sábado, 5 de abril de 2008

A menina Isabella e o mundo que estamos construindo

O mundo no qual vivemos é um mundo em ruínas. Digam-me o que quiserem, mas em todas as crises que vivemos não vemos pais a torto e a direito jogarem as filhas pelo sexto e quarto andar dos prédios, como em São Paulo e em Vitória. A crise que estamos é uma crise do humano, é justamente uma crise do homem, uma crise civilizacional. Definitivamente, a civilização moderna está sepultada. A civilização moderna, ou burguesa, foi a civilização que surgiu fruto da vitória da burguesia, do capitalismo, da Ilustração. É caracterizada pela busca da emancipação humana, pela República e pela democracia, pela economia de mercado e pelo capitalismo, pela convivência em paz. É fortemente assentada no Direito e na Constituição, numa valorização enorme do indivíduo e da pessoa. Sua expressão máxima é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948.
A civilização moderna vem sendo questionada desde a sua origem, por reacionários e por comunistas, resistiu a duros golpes desde a sua origem, no final do século XVIII.
O grande erro da civilização moderna foi abstrair-se do Mistério. Não há lugar para o mistério na modernidade. É o que Max Weber chama de "desencantamento do mundo", se esquecendo do que disse Shakespeare: "há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa filosofia vã". A modernidade não deu certo porque o homem, ontologicamente, é irrecuperável, é "um projeto inviável". Para conseguir seus fins (a total libertação do homem das forças opressores) a modernidade chegou à colonização, a duas grandes guerras mundiais, ao Holocausto e ao terrível flagelo do comunismo.
A ilusão com a modernidade terminou. Vivemos um período difícil. Por um lado, vemos pessoas que persistem com o projeto moderno, como Jürgen Habermas, por outro, percebemos um niilismo e um experimentalismo que transcendem toda a razão.
A nossa sociedade vê apodrecer o "cadáver inchado de Prometeu". E é dentro deste contexto que surgem as propostas niilistas, como o aborto, a eutanásia e as pesquisas com células-tronco, por exemplo, ressuscitando a eugenia nazista do início do século XX. As pessoas deixam de valer porque existem , mas passam a valer na medida da sua utilidade e da sua possibilidade de gozar o bem-estar. É a cultura da morte: a vida não tem um valor em si, mas sim na medida em que é útil (nem que este "útil" coincida com o "gozável"). Os embriões, fetos, idosos e doentes são descartados na medida em que não podem "gozar a vida" e são um peso para quem quer "gozar a vida" (como recomendou nossa amantíssima ministra) para "aliviar a dor" no nosso non sense pós-moderno que é a nossa vida.
Pois bem: é nesse ínterim que os pais jogam as filhas pela janela. Se as mães, imitando Hitler, podem sacrificar seus filhos nos seus colos, no altar do deus bem-estar , por que aquele pai não poderia jogar a filha pela janela porque ela o estava chateando? Me desculpe quem se escandaliza, mas a lógica é a mesma: me livro daquele que me incomoda, tal como fizeram com Jesus, há 2 mil anos.
Nosso grande problema é como usamos a razão. Nossa razão limitada nos impede de ver que a lógica que faz um pai jogar a filha da janela ou alguns jovens arrastarem o menino João Hélio pelas ruas do Rio é a mesma de quem aborta, faz eutanásia ou pesquisa com as células-tronco: é a lógica da não-acolhida, a lógica do desprezo e do ódio à vida, e do cinismo que lhe é inerente, e isso nasce justamente da perda do significado da vida, do desejo ardente, da inquietude por saber o que é a vida e o seu significado. Nos entupimos de informações e não sabemos o seu significado. Ninguém se engane: quem despreza a si mesmo, a própria vida, quem não busca o seu sentido e significado, quem não busca viver a razão em toda a sua intensidade, de certa forma,jogou a menina Isabella do sexto andar daquele prédio, e pode fazer coisa muito pior no mundo que emerge das ruínas da civilização moderna.

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