quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Por uma educação do coração


Luigi Giussani

O problema da guerra, em especial a de Gaza, a última, e mais o problema da política é algo que, particularmente, me preocupa. Porém, a política é a forma mais complexa, e por isso, mais ambígua e mais contraditória da cultura, por isso, a chance de, na política, a gente errar, a gente se equivocar, é muito grande. E quem se detém a analisar a política mundial vê que as contradições, as ambivalências se elevam quase ao infinito, como por exemplo, em 1994, quando Nafis Sadik, Diretora do UNFPA (Fundo das Nações Unidas para o Povoamento) e Secretária da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, encontrou-se com João Paulo II para pedir que ele "se condoesse com a situação das mulheres e se posicionasse a favor da legalização do aborto". Como - obviamente - saiu com um "não" do então papa, Nafis Sadik ficou profundamente impressionada, segundo ela mesma "com a 'frieza' e irredutibilidade" do Papa Wojtila.
Esse é só um pequeno exemplo das contradições, ambivalências no tocante à política e maior ainda, à política mundial. A questão que sempre me vem à mente é a seguinte: como ter clareza? Como ter certeza diante de certas coisas? Porque, um dia eu vejo a posse de Barack Obama, positiva, vendo a esperança no rosto das pessoas, de um lado, e negativa, no sentido de reconhecer ali uma forma sutil de idolatria e também do pensamento de "eu já vi isso antes", e logo no outro dia, praticamente, o choque: Obama libera verba para ONGs abortistas! A cobrança da fatura está sendo a jato! Para quem já balançou a bandeira vermelha da sua janela e quase levou tiros no "um-dois-três-a-cê-eme no xadrez", em 2001, toda cautela é pouca (mas não vou falar aqui da minha desilusão com o comunismo...)
A questão é a seguinte: como ter clareza? Como não ter confusão?
Re-lendo uns artigos de jornal de Luigi Giussani (1922-2005), que saíram à época da guerra contra o Iraque, em 2003, eis que "a luz" se fez em meu espírito. Não é à toa que Luigi Giussani é um dos maiores educadores do século XX e XXI, logo ele que definiu a educação como introdução à totalidade do real, veio aclarar o meu espírito porque vem propor aquilo que parece menos urgente e que dará resultados com um certo tempo, uma tarefa verdadeiramente, impopular. Giussani vem dizer que o problema está na educação do povo, urge a educação, diz Giussani, e não uma educação qualquer, mas uma "educação do coração". Ele entende o 'coração' como um conjunto de exigências originárias - de verdade, felicidade, justiça, paz - que é preciso educar, porque elas estão presentes e nos movem, mas não são automáticas, e que o poder, uma vez constituído, visa justamente obscurecer essas exigências originárias porque elas são o que de mais autenticamente humano existe e aquilo que mais se opõe ao poder. Não se trata aqui de uma educação técnica, onde são repassados conteúdos, e o know-how savoir faire, de "como fazer bem as coisas", também não é uma educação meramente erudita, a erudição pela erudição, é uma educação ao humano, que é o aspecto mais negligenciado na educação contemporânea: "quem sou eu? O que é que me faz feliz, de verdade? O que é que satisfaz o meu espírito?" E para educar o humano, não há nenhuma técnica, a não ser "o mostrar-se do humano", o que "educa o humano" não é outra coisa senão a humanidade, e a humanidade se torna concreta como amizade. Daí o supremo método de educação de Giussani: a educação é a introdução à totalidade do real por meio de uma amizade, algo que acontece como que "por osmose, por inveja mesmo".
Um filme que ilustra bem o quanto uma humanidade só pode ser despertada e educada por encontrar-se diante de uma outra humanidade mais potente é o fime A Vida dos Outros (2006), que narra a história de um oficial comunista da Alemanha Oriental que fica "tocado" e "se humaniza" a partir da humanidade vibrante do artista contrário ao regime, do qual ele deveria investigar a vida. De um homem burocrata e frio obedecedor das normas do sistema, ele se torna um homem cheio de humanidade a ponto de sacrificar a própria carreira e a própria vida para salvar o artista que, sem saber, salvou a vida dele. Por fim, descoberto e expulso, passou a trabalhar como carteiro, em nome da própria liberdade, e após o fim do regime, foi secretamente homenageado pelo escritor, que por fim, descobriu tudo. É um filme muito humano e profundo, que mostra que o que pode salvar uma pessoa não é nenhuma teoria, ideia ou fórmula, mas outra pessoa, que a comunica uma outra coisa, por meio de uma osmose, ou por inveja mesmo, simplesmente. O filme evidencia aquilo que Giussani diz: que aquilo de que o mundo precisa é de homens, e nós ajudamos tanto mais ao mundo, quanto mais homens nos deixamos ser, tocados, provocados, comovidos e mudados, a partir de uma humanidade mais potente, quando a temos diante de nós! É só isso que poderá criar espaços e juízos novos onde vive uma humanidade de olho no ideal: felicidade, liberdade, justiça, paz! Se a ONU se propusesse a si mesma proporcionar uma educação do povo, certamente surtiria grandes efeitos sobre a humanidade, e quem sabe, onde se veem bombas e tiros, não víssemos cantos de alegria, de paz e de vida?