos da política mundial!
A única esperança para o mundo é que realidades que portam essa mentalidade, essa vida - que é o amor, não como apelo etéreo, mas como fato concreto - se dilatem ao máximo. É daí que brota a esperança para o mundo. Pois senão, a única coisa que teremos é o avanço implacável do devir, que faz ontem os judeus vítimas e os faz hoje algozes (da mesma forma que fez os negros antes escravizarem, e depois, serem escravizados). É essa mentalidade que fazia a Irmã Maria Laura, negra e de Guadalupe (território ultramarino da França) não ter ódio de Arnault (branco francês da França Continental). Toda vez que penso na guerra, me lembro deste trecho de Paulo: "Ele - Cristo - é a nossa paz, de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava" (Efésios 2,14). É a única esperança para o mundo. Todo o resto ou é cálculo político-ideológico ou cinismo puro, o que é ainda pior.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A arqueologia do ceticismo


Recentes discussões com amigos e uma das leituras que estou fazendo para a minha dissertação, A arqueologia do saber, de Michel Foucault (1926-1984), um dos maiores pensadores do século XX, me inspiraram a escrever este post sobre a arqueologia do ceticismo, tema que há bom tempo me intriga. Falo em arqueologia do ceticismo por duas razões:
1º Porque a maioria dos meus amigos que têm nível superior (e a maioria o tem, até pelo ambiente no qual eu ando), é cética.
2º Quase todas as discussões nas quais as pessoas me envolvem com relação à fé o assunto homossexualismo entra em questão. Quem me conhece sabe que eu não tenho nenhum problema, preconceito ou o que quer que seja com gays, lésbicas, total flex e afins.
Então, eu fiquei me perguntando: "se eu não saio por aí atacando (no bom sentido) gays, lésbicas, total flex e afins, por que essa de amigos heterossexuais (detalhe interessante!) estarem contra mim dessa forma, beirando muitas vezes o ódio?" A resposta é uma só: esse ataque é a única - ou a última - forma de atacar aquele é o "inatacável", Jesus Cristo. "Odiaram-me sem motivo", diz ele. E esse ataque todo é fruto de como a mídia passa a questão da sexualidade para a população.
Eu me dei conta de que entendo e respeito os céticos, mas cada vez me intrigava mais a questão. Neste mesmo espaço falei da lavagem cerebral dos jovens, em 18/09/08 http://dimitrimartins.blogspot.com/2008/09/lavagem-cerebral-nos-jovens.html, mas o detalhe é que "o buraco é mais embaixo", a lavagem cerebral anti-cristã é perpetrada em toda a sociedade, em todas as classes sociais, em todas as idades, produzindo o que o cineasta Pier Paolo Pasolini, ateu, comunista e homossexual assumido, chamou de homologação (sem trocadilhos): todo mundo pensa a mesma coisa, veste a mesma coisa, faz a mesma coisa, a exigência de autenticidade é jogada no lixo, e todo mundo repete o discurso do poder, e geralmente aqueles que se acham mais livres, a geração MTV e afins, geralmente são os mais escravizados. Vivemos hoje numa sociedade que o simples fato de ser cristão e ter fé, em si, constitui quase um crime. A ironia de tudo isso é que Foucault, em seus estudos arqueológicos, na História da Sexualidade (e na Microfísica do Poder também), afirmou que a perseguição aos homossexuais só começou por volta de 1750, com o advento da modernidade, e que a Igreja jamais perseguiu os homossexuais.
É um milagre que um jovem universitário não seja cético hoje. De dentro da Igreja, por um lado, se percebe uma relutância à missão, quase como se os católicos tivessem vergonha de o sê-lo, desconhecendo o imenso patrimônio cultural e intelectual da fé; por outro, os jovens são "preparados para o ceticismo", não só pela escola, mas pela TV, pelos pais que perderam a fé e não acham importante transmitir para os próprios filhos o sentido e o valor da vida humana. Chegamos hoje a um nível de informação monumental, sobre qualquer coisa. Mesmo sobre o massacre de Gaza, existem informações que virtualmente chegam ao infinito. O que falta hoje? O sentido de tudo isso. Estamos perdidos - como nos conta Machado de Assis já no século XIX "na barafunda da informação". A ciência já sabe hoje que informação demais emburrece, pois além da informação é necessário o pensamento e o amadurecimento da informação. Não é à toa que já na década de 2020, um dos principais problemas de saúde terão a ver com a cognição: as pessoas ficarão estressadas com a quantidadade de informações que deverão - e não conseguirão, por diversos fatores - assimilar. O pior de tudo é a falta de sentido. Qual o sentido em busca de informações nesse ritmo frenético e alucinante, ritmo que não dá tempo de elencar, reunir os pedaços e reconhecer o sentido que se oculta por trás da barafunda da informação, aparentemente sem conexão?
A falta de sentido conduz também, além do ceticismo, à banalidade. Qualquer um que visitar o orkut poderá perceber o que é o ápice da banalidade. A cultura do nada se evidencia de forma muito clara no orkut. Eu fico muito triste quando vejo pessoas adultas, cultas, estudadas, que não tem nada na cabeça, sendo pessoas vazias, fúteis, "efemeridades", diria Clarice Lispector.
