sábado, 5 de janeiro de 2008

A tragédia humana

A Providência me deu a graça de ser amigo de ninguém menos que o maior poeta do Brasil, Bruno Tolentino, que além de ser um monstro sagrado da poesia, era um puta católico. O fato de ser amigo (pois eu acredito na comunhão dos santos- mas isso eu deixo pra depois) me ajudou a entender os artistas. Para ele, os grandes artistas, como Dostoiévski na literatura, ou Matisse, na pintura, são homens e mulheres como que "feridos por um aguilhão", homens e mulheres que sentem mais e de forma mais constante do que todos o aguilhão do significado, do desejo, são homens e mulheres nos quais ferve o desejo pela verdade, pela beleza, pela liberdade, pela felicidade, são homens e mulheres que não se contentam com a meia-medida, com a mediocridade. Para ele, a atividade dos artistas é sempre um crescendo até atingir o limiar do mistério, como podemos ver em Drummond com o poema "A máquina do mundo" http://www.releituras.com/drummond_amaquina.asp, considerado o melhor poema do Brasil de todos os tempos.

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável


A partir dessa vertigem, o artista precisa se dar uma resposta, porque o seu desejo continua e ele não pode mais evitar o contato com o mistério; é um "ponto de não-retorno". Como um vinho delicioso experimentado, não dá mais para esquecer! Diante do mistério que se apresenta, não dá mais para fingir. Ao mistério contemplado, a única alternativa que se pode vislumbrar a uma adesão, é dar um grande "não", como Drummond:

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


(o resto do poema pode ser lido no link que eu deixei). Esse grande "não" ao mistério nada mais é do que a grande tragédia humana, tragédia que a gente pode ver claramente nos artistas (especialmente nos chamados loucos e etc). Essa tragédia se dá porque o homem é relacionamento com o mistério, deriva o seu ser de uma fonte misteriosa, e definha se não mantém contato com essa fonte. Pra mim me impressiona a figura de Maiakóvski, poeta soviético do início do século XX. Maiakóvski era um jovem com todo o desejo, ímpeto e vigor que caracterizam os jovens e abraçou a Revolução como se ela fosse a resposta aos desejos do seu coração, apostando tudo nela. Desiludido com os rumos tomados pela Revolução, e com problemas amorosos, Maiakóvski se suicida em 1930. Esse não é um caso isolado. Podemos contar as dezenas de artistas que tiveram e têm fim semelhantes. Há pouco vi a imagem deprimente de Caetano Veloso, em sua decadência, e a imagem triste de Cássia Eller, em sua eterna insatisfação. Clarice Lispector, em sua última entrevista, mostrava um cansaço com relação à vida de dar dó. Mas ainda existem relatos ainda mais deprimentes, de Dercy Gonçalves, que ao fazer cem anos, afirmou que "o mais importante na vida era o dinheiro", ou Oscar Niemeyer, quando disse que "fazer cem anos era uma merda". O oposto encontramos em artistas como Dostoiévski, Tolstói, Péguy, Claudel, Saint-Exupéry, Beethoven, Mozart, Bach, Michelangelo e tantos outros. Qual a diferença? O reconhecimento e adesão ao mistério, que se revela, como na máquina do mundo. É um reconhecimento do mistério que permite ao artista continuar crescendo e produzir as maravilhas de beleza que esses artistas produziram e nos comovem até hoje, nos comove porque corresponde aos desejos mais profundos de beleza que nós temos, e que era o mesmo deles. A mesma beleza que se revelou a eles e que os satisfez se oferece a nós e pode nos satisfazer ainda hoje. A beleza salvará o mundo, como diz Dostoiévski, a verdadeira beleza porque ela nos convencerá que a tragédia não é a última palavra sobre a realidade, existe algo de duradouro e imorredor na realidade do qual a beleza é o sinal mais evidente que nos fere, como Eros, e nos puxa para algo acima de nós mesmos! Nos salvará porque nos fará ver, como disse Luís Fernando Veríssimo recentemente, que "o ateísmo é tão chato como um mundo sem loiras!"

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