Morreu hoje de manhã, aos 66 anos, no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, o poeta Bruno Tolentino. Pior para todos nós. Pior para o Brasil. Anteontem, lembrei aqui uma das muitas falsetas que a impostura lhe aprontou: em 1994, ele desancou uma tradução de um poema de Hart Crane feita por Augusto de Campos. Em resposta, fizeram um abaixo-assinado. Até a Gal Costa e a Marilena Chaui assinaram. Não convidaram o Chacrinha porque ele já havia morrido. Falarei mais de Bruno ao longo do dia e da importância de sua obra. Havia muito, desde a morte de Mário Faustino (1962), de quem era amigo, era um poeta solitário, vivendo de e em muitos exílios, sem ninguém que pudesse com ele emular, nem mesmo ombrear.Há exatamente um ano, num 27 de junho como este, Bruno lançou aquela que é, no que respeita à produção poética, a sua maior obra: A Imitação do Amanhecer, um conjunto de 537 sonetos alexandrinos, que podem ser lidos individualmente. No conjunto, formam uma narrativa, um romance. Bruno me convidou para um bate-papo na livraria Fnac: também em prosa, era douto, divertido, original. Posso estar enganado, mas acho que os jornais não registraram uma linha. Ou o fizeram com tal discrição, que é impossível lembrar. Ele fora banido também da academia. Bruno podia ser um pouco humilhante — e até intimidador às vezes — em várias línguas. Menos para quem era capaz de ser generoso consigo mesmo para aprender. E então ele era de uma gentileza extrema.Eu era seu amigo. Trabalhamos juntos. Ele sempre teve comigo uma lhaneza que talvez eu nem merecesse. Num tom entre amistoso e galhofeiro, chamava-me, às vezes, como a outros mais jovens do que ele, “filhinho”. Vivi dias felizes tendo-o como colega de redação nas revistas BRAVO! e República. Em tudo, um homem invulgar. Era a única pessoa que eu permitia postar-se ao lado do micro enquanto eu escrevia um texto. Com olhos de uma agilidade infantil, antecipava-se, às vezes, às palavras. E lá vinha: “Filhinho, por que a gente (sic) não escreve tal coisa?”. A gente? Bruno vivia dentro de muitos textos. Eles eram de todos e de ninguém.Estou triste, devastado por sua morte, com a sensação, comum nesses casos, mas incomum quando se trata de Bruno Tolentino, de que eu poderia ter aprendido ainda mais, de que talvez eu tenha falado demais e ouvido de menos. Bruno era genial, contraditório, fabuloso, no sentido mesmo da palavra. Sou, como sabem, aborrecidamente lógico, o que vale para os amigos, que acatam o defeito, e para os inimigos, que, às vezes, se enfurecem. Muitas vezes, eu o flagrei no que, para mim, era uma contradição inelutável. Apontava-a, como é do meu temperamento: “Não, não, filhinho, você não entendeu”. E a sua resposta saía então da literatura, da sua cultura imensa, de uma certa realidade mágica onde vivia o poeta Bruno Tolentino. Eu, terreno demais, dava-me então por vencido.Bruno fez um bem enorme à literatura e a seus amigos e, no pouco de mal que pode ter praticado, não atingiu ninguém, a não ser a si mesmo. E até isso era parte de sua obra. Foi, a meu ver, o último representante de um país que poderia ter sido. E que não foi e não será porque a política — também as políticas culturais — se amesquinha no populismo rasteiro, na apologia da ignorância, da pequenez. Bruno, ao lado de Faustino, morto tantos anos antes, tinha sede do épico.O velório está sendo realizado no Cemitério Santíssimo Sacramento — Av. Dr. Arnaldo, 1.200, em São Paulo. Seu corpo será enterrado amanhã, às 9h. Os que vão morrer o saúdam, Bruno Tolentino.
Por Reinaldo Azevedo
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