sábado, 30 de outubro de 2010

A pós-modernidade e a esperança

Eu cansei de criticar a pós-modernidade! Fato é que a pós-modernidade é uma era de destruição, pois pós-modernidade é como o tempo das invasões bárbaras, porém, o que é destruído nesta nossa época pós-moderna (pós-moderna significa pós-iluminista, pós-ideológica, pós-socialista, pós-utopia, pós-liberal, é uma época de sonhos destruídos) é o próprio "eu humano" marcado pela derrota da esperança: a depressão! As marcas da pós-modernidade são o fim das ilusões. Por que o homem pós-moderno é um deprimido? Porque é um homem sem ilusões, mas também sem esperança, pois suas esperanças vãs foram derrotadas pela realidade. Os modernos ainda tinham pelo menos a ilusão das utopias, aos pós-modernos foi-lhes revelada a dolorida realidade da verdade. Kant e Marx tinham, pelo menos, ânimo para militar (Kant na sua obra monumental, um hino à razão, embora já reduzida à medida de todas as coisas, Marx na sua tentativa de criar um mundo novo à sua imagem e semelhança), mas Nietzsche, primeiro homem pós-moderno, mal tinha ânimo para levantar da cama, vivia uma paixão nunca declarada (por medo), era viciado em haxixe, e em 1889 teve um colapso nervoso, do qual nunca se recuperou, morrendo onze anos depois, em 1900, adorando uma mula, e assinando suas cartas com a alcunha "O Crucificado", que, para ele, seria o seu verdadeiro inimigo. Nietzsche antecipou o relativismo pós-moderno, no qual, como dizia Malraux "não há ideal ao qual possamos nos sacrificar, porque, de todos, nós conhecemos a mentira, nós que não sabemos o que é a verdade". Este é o homem pós-moderno. A modernidade lhe tirou a "verdade" com "V" maiúsculo e procurou construir uma "verdade que coubesse na medida humana". A modernidade quis tirar do homem a vertigem (por isso, a ambição máxima dos modernos é o controle, a racionalização extrema, a burocracia). A pós-modernidade veio mostrar a ilusão de tudo isso. Por isso, Nietzsche gostava de chamar os modernos "ridículos" e taxar a modernidade como "auto-ilusão". Passada a fase da "ilusão moderna", que começava a desvencilhar no início do século XX, os homens começariam a dançar sobre o vazio, sobre o nada. E começava o "mal-estar na civilização", como começou a alertar Freud, porque o homem tem um horror insitintivo ao nada. Voltava a "vertigem", como mostrou Hitchcock em 1958. A vertigem voltava, mas agora, diante do nada, e não diante do infinito. Surge a marca da esperança derrotada, que é a depressão. Porque a pós-modernidade é uma época de derrota: a derrota das ilusões modernas, como já dizia Jean-François Lyotard no seu livro já clássico O pós-moderno, de 1979: "A pós-modernidade é caracterizada pelo fim [ou seja, pela desilusão] da metanarrativas", caracterizando a sociedade pós-moderna como a surgida pós-1950: sociedade industrial, rica, culta, saciada e desenvolvida, paradoxalmente, desigual, dividida, insegura, e acima de tudo, sem sentido, solitária, niilista e deprimida: esta é a pós-modernidade, época da derrota da esperança!

Mas de que esperança estamos falando? Apesar de tudo isso, a pós-modernidade é um tempo de oportunidades, depende do olho de quem vê: quem está dominado pelo mal vê somente o mal, em quem domina o bem consegue enxergar a positividade. Isto é verdade porque, se de um lado, foi derrotada a esperança moderna, a esperança do homem conseguir realizar a si mesmo, conseguir fazer a si mesmo feliz, ao mesmo tempo vem emergindo com força total total e este é o verdadeiro significado da irrupção do pânico, da depressão e da ansiedade (da qual eu mesmo fui vítima este ano, todos estamos vulneráveis): o vir á tona da grandeza do nosso coração, que deseja de verdade o infinito, e não um "finito grandão", como lhe prometia a modernidade. O quadro O Grito, de Munch, é uma ajuda muito grande a entender a positividade, a beleza e a verdadeira esperança que está dentro da pós-modernidade, como uma plantinha pequena que cresce nos escombros daquelas estruturas de concreto abandonadas (que são, pra mim, o sinal mais característico da nossa modernidade decrépita e mentirosa, enganadora). Às vezes eu me pego "gostando" da revolta pós-moderna, porque é o grito do coração contra essa falsidade que nos é imposta, como mostra o quadro. O quadro é mais ou menos assim: uma pessoa caminha numa ponte, só [impressionante a solidão, outra marca dos tempos pós-modernos: a fluidificação, a evaporação dos relacionamentos, dos afetos, da amizade e do amor], ao longe, duas pessoas caminham ao fundo, sem lhe dar atenção, sem prestar atenção à angústia que se passa dentro do seu coração, a realidade parece fluidificar-se (esta realidade que a modernidade insiste em fazer "sólida"), a pessoa põe as mãos na cabeça, em sinal de ansiedade, e grita. Grita! Grita, a quem? Se não há nada nem ninguém que possa nos ouvir, como nos dizem os modernos mais entendidos, por que existe o grito? Por que choramos na "noite escura" se não há ninguém a nos ver chorar? Se não há quem nos escute, por que existe a voz?