Se pararmos nisso, a nossa época é realmente desesperadora. É a época do triunfo do nada. Mas eu não acredito que estamos condenados ao nada. O recurso para lutar contra esse niilismo e ceticismo não é apelar para espiritualidades de plantão new ages que desconsideram a razão e no fundo acabam incrementando o niilismo e o ceticismo, mas é voltar a olhar as nossas exigências originárias e constitutivas, é voltar a olhar o nosso próprio coração, o centro da nossa razão. A grande Adélia Prado disse: "Para o desejo do meu coração, o mar é apenas uma gota." Nosso desejo é o Infinito, então por que nos contentar com as banalidades, com as futilidades, com o nada? A Beleza salvará o mundo, como falou Dostoiévski, porque "a Beleza é a manifestação da Idéia" (Hegel), desse Infinito pelo qual aspira o nosso coração. O método, o caminho nos é dado pelo mesmo Pasolini, ateu, comunista e homossexual assumido, para ficar claro que não é uma questão de convicções religiosas, mas uma questão humana, aberta e disponível a todas as pessoas. É o caminho do olhar, do olhar a beleza que passa em nossa frente. O primeiro passo para sair do ceticismo é o reconhecimento da beleza, da beleza que vem com a correspondência. Diz Pasolini: "O olho olha... é o único que pode perceber a beleza... a beleza se vê porque é viva, e portanto real. Digamos melhor, que pode acontecer vê-la. Depende de onde ela se revela. O problema é ter os olhos e não saber ver, não olhar as coisas que acontecem. Olhos cerrados. Olhos que não vêem mais. Que não são mais curiosos. Que não esperam acontecer mais nada. Talvez porque não acreditem que a beleza exista. Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito".
O segundo passo é julgar, comparar a exigência que temos em nosso coração com aquilo que encontramos, com a homologação do poder e da mídia, com a banalidade e vulgaridade presente no orkut, com o niilismo e desesperança que se ensina nas escolas. Será que nosso coração se contenta com tão pouco? Será que basta tão pouco pra saciar a nossa exigência infinita de autenticidade, de verdade, de vida, de beleza, de significado? Eu sou cristão porque encontrei tudo isso em Jesus Cristo e na Sua Igreja hoje, aqui e agora! O problema, como canta Joan Osbourne, em One of Us (Um de nós), é que ninguém mais busca essa beleza, a única que nos sacia de verdade. "Ninguém O está chamando ao telefone - canta ela - somente o Papa, talvez, em Roma".

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A mais urgente das questões

Hoje é meu aniversário, e eu estou muito surpreso comigo! Eu estou MUITO FELIZ neste últimos dias, e isso evidencia-se particularmente agora quando completo mais um ano de vida. O meu aniversário é uma data muito importante pra mim porque há poucos anos, eu não gostava de fazer aniversário, não gostava de ficar mais velho. Eu via os meus anos se evaporarem, como se fossem areia numa ampulheta, indo para nunca mais voltarem, e o pior de tudo, sem sentido algum. Nos últimos anos, e a cada ano isso é mais verdade: este ano estou mais feliz do que no ano passado, eu estou mais feliz por fazer anos, eu me sinto extremamente grato pelo fato de estar vivo (principalmente quando eu lembro das várias ocasiões nas quais me vi face-a-face com a morte - eu lembro todas as datas - desde quando eu tinha 3 anos quando fiquei gravemente doente, devo minha vida a uma promessa que minha mãe fez a São Francisco de Assis, até a última vez que me vi em perigo, em 2007), e o mais interessante, cada vez mais jovem, mais vivo, mais ativo, mais alegre, mais feliz; não que eu seja uma nova Pollyanna, tentando "ver o lado positivo de tudo", estou feliz mesmo, primeiro por que estou vivo, e segundo, que não estou sozinho - Deus está vivo e está comigo!
Estou me dando conta nos últimos tempos o quanto eu amo a vida, a minha em primeiro lugar, e de todos aqueles que me cercam. A vida não é uma coisa óbvia, a vida é preciosíssima, é rara, é um milagre, não só a vida humana, mas toda a vida. Um dia eu me lembro que uma amiga estranhou que eu chamei na rua um cão de "amigo", depois me consolei lembrando que São Francisco o chamaria de "irmão". Pensei: "ele é mais radical que eu". E fiquei em paz!
Tendo em vista tudo isso, me dou conta de que nós nos distraímos daquela que eu chamaria de "a mais urgente das questões", simplesmente essa: "que é a vida?" Estou acompanhando atentamente o que está acontecendo em Gaza, e eu sou totalmente contra o que está acontecendo lá, por uma razão muito simples: aquilo ali vai virar um massacre completo se ninguém fizer nada. Vejo, ao redor do mundo, inúmeras manifestações, passeatas, reivindicações, e penso: "será que aquelas pessoas sabem o que estão fazendo ou são conduzidas somente pela mídia? Por que esse interesse todo pelos palestinos, interesse que parece desconsiderar a existência dos terroristas do Hamas e do Hezbollah? E pior ainda: por que essa manifestação toda por Gaza e a desconsideração completa pelo que está aocontecendo em proporções muito maiores em Darfur, no Sudão?" E aí eu entendo que essas manifestações são somente ideológicas, quase ninguém de fato ama a vida de ninguém e só está se manifestando por um puro jogo político que a mim me dá nojo. Em 2001 eu fiquei enojado com pessoas militantes de movimento estudantil que estavam comemorando o ataque às Torres Gêmeas, porque era um "ataque ao coração do império!" pelo amor de Deus! Não estamos jogando WAR! A impressão que eu tenho é de que muita gente que fala isso não cresceu psicologicamente, vivendo como se estivéssemos num imenso jogo!
Mas não! Não estamos num imenso jogo, a vida de verdade é um imenso drama, impõe-se a nós, por mais que queiramos fugir para lá ou para cá, e impõe-nos uma pergunta, cujo grande risco para nós é a ruína - sob o nosso próprio olhar complacente - da nossa vida, em desespero, ódio, amargura e rancor, como vemos em nossa volta: basta abrir os olhos.
Eu sou imensamente grato pela oportunidade de estar vivo, de viver, ser chamado do nada ao ser! Vir do nada ao ser, isto não é nem um pouco óbvio! Como disse um amigo meu que está se formando em medicina, "cada minuto é um milagre!", não é nem um pouco óbvio! E a vida, das duas, uma: ou tem uma razão - logos - ou é absurda - vem do acaso, não há uma terceira alternativa. Olhando a minha vida, a forma como as coisas aconteceram e acontecem é muito evidente que existe uma razão - logos - uma razão poderosíssima - tão poderosa quanto discreta, porque respeita a nossa liberdade e a nossa inteligência (como disse S. Tomás Morus "Deus criou o homem para servi-lO na astúcia da sua inteligência" - desafiá-lO é obra de Satanás), e que não só é poderosa, como me ama, move a realidade a meu favor - providência. Sou grato a tudo o que vivi, tudo e todas as pessoas que encontrei e encontro: cada uma revela uma face do Mistério pra mim, uma face da multiforme graça de Deus. Diante de tanta graça, de tanto amor, como não se animar? Eu sempre - depois que descobri - ponho diante de mim, a frase que Machado de Assis disse antes de morrer: "a vida é boa!", ou como ele disse em Memórias Póstumas de Brás Cubas: "verdadeiramente, o único mal consiste em não nascer!", ou o saudoso amigo Bruno Tolentino, "copiando e erudizando" Machado, "a realidade é inexoravelmente positiva!", boa!
O que me deixa mais grato é o que eu chamo de "salvação", a chance de ter esperança na vida, alegria, paz, amar a mim mesmo, Àquele que me criou e me cria e àqueles que Ele coloca em meu caminho, isto é, ser feliz! O que me deixa mais feliz é a graça de ter sido escolhido e de dizer sim ao Mistério que se fez carne e é verdadeiramente, o Caminho, a Verdade e a Vida, o Mistério que anima (dá a vida) a tudo criado. O que me deixa mais grato é ter alegria num mundo no qual as pessoas são tristes, é ter esperança num mundo onde as pessoas são desesperadas, é amar num mundo no qual as pessoas se matam umas às outras, é ter amigos (em todo o Brasil, na França, na Itália e agora nos Estados Unidos) num mundo no qual as pessoas se reduzem ao mero "si mesmo" e à solidão e justaposição niilista que gera depressão e suicídio.
O meu maior desejo é que a minha vida seja útil, sirva para alguma coisa. E eu quero que ela sirva para levar vida às pessoas, levar paz, amor, esperança. Isso é o que mais me realiza, o que mais me faz feliz! Eu quero espalhar essa vida que eu encontrei e que mudou a minha vida em 180 graus. Eu não quero só entender - porque o reconhecimento do Mistério (e com ele, a humildade) é a plenitude do humano - tudo, embora entender seja justo, eu não quero só pensar - porque até um débil mental pensa (mesmo que forma truncada), eu quero viver, acima de tudo. Já disse Clarice Lispector: "não se preocupe em 'entender': viver ultrapassa qualquer entendimento!" Viver é muito mais do que entender, é muito mais do que pensar, engloba tudo, mas transcende tudo isso. A única forma de descobrir o significado da vida não é "entendendo" ou mesmo "pensando", mas vivendo mesmo, e viver significa "mergulhar no drama". Só quem resolve "mergulhar" vai conseguir responder àquela que é a mais urgente das questões. Eu fico imensamente grato quando me dou conta de que não estou só com este drama. A nossa grandeza de cristãos não é porque somos bons ou melhores que os outros, mas porque não estamos sós, podemos viver com esperança e amar porque não estamos sós, estamos com uma presença - discretíssima - mas presente que nos acompanha e que é responsável até pelas batidas do nosso coração - que está conosco e nos anima, nos dá força! Quem tiver olhos para ver, que veja! Eu só sei que é esta presença em minha vida que me faz tão feliz e mais jovem, a cada ano que passa!