O maior sinal de grandeza do coração humano é o fato da nossa época ser marcada justamente pela depressão, por este sinal tão característico e evidente de uma esperança que foi derrotada. Mas isto é uma prova de que o coração resiste, e grita! Clama! Implora! Esta é a essência mais autêntica da oração verdadeira e profunda! Este grito é o verdadeiro baluarte contra o niilismo, o baluarte contra o nada, contra a mentira. Uns fazem como a Lady Gaga, que sai pelo mundo "jogando leite na cara dos caretas", jogando leite na cara dos modernos, que criaram o "monstro" que agora pode simplesmente os destruir, mostrando a falsidade e o ridiculo da sua criação. Outros, gritam. Muitas vezes, o grito é silencioso. Se manifesta como ansiedade, como pânico, como depressão. Tudo isto é sinal da grandeza do coração humano, que tem horror ao nada, à vacuidade, ao non sense, à banalidade, que deseja, ou melhor, exige a justiça, exige a beleza, exige a felicidade. A pós-modernidade é uma faca de dois gumes: ela é também uma era de oportunidades incalculáveis e imprevisíveis! Se a pós-modernidade é um rompimento com as ilusões modernas, ela é também uma ansiosa espera do Fato, ou da verdade, do acontecimento, que, como diria Foucault, em A Microfísica do Poder, é "a corporificação do imaterial!" Cada dia eu me dou conta que, por trás de todas as "artimanhas do homem pós-moderno" existe um profundo desejo de autenticidade, o desejo de ser si-mesmo, o desejo da realidade, de que emerja a verdade de si. A pós-modernidade é como as plantas semeadas pelo ar que crescem em meio às ruínas de uma construção abandonada. Essa construção abandonada é a modernidade, com os seus ideais falidos, a pós-modernidade é a vida, que insiste em vingar e crescer de forma vigorosa e anárquica, apesar de todos os planos modernos de organizá-la e estruturá-la.

O grito do coração tem uma resposta: um homem há dois mil anos (Jesus Cristo), disse encarnar em si mesmo o próprio divino, o que significa que Ele nos diz: "o seu grito foi ouvido, Eu escutei (por acaso, a origem dos ouvidos não escutaria?) e vim aqui para responder, para dizer que não estão fadados ao nada, mas têm um ponto de chegada: Eu mesmo". Como já falou Santo Agostinho nas suas Confissões (tido como o "primeiro pós-moderno"): "Criastes-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto em Ti não repousar!" Como temos uma grande testemunha nos nossos tempos: o Papa Bento XVI, a pós-modernidade, mais do que um tempo de esperança derrotada, pode ser um tempo de renascimento da esperança (O mesmo Papa, em 2007, lançou um "manifesto da esperança", a encíclica Spe salvi, onde diz claramente: "é na esperança que somos salvos"), mas não da esperança reduzida, mas da esperança que se coloca diante do Mistério, diante da Vertigem. Não há uma terceira alternativa: ou Jesus Cristo foi um louco, ou é Deus, e como um amigo meu, médico, me disse que os loucos, não são felizes, é melhor fazer como Blaise Pascal já falava: apostar! Esta época é uma época de esperança mesmo, porque os homens, despidos de todas as ilusões que a modernidade lhes impingia estão todos ali com o coração ferido, com a Lady Gaga a comandar o barco: nós só precisamos encontrá-los! Porque o mundo deseja ardentemente a felicidade! E é este desejo que pode ser o ponto de encontro, de diálogo e de reconstrução! Para além de toda a ideologia, o nosso coração é o baluarte contra o niilismo e a possibilidade da reconstrução do humano, da reconstrução do "eu", do retorno da esperança, porque sem esperança não se vive! O coração do homem é espera, a vida é esperança, e eu vivo somente pelo fato de esperar, de ser dominado pela esperança